domingo, 27 de janeiro de 2008

Jean Jaurès



O filósofo e político francês Jean Jaurès, fundador do Jornal L´Humanité, foi ao lado do marxista Jules Guesde, um dos fundadores do Partido Socialista Francês no começo do século XX. Jaurès era um democrata radical, um humanista que defendia o socialismo não segundo o ponto de vista materialista do marxismo e sua teoria sobre a luta de classes, mas sim segundo um ponto de vista moral, visando a emancipação do homem.

O socialismo de Jean Jaurès não coincide exatamente com o marxismo; recusava a ditadura do proletariado, a realização do coletivismo por um estado burocrático e o internacionalismo sistemático. O socialismo era, para ele, o livre e pleno desenvolvimento da pessoa humana, o verdadeiro sentido da declaração dos direitos do homem. Acreditava ser possível à criação de uma sociedade sem classes por meio de um esforço pacifico, sem sair do quadro eleitoral. Quando explodiu o caso Dreyfus, pediu a revisão do processo. Seu livro "As Provas" fez com que perdesse as eleições daquele ano e sua atitude chocou-se com a oposição de Jules Guesde e outros marxistas de uma ala contrária à defesa de um oficial burguês.

Jean Jaurès era pacifista, foi feroz opositor da Primeira Guerra Mundial, sendo uma das vozes que na II Internacional Socialista se posicionaram contra essa criminosa guerra imperialista. Ele afirmava que "Le capitalisme porte en lui la guerre comme la nuée porte l'orage"(O capitalismo traz em si a guerra como a nuvem traz a tempestade). Tentou organizar uma greve geral na França e na Alemanha, para deter o avanço da guerra. Por esse motivo Jean Jaurès foi assassinado em um café de Paris, no dia 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um jovem nacionalista francês que desejava a guerra com a Alemanha, que teve inicio em 3 de agosto de 1914.

O lider espírita Leon Denis, discipulo de Allan Kardec, era socialista. Ele defendia o socialismo humanista de Jaurès, tendo inclusive escrito o clássico "Socialismo e Espiritismo", onde busca demonstrar que a Doutrina dos espíritos e o socialismo se completam. Deixava claro entretanto, sua oposição ao materialismo marxista.

"Segundo os meus artigos precedentes, eu me coloquei entre os socialistas. Mas tive o cuidado de dizer que não aceito o socialismo sem a doutrina espiritualista que o tempera, o docifica, tirando-lhe todo o caráter de áspera violência. Reprovo o socialismo materialista que só semeia o ódio entre os homens e, por conseguinte, permanece infecundo e destrutivo, como se pode ver na Rússia. Sou evolucionista e não revolucionário." (Leon Denis; em "Socialismo e Espiritismo)

Sou defensor incondicional do socialismo democrático e do humanismo, motivo pelo qual tenho na obra de Jean Jaurès, um dos meus referenciais ideológicos e filosóficos. Leiam abaixo um texto escrito por ele em 1911, onde defende o serviço público.


OS TRABALHADORES E O SERVIÇO PÚBLICO

Após um acidente de trem da companhia ferroviária Ouest-Etat, então recém-nacionalizada, diretor do jornal 'L'Humanité', escreveu este artigo, em 19 de fevereiro de 1911 1 , que parecia antecipar o que viria quase um século depois

Jean Jaurès

E eis que, brandindo os acidentes da Ouest-Etat, toda a imprensa capitalista se precipita contra os serviços públicos. Todos os especuladores, todos os aproveitadores, todos aqueles que, após terem roubado magníficas riquezas à nação, queriam especular, monopolizar e roubar mais, todos aqueles que estão de olho, à espera de novas concessões, no minério de Ouenza, no carvão e no minério de Meurthe-et-Moselle, no ouro de múltiplas jazidas, todos aqueles que querem, sem que sejam perturbados em sua especulação, captar a energia hidráulica, geradora de luz e de movimento. Todos eles, organizados numa tropa, queriam persuadir a França de que o Estado democrático nunca será capaz de administrar uma indústria e de que devem ser deixadas por conta das empresas privilegiadas as riquezas que elas próprias já usurparam e que lhes devem ser entregues todas as novas riquezas.

Será o povo operário e camponês enrolado por essas manobras? Será que ele se deixará enganar e esfolar uma vez mais? Será que, justamente quando se acelera a política de nacionalização e municipalização no mundo inteiro, a França proclamará sua incompetência, sua inépcia, e consagrará as pretensões de um feudalismo que a sangra e subjuga? Quem compactuasse, direta ou indiretamente, com essa manobra dos capitalistas, estaria cometendo um autêntico crime.

