terça-feira, 22 de janeiro de 2008

A VERDADE SOBRE O BOLCHEVISMO



O stalinismo não foi resultado de nenhuma "contra-revolução burocratica", como insistem em dizer os trotskistas. O stalinismo é resultado dos graves erros existentes no modelo bolchevique, ou seja, no modelo socialista desenvolvido por V.I.Lenin. A revolucionária marxista Rosa Luxemburgo sempre criticou Lenin e o bolchevismo. No clássico "Questões de organização da social-democracia russa", Rosa criticou o modelo autoritario de partido defendido por Lenin.

"Num artigo famoso de 1904. intitulado 'Questões de organização da social-democracia russa', Rosa Luxemburg critica a concepção leninista do partido como uma vanguarda centralizada e disciplinada de revolucionários profissionais, separada da grande massa dos trabalhadores, que teria por função dirigi-los. Contra Lenin, para quem a consciência de classe é levada de fora aos trabalhadores por essa vanguarda de revolucionários profissionais (já que para ele os próprios trabalhadores não têm condições por si sós de irem além de seus interesses imediatos, corporativos), Rosa defende a idéia de que a consciência nasce na própria luta, na ação. Para ela não pode haver separação entre o elemento espontâneo e o consciente, a organização e as tarefas a realizar se formam no decorrer da própria luta de classes, não previamente. Ou seja, não são as organizações que desencadeiam o processo revolucionário, mas é a situação revolucionária, a qual depende da conjugação de uma complexa série de fatores econômicos, políticos e sociais, gerais e locais, materiais e psíquicos, que leva à formação do elemento consciente."

(Isabel Loureiro; em "Vida e obra de Rosa Luxemburg")


Em seu "A Revolução Russa", escrito em 1918, Rosa Luxemburgo criticou os desvios autoritários promovidos pelos bolcheviques após a vitória da revolução em outubro de 1917, alertando para as consequências desses desvios.

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês [...]". (Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")

Segundo o cientista social Michael Löwy, um dos mais importantes teóricos do marxismo na atualidade, "É difícil não reconhecer o alcance profético desta advertência. Alguns anos mais tarde a burocracia apropriou-se da totalidade do poder, excluiu progressivamente os revolucionários de Outubro de 1917 - antes de, no correr dos anos 30, eliminá-los sem piedade."( Michael Löwy; em "Rosa Luxemburgo: um comunismo para o século XXI")

Rosa Luxemburgo deixa claro em "A Revolução Russa", que ditadura do proletariado não é a ausência de democracia, muito menos que seja obra de uma minoria agindo em nome da classe trabalhadora.

"A democracia socialista começa com a destruição da dominação de classe e a construção do socialismo. (...) Ela nada mais é que a ditadura do proletariado. Perfeitamente: ditadura! Mas esta ditadura consiste na maneira de aplicar a democracia, não na sua supressão. (...) esta ditadura precisa ser obra da classe e não de uma pequena minoria que dirige em nome da classe..." (Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")

Mesmo apoiando a Revolução de Outubro, inclusive se solidarizando com os revolucionários russos, Rosa Luxemburgo não se deixou levar por uma visão acritica, beata, de sacristia. Pelo contrário, manteve sua critica ao que achava errado no bolchevismo e acertadamente previu o surgimento do stalinismo.

Infelizmente muitos partidos, movimentos e personalidades de esquerda não enxergam essa verdade e como verdadeiros beatos de sacristia, defendem acriticamente o bolchevismo, insistindo na defesa de um modelo autoritario que a história já condenou. Até mesmo o PSOL - Partido Socialismo e Liberdade, que reconhece os erros do modelo bolchevique, tanto que defende o direito de tendências permanentes se organizarem em suas fileiras, não faz uma critica feroz contra Lenin e o bolchevismo. Inclusive é grande o número de correntes trotskistas no interior do PSOL, que defendem portanto o bolchevismo.

A Segunda Revolução Russa, ou seja, A Revolução de Outubro, não construiu um Estado socialista democrático, mas sim um Estado socialista degenerado, uma ditadura de partido unico que possibilitou o surgimento do totalitarismo stalinista.

