sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Direitos humanos: 60 anos

Frei Betto*

Em 10 dezembro deste ano, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada pelo Brasil, completa 60 anos. Segundo a Anistia Internacional, ainda hoje, em mais de uma centena de países torturam-se prisioneiros. Os EUA não apenas o fazem, como o presidente Bush não se envergonha de defender em público “métodos duros” aplicados aos suspeitos de terrorismo.

No Brasil, com freqüência a polícia transforma uma blitz em chacina; presos pobres são seviciados em delegacias; defensores dos direitos humanos sofrem ameaças e ataques; e quem desrespeita continua a gozar de impunidade.

Houve avanços em nosso país nos últimos anos. O governo criou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e a tortura foi tipificada na lei como crime hediondo (inafiançável). Mas perdura uma grande distância entre as estruturas constitucionais de defesa dos direitos humanos e os persistentes abusos, assim como a ausência de garantias para protegê-los em certas áreas do país, sobretudo na Região Norte.

Vivemos, hoje, sob o paradoxo de popularizar o tema dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, deparar-nos com hediondas violações desses mesmos direitos, agora transmitidas ao vivo, via satélite, para as nossas janelas eletrônicas. O que assusta e preocupa é o fato de, entre os violadores, figurarem, com freqüência, instituições e autoridades —governos, polícias, tropas destinadas a missões pacificadoras etc. — cuja função legal é zelar pela difusão, compreensão e efetivação dos direitos humanos.

A falta de um programa sistemático de educação em direitos humanos na maioria dos países signatários da Declaração Universal favorece que se considere violação a tortura, mas não a agressão ao meio ambiente; o roubo, mas não a miséria que atinge milhares de pessoas; a censura, mas não a intervenção estrangeira em países soberanos; o desrespeito à propriedade, mas não a sonegação do direito de propriedade à maioria da população.

Na América Latina, o espectro do desrespeito aos direitos humanos estende-se das selvas da Guatemala ao altiplano do Peru; do bloqueio estadunidense a Cuba às políticas econômicas neoliberais que protegem o superávit primário e ignoram o drama de crianças de rua e os milhões de analfabetos.

Para o Evangelho, toda vida é sagrada. Jesus colocou-se no lugar dos que têm seus direitos violados, ao dizer que teve fome, teve sede, que esteve oprimido (Mateus 25, 31-46).

Um programa de educação em direitos humanos deve visar, em primeiro lugar, à qualificação dos próprios agentes educadores, tanto instituições — ONGs, igrejas, governos, escolas, partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais — quanto pessoas.

Em muitos países, a lei consagra os direitos inalienáveis de todos, sem distinção entre ricos e pobres, confinada, porém, à mera formalidade jurídica, que não assegura a toda a população uma vida justa e digna. Pouco vale as Constituições de nossos países proclamarem que todos têm igual direito à vida se não são garantidos os meios materiais que o tornem efetivo.

Os direitos fundamentais não podem se restringir aos direitos individuais enunciados pelas revoluções burguesas do século 18. A liberdade não consiste no contratualismo individual que sacraliza o direito de propriedade e permite ao proprietário a ‘livre iniciativa’ de expandir seus lucros ainda que à custa da exploração alheia.

Num mundo assolado pela miséria de quase metade de sua população, o Estado não pode arvorar-se em mero árbitro da sociedade, mas deve intervir de modo a assegurar a todos direitos sociais, econômicos e culturais. O reconhecimento de um direito inerente ao ser humano não é suficiente para assegurar seu exercício na vida daqueles que ocupam uma posição subalterna na estrutura social.

Há direitos de natureza social, econômica e cultural — como ao trabalho, à greve, à saúde, à educação gratuita, à estabilidade no emprego, à moradia digna, ao lazer etc. — que dependem, para a sua viabilização, da ação política e administrativa do Estado. Nesse sentido, o direito pessoal e coletivo à organização e atuação políticas torna-se, hoje, a condição de possibilidade de um Estado verdadeiramente democrático.


*Frei Betto é escritor. É autor de A mosca azul — reflexão sobre o poder (Rocco), entre outros livros

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