Oligarquia ávida

Não se permita que a oligarquia explore as catástrofes, pelas quais é, em grande parte, responsável


Ah! Que se denunciem os erros da Ouest-Etat; que se procure a causa; que se lance uma luz implacável sobre todas as responsabilidades; que se reabra o processo da antiga empresa que criou deliberadamente uma situação intolerável e que se revelem os erros da burocracia que sem dúvida construiu, depressa demais, um novo regime sobre uma base podre; que se questionem aqueles que, para agradar à empresa ou por uma indesculpável negligência, não fizeram proceder ao exame rigoroso da estrada de ferro e do material, ao inventário preciso que teria permitido, de acordo com as cláusulas financeiras da compra, diminuir as pretensões abusivas dos acionistas e teria constituído, para o novo regime, uma advertência de prudência; que seja posto um fim à discórdia, à desconfiança recíproca entre o pessoal da antiga empresa e o da rede adquirida; que se organize – por meio de uma participação mais efetiva do pessoal empregado, do Parlamento, do próprio público, representado por seus delegados eleitos para esse fim, e pelos membros das grandes associações comerciais, industriais e sindicais – um controle mais eficaz; que não se tenha medo de agir rapidamente, seja qual for o custo do esforço financeiro necessário, para se obter o bom funcionamento da rede. Sim, mas que não se permita a uma oligarquia ávida em explorar as recentes catástrofes, pelas quais é, em grande parte, responsável, que aumente ainda mais seu domínio feudal às custas de toda a população. E, também, que nunca os socialistas dêem à necessária crítica do Estado burguês – que, aliás, depende de nós para ser cada dia menos burguês – uma forma tal que faça o monopólio do capital se sentir regozijado e fortalecido.

Não é indiferente provar que complexos industriais podem funcionar sem o controle dos magnatas do capital

Os ferroviários acertaram quando, há poucos dias, em seu congresso sindical e denunciando a intriga reacionária, não só reivindicaram que a rede Ouest-Etat fosse mantida, mas também que a totalidade das redes ferroviárias fosse nacionalizada. Para toda a classe operária, há um interesse vital em que serviços públicos democraticamente administrados ocupem o lugar dos monopólios capitalistas e que funcionem com um padrão de excelência, com a participação e a dedicação de todos.

Avanços no setor público

Primeiramente, os trabalhadores podem conquistar, dessa maneira, mais garantias. Numa democracia, o Estado, por mais burguês que ainda seja, não pode desconhecer os direitos e os interesses dos assalariados de modo tão pleno e cínico quanto os monopólios privados. A antiga Ouest-Etat antecipara-se a todas as demais empresas ao implantar reformas que favoreciam os trabalhadores; e agora, com a rede adquirida, a reintegração dos ferroviários está praticamente concluída, enquanto as empresas, ridicularizando o poder, o Parlamento e a consciência pública, respondem a qualquer pedido de reintegração com o mais despótico e injurioso indeferimento. Aliás, neste mesmo momento, o Estado prepara para os servidores públicos um regime salarial melhor do que o das empresas privadas. Mas isso não é tudo; e o Parlamento tem interesse, para a transformação da sociedade capitalista em sociedade socialista, em que os grandes serviços públicos, administrados segundo regras democráticas e com uma ampla participação da classe operária na sua direção e controle, funcionem de maneira precisa e vigorosa. Não é indiferente que se possa provar que enormes complexos industriais podem funcionar sem o controle dos magnatas do capital. Por mais longe que estejam do que virá a ser a organização coletivista, os serviços estão mais perto desse objetivo, num país de democracia e organização operária, do que os monopólios privados. Eles são uma primeira forma de organização coletiva. Pressupõem – em cada um dos que dele participam e que devem coordenar seus esforços sem a disciplina brutal de antigamente – aquele senso de responsabilidade e preocupação com a obra comum sem os quais o mecanismo coletivista falharia.

Os proletários devem defender os serviços públicos contra as campanhas sistemáticas da imprensa burguesa

Os serviços públicos democratizados podem e devem ter um efeito triplo: diminuir a força do capitalismo, dar ao proletariado mais garantias e uma força mais direta de reivindicação e desenvolver nele, para compensar as garantias conquistadas, o zelo pelo bem público, que é uma forma básica da moralidade socialista e a própria condição necessária para o despertar de uma nova ordem.

O papel dos trabalhadores

Que os proletários defendam portanto, com todas as suas forças, os serviços públicos contra as campanhas sistemáticas da imprensa burguesa e contra as decepções que produz, junto à própria classe operária, uma primeira experiência, desastrada e arrogantemente burocrática, do regime da nacionalização.

Que eles não entreguem o Estado às oligarquias, mas que se esforcem, ao estender o domínio do Estado, por ampliar sua ação dentro do Estado e sobre o Estado, por meio do desenvolvimento de sua organização sindical e de sua força política.

Eis aí um elemento necessário da política de ação de ampla e profunda "realização" que o Partido Socialista deverá propor à democracia francesa à medida que o radicalismo decomposto manifestar sua impotência essencial.

(Trad.: Jô Amado)

1 - Trecho do livro Un siècle d'Humanité – 1904-2004, org. Roland Leroy, ed. Le Cherche Midi, Paris, 2004.

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