O regime de partido unico é natural do modelo bolchevique, pois se observarmos criticamente as teses de Lenin, vamos perceber que se o proletariado não é capaz de realizar sozinho a revolução, necessitando para isso da direção da "vanguarda consciente e disciplinada", ou seja, do partido comunista, é lógico que o proletariado também é incapaz de dirigir o Estado nascido dessa revolução, cabendo essa função a "vanguarda consciente e disciplinada", estabelecendo dessa forma a ditadura do partido comunista, o regime de partido unico que caracterizou o finado "socialismo real". O stalinismo degenerou o que já era uma degeneração, o marxismo-leninismo(bolchevismo) nunca defendeu a ditadura do proletariado, mas sim a ditadura da vanguarda, a ditadura do partido comunista.

O autoritarismo leninista logo se explicitou nos acontecimentos relacionados à Assembléia Constituinte. Nas eleições de seus deputados, os bolcheviques só conseguiram 25%, dos 36 milhões de votos. Uma vez que eram absoluta minoria, dissolveram a Assembléia que só se reuniu em uma única sessão, em janeiro de 1918.

Com a eclosão da guerra civil em 1918, todos os partidos foram proibidos(com excessão do Partido Bolchevique, rebatizado como Partido Comunista). Durante a guerra civil, os bolcheviques combateram não apenas os contra-revolucionários do Exército Branco, mas também os anarquistas e outras forças de esquerda. Foi o caso do Exército Makhnovista, uma guerrilha anarquista formada por camponeses, que havia derrotado o Exército Branco(contra-revolucionários tzaristas e liberais) no sul da Ucrânia. Liderados por Nestor Makhno, os anarquistas haviam desapropriado a burguesia e promovido a reforma agrária no sul da Ucrânia, mas se opunham a ditadura do partido comunista imposta pelos bolcheviques. Os makhnovistas defendiam uma democracia socialista onde o poder residisse nos sovietes(conselhos operários e camponeses), motivo pelo qual foram massacrados pelo Exército Vermelho, não antes dos próprios vermelhos terem se aliado aos mesmos makhnovistas para derrotar os contra-revolucionários brancos liderados pelo general Denikine.

Nestor Makhno morreu no exilio em Paris, vitimado pela tuberculose adquirida nas prisões tzaristas, em 27 de julho de 1934. Pierre Berland, correspondente de Le Temps - ancestral de Le Monde - escreveu o seguinte após a morte de Makhno:

"Os periódicos soviéticos não encontraram um espaço para consagrar ao líder anarquista um artigo necrológico, nem sequer uma linha ao pé de suas sessenta páginas para anunciar sua morte... Sem embargo, é uma figura bem especial este Nestor Makhno e nenhuma conspiração de silêncio poderá fazer esquecer o papel importante que o popular "Batko" teve durante a revolução russa, em particular na luta contra Denikine. Seu programa político Anarquista, querendo outorgar aos camponeses a terra, aos operários as fábricas, com toda propriedade e lhes aconselhou organizar-se em federações de comunas livres. Viu seus inimigos nos generais brancos que queriam o retorno dos grandes proprietários rurais(...). Se aliou várias vezes com os bolcheviques, que considerava por um momento um mal menor(...).

Os atos de pilhagem, de terror ou de antisemitismo eram severamente castigados por Makhno e seus companheiros(...) e tratou de realizar algumas de suas "utopias": a supressão de prisões, a organização da vida comunal, as "comunas livres", os "sovietes operários" do qual não excluía nenhuma categoria social. A liberdade de imprensa foi completa, e se permitiu tanto a publicação de periódicos socialistas revolucionários de direita e de esquerda, como de orgãos bolcheviques junto a publicações anarquistas(...). Esta fora de dúvida que a derrota de Denikine se explica pelas insurreições camponesas que armaram a bandeira negra de Makhno, mais que pelos êxitos do exércio regular de Trotsky. As seções de partidários do "Batko" inclinaram a balança a favor dos vermelhos, e se Moscou queres hoje em dia esquece-lo, a história imparcial tomará conta de lembra-ló."


O historiador Jacob Gorender, um dos mais importantes intelectuais marxistas de nosso país, fez uma critica feroz ao bolchevismo em seu célebre "Marxismo sem utopia".

"O que deixei claro é que não se deve ter um modelo como o do Partido Bolchevique: uma direção de revolucionários profissionais apoiada numa rede de células, organizações e pessoas que não são profissionais, que estão na vida comum, e que se tornam militantes do partido. Esta concepção altamente centralizadora é indissociável do partido único, do autoritarismo e do arbítrio, como ocorreu na União Soviética. O partido único ditatorial já estava implícito na lógica do Partido Bolchevique desde o momento em que ele se propôs a tomada do poder. Rosa Luxemburgo percebeu isso, embora o dissesse de maneira muito simplificada. Da minha parte, militei em partidos inspirados por este modelo e vivi suas contradições.

O modelo bolchevique incorporou, em sua visão da ação política, um centralismo enorme, bem como a idéia de que poderia dirigir sozinho a sociedade. Tomemos, por exemplo, a questão da dissolução da assembléia constituinte na Revolução Russa: o problema não foi tê-la dissolvido, mas não se ter nenhuma proposta democrática alternativa. Os sovietes, desde a tomada do poder, passaram a ser uma correia de transmissão do partido e terminaram esvaziados. Em seguida, os sindicatos e as outras organizações de massa foram se tornando o que Lenin tinha em vista: correias de transmissão do partido único. Quando, em 1921, as tendências foram proibidas dentro do partido bolchevique, a idéia era de que isto seria temporário; mas o temporário se tornou permanente. Essas coisas práticas, mais do que as declarações, formam aquilo que chamo de modelo bolchevique. É isto que deve ser evitado. Agora, como fazer, não tenho receita."

(Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 43, onde fala sobre os temas abordados em "Marxismo sem utopia")


Apesar da ausência de democracia ter sido o fator principal para o fracasso do socialismo soviético, este não foi o unico erro grave dos bolcheviques. Outros erros foram:

1º - a tentativa de construir por decreto o socialismo, rompendo a aliança operário-camponesa, como o ocorrido entre 1918 e 1921, com a política do "Comunismo de guerra." Essa política desastrosa foi depois corrigida com a adoção da Nova Política Economica(cuja sigla em inglês é NEP), que de tão bem sucedida conseguiu tirar a Rússia do buraco que se encontrava após a Primeira Guerra Mundial e a Guerra Civil, restabelecendo a aliança operário-camponesa. Entretanto em 1928, Stalin promoveu o fim da NEP e assim restabeleceu a política autoritaria de construção do socialismo por decreto, promovendo a coletivização forçada no campo, que resultou no rompimento definitivo da aliança operário-camponesa e na morte de mais de 10 milhões de camponeses.

2º - A manutenção da "prisão dos povos", que era o Império Tzarista. O isolamento da URSS não se explica somente pelo fracasso da revolução na Europa Ocidental, mas principalmente devido a manutenção da "prisão dos povos" em uma união soviética forçada.

Sobre essas duas importantes questões, vejam o que diz o historiador Vitor Letízia, diretor do Centro de Estudos do Movimento Operário Mário Pedrosa.

"Até certo ponto, era inevitável que, uma vez refluída a primeira vaga revolucionária na Europa ocidental, a burguesia ganhasse um período de respiro. Mas, provavelmente, não era inevitável que um processo autodestrutivo começasse a atingir a Revolução Russa a partir de 1918. E a verdade é que já nesse ano os bolcheviques começam a falhar em dois pontos, que todos esperavam que a revolução fosse resolver: o desmantelamento da prisão dos povos, que era o império czarista, e a realização de uma aliança operário-camponesa, questão importantíssima numa época em que o campesinato ainda tinha grande peso em muitas regiões do mundo.

A prisão dos povos foi mantida contra as nações islâmicas do ex-império czarista e contra os povos do Cáucaso em geral. Isso destruiu os movimentos islâmicos favoráveis aos bolcheviques ; e, com isso, o Império Britânico ficou com suas mãos livres para prosseguir sua política colonial no Oriente Médio e na Índia. Parte do famoso isolamento da Revolução russa veio daí, e não apenas dos acontecimentos na Europa.

Por outro lado, a aliança operário-componesa foi arruinada pelo sistema de requisições forçadas, imposto aos camponeses russos. Estes estavam dispostos a pagar um tributo à revolução (em percentagem da colheita), porque não queriam perder suas terras, permitindo uma restauração czarista, mas não queriam entregar todo o excedente agrícola, arbitrado segundo critérios extorsivos pelos agentes do poder soviético vindos da cidade.

Não é possível examinar aqui em detalhes as circunstâncias que deram origem a tais políticas desastrosas. No entanto, para entender a evolução posterior da URSS — e do movimento socialista — não se pode deixar de levar em conta que, desde o comunismo de guerra (o período entre 1918 e 1921), foram assentadas as bases da tendência à evolução não-democrática do processo político na URSS. Os camponeses constituíam 80 por cento da população russa. Não há democracia possível em conflito com tão grande parte da população; assim como não era possível que a manutenção da prisão dos povos através de uma u nião soviética forçada, deixasse de levar à russificação do novo Estado."

(Vitor Letízia; em "A era do retrocesso: as esquerdas e as guerras no século XX")


A esquerda parece ter medo de fazer auto-critica, de romper com seus erros. Por isso continua defendendo acriticamente o marxismo-leninismo. É um erro grave.


Rosa Luxemburgo: um comunismo para o século XXI

Michael Löwy*

Em janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo, fundadora do Partido Comunista Alemão (Liga Spartakus) foi assassinada por uma unidade de "corpos francos", grupos de oficiais e militares contra-revolucionários (futuro viveiro do partido nazista), levada a Berlim pelo ministro social-democrata Gustav Noske para esmagar a sublevação espartaquista.

Ela foi, como Emiliano Zapata neste mesmo ano, uma "vencida da história". Mas os seus assassinos não podem eliminar uma mensagem que continua viva na "tradição dos oprimidos", uma herança inseparavelmente marxista, revolucionária e humanista. Quer seja na sua crítica do capitalismo, sistema desumano; no seu combate contra o militarismo, o colonialismo, o imperialismo; ou na sua visão de uma sociedade emancipada, na sua utopia de um mundo sem exploração, alienação ou fronteiras; este humanismo socialista de Rosa atravessa como um fio vermelho o conjunto dos seus escritos políticos - mas também a sua correspondência, as suas comoventes cartas da prisão lidas e relidas por sucessivas gerações de jovens militantes do movimento operário.

Porque é que esta figura nos continua a questionar ainda hoje? O que faz com que 84 anos depois da sua morte ela continue a ser tão próxima de nós? Em que consiste a prodigiosa actualidade do seu pensamento precisamente hoje, neste final do século XX? Eu vejo pelo menos três razões para isso.

O alento internacionalista

Antes de tudo, numa época de globalização capitalista, de mundialização neoliberal, de dominação planetária do grande capital financeiro, de internacionalização da economia a serviço do lucro, de especulação e de acumulação, a necessidade de uma resposta internacional, de uma internacionalização da resistência, em síntese, de um novo internacionalismo, está mais do que nunca na ordem do dia.

Ora, poucas figuras do movimento operário encarnaram de forma tão radical como Rosa Luxemburgo a ideia internacionalista, o imperativo categórico da unidade, da associação, da cooperação, da fraternidade dos explorados e oprimidos de todo os países e de todos os continentes. Como se sabe, ela foi com Karl Liebknecht, um dos raros dirigentes do socialismo alemão a opor-se à "Santa Aliança" e à votação dos créditos de guerra em 1914. As autoridades imperialistas alemãs - com o apoio da ala direita da social-democracia - fizeram-lhe pagar caro a sua oposição internacionalista consequente colocando-a atrás das grades durante a maior parte do conflito. Confrontada com o fracasso dramático da Segunda Internacional, ela sonhava com a criação de uma nova associação internacional dos trabalhadores e só a sua morte a impediu de participar, em conjunto com os revolucionários russos, da fundação da Internacional Comunista em 1919.

Poucos compreenderam como ela o perigo mortal que representa para os trabalhadores o nacionalismo, o chauvinismo, o racismo, a xenofobia, o militarismo e o expansionismo colonial ou imperial. Pode-se criticar este ou aquele aspecto da sua reflexão sobre a questão nacional, mas não se pode duvidar da força profética das suas advertências. Utilizo aqui a palavra "profeta" no seu sentido bíblico original (tão bem definido por Daniel Bensaïd nos seus escritos recentes): não aquele que pretende "prever o futuro", mas aquele que anuncia uma antecipação condicional, aquele que adverte o povo das catástrofes que advirão se não tomar outro caminho.

Socialismo ou barbárie

Em segundo lugar, neste final de um século que foi não somente dos "extremos" (Eric Hobsbawm), mas também das manifestações mais brutais da barbárie na história da humanidade, apenas podemos admirar um pensamento revolucionário como o de Rosa Luxemburgo, que soube recusar a ideologia cómoda e conformista do progresso linear, o fatalismo otimista e o evolucionismo passivo da social-democracia, a ilusão perigosa - como fala Walter Benjamin nas suas Teses de 1940 - de que bastaria "nadar a favor da corrente", deixar que as "condições objetivas" atuassem.

Ao anunciar, numa brochura de 1915, A crise da social-democracia (assinada como Junius), a palavra de ordem "socialismo ou barbárie", Rosa Luxemburgo rompeu com a concepção - de origem burguesa, mas adotada pela Segunda Internacional - da história como progresso irresistível, inevitável, "garantido" pelas leis "objetivas" do desenvolvimento económico ou da evolução social. Uma concepção maravilhosamente resumida por Gyorgy Valentinovitch Plekhanov, que escreveu: "A vitória de nosso programa é tão inevitável como o nascimento do sol amanhã". A conclusão política desta ideologia "progressista" não podia deixar de ser a passividade: ninguém teria a brilhante ideia de lutar, arriscar a sua vida, combater, para assegurar a aparição matinal do sol...

Detenhamo-nos por alguns instantes sobre o alcance político e "filosófico" da palavra de ordem "socialismo ou barbárie". Ela era sugerida por alguns textos de Marx ou de Engels, mas foi Rosa Luxemburgo que lhe deu esta formulação explícita e definida. A história é percebida como um processo aberto, como uma série de "bifurcações", onde o "fator subjetivo" - consciência, organização, iniciativa - dos oprimidos torna-se decisivo. Não se trata mais de esperar que o fruto "amadurecesse", segundo as "leis naturais" da economia ou da história, mas de agir antes que seja tarde demais. Porque a outra cara da alternativa é um perigo sinistro: a barbárie. Através deste termo, Rosa Luxemburgo não designa uma "regressão" impossível a um passado tribal, primitivo ou "selvagem": trata-se, a seus olhos, de uma barbárie eminentemente moderna, da qual a Primeira Guerra Mundial oferece um exemplo impressionante, muito pior, na sua desumanidade assassina, que as práticas guerreiras dos conquistadores "bárbaros" do fim do Império Romano. Jamais no passado tecnologias tão modernas - os tanques, o gás, a aviação militar - foram empregadas a serviço de uma política imperialista de massacre e de agressão em uma escala tão grande.

A palavra de ordem de Rosa Luxemburgo também se revelou profética do ponto de vista da história do século XX: a derrota do socialismo no Alemanha abriu o caminho para a vitória do fascismo hitleriano e, em seguida, para a Segunda Guerra Mundial e as formas mais monstruosas de barbárie moderna que a humanidade já conheceu, cujo nome, Auschwitz, tornou-se o símbolo e o resumo.

Não é casual que a expressão "socialismo ou barbárie" tenha servido de bandeira a um dos grupos mais criativos da esquerda marxista do pós-guerra na França: aquele ao redor da revista do mesmo nome impulsionada nos anos 50 e 60 por Cornelius Castoriadis e Claude Lefort.

A escolha e o aviso indicados pela palavra de ordem de Rosa Luxemburgo continuam na ordem do dia também na nossa época. O longo período de recuo das forças revolucionárias - do qual começamos pouco a pouco a sair - foi acompanhado da multiplicação de guerras e de massacres de "purificação étnica", dos Bálcãs à África, do ascenso de racismos, de chauvinismos, de integrismos de toda espécie, inclusive no coração da Europa "civilizada".

Mas apresenta-se também um perigo novo, não previsto por Rosa Luxemburgo. Ernest Mandel assinalava, nos seus últimos escritos, que a escolha da humanidade para o século XXI não é mais, como em 1915, "socialismo ou barbárie", mas "o socialismo ou a morte". Ele designava, desta forma, o risco da catástrofe ecológica resultante da expansão capitalista mundial, com a sua lógica destruidora do meio ambiente. Se o socialismo não interromper esta corrida vertiginosa para o abismo - da qual a elevação da temperatura do planeta e a destruição da camada de ozono são os sinais mais visíveis - a própria sobrevivência da espécie humana está ameaçada.

Revolução e democracia

Em terceiro lugar, as correntes dominantes do movimento operário conheceram uma derrota histórica - de um lado, pelo colapso pouco glorioso do pretenso "socialismo real", herdeiro de sessenta anos de stalinismo, e de outro, pela submissão passiva (ou adesão activa?) da social-democracia às regras neoliberais do jogo capitalista mundial. Frente a isto, a alternativa representada por Rosa Luxemburgo aparece mais do que nunca pertinente: a de um socialismo ao mesmo tempo autenticamente revolucionário e radicalmente democrático.

Como militante do movimento operário do Império Czarista - ela foi fundadora do Partido Social-Democrata da Polónia e da Lituânia, filiado ao Partido Operário Social-Democrata Russo - ela tinha criticado as tendências, a seu ver muito autoritárias e centralistas, das teses defendidas por Lenin antes de 1905. A sua crítica coincidia, neste ponto, com aquela do jovem Trotsky em As nossas tarefas políticas (1904).

Ao mesmo tempo, enquanto dirigente da ala esquerda da social-democracia alemã, ela combate a tendência da burocracia (sindical ou política) e das representações parlamentares a monopolizarem as decisões. A greve geral russa de 1905 parece-lhe um exemplo a ser seguido também na Alemanha: ela confia mais na iniciativa das bases operárias que nas decisões sábias dos órgãos dirigentes do movimento operário alemão.

Tomando conhecimento, na prisão, dos acontecimentos de Outubro de 1917, ela vai imediatamente solidarizar-se com os revolucionários russos. Na brochura sobre a Revolução Russa, redigida em 1918 na prisão (e que só seria publicada depois da sua morte, em 1921), ela saúda com entusiasmo este grande acto histórico emancipador, e presta uma homenagem calorosa aos dirigentes revolucionários de Outubro.

"Toda a coragem, a energia, a inteligência revolucionária, a lógica que um partido revolucionário pode dar provas em um momento histórico foi demonstrada por Lenin, Trotsky e os seus amigos. Toda a honra e a capacidade de ação revolucionária que faltou à social-democracia ocidental encontra-se entre os bolcheviques. A insurreição de Outubro não serviu apenas para salvar efetivamente a revolução russa, mas também a honra do socialismo internacional".

Esta solidariedade não a impede de criticar o que lhe parece erróneo ou perigoso na política dos bolcheviques. Se algumas das suas críticas - sobre a autodeterminação nacional ou sobre a distribuição das terras - são muito discutíveis, e pouco realistas, outras, que tratam da questão da democracia, são muito pertinentes e de uma atualidade notável. Constatando a impossibilidade, nas circunstâncias dramáticas da guerra civil e da intervenção estrangeira, de criar "como que por magia, a mais bela das democracias", Rosa não deixa de chamar a atenção para o perigo de um certo deslizamento autoritário e reafirma alguns princípios fundamentais da democracia revolucionária.

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo".

É difícil não reconhecer o alcance profético desta advertência. Alguns anos mais tarde a burocracia apropriou-se da totalidade do poder, excluiu progressivamente os revolucionários de Outubro de 1917 - antes de, no correr dos anos 30, eliminá-los sem piedade. Uma verdadeira refundação do comunismo no século XXI não pode se privar da mensagem revolucionária, marxista, democrática, socialista e libertária de Rosa Luxemburgo.


*Michael Löwy é cientista social

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