sábado, 24 de outubro de 2009

Dilemas do realismo político

Dilemas do realismo político
Marco Aurélio Nogueira

Observadores isentos e cidadãos comuns terão certamente dificuldade para entender a passividade com que os políticos brasileiros estão a enfrentar a situação de desgaste que vem corroendo o Senado Federal desde ao menos o final do mês passado. Como entender que aquele que é considerado o fecho de ouro do sistema político brasileiro possa ser mantido em banho-maria, sangrando a céu aberto, largado à própria sorte? Terá o Senado ficado sem aura e relevância, a ponto de as turbulências que ocorrem em seu interior nem sequer alterarem a rotina política e governamental? E onde andará a "autoestima" dos senadores, que não parecem se importar com a perda de prestígio da instituição?

A crise do Senado é visível, mas não se limita a ele. Podemos qualificar com rigor sua amplitude, até para não abusar da palavra "crise". Não estamos diante de uma situação terminal, muito menos na antessala de uma bancarrota política. Também não estamos na presença de uma "crise orgânica", do Estado em seu conjunto, ou de uma "crise de hegemonia", a partir da qual tudo estaria fora de eixo.

Mas procede falar em crise porque as instituições não estão respondendo ao que delas espera a sociedade e começam a se converter numa caricatura de si mesmas. Não se trata de um problema do senador Sarney, deste ou daquele partido, ou mesmo do Poder Legislativo. O Judiciário persegue há tempos a sua reforma. Nem a Presidência da República funciona a contento, em que pesem a popularidade do presidente e os acertos de seu governo.

Se quisermos escapar do peso negativo da palavra "crise", podemos dizer que existe hoje, no País, um grave mal-estar político e institucional.

Isso ocorre não somente porque o presidente do Senado se entalou numa esparrela que a cada dia fica mais sufocante e lhe dilapida o patrimônio político acumulado ao longo de décadas de atuação. É difícil acreditar que um político experiente e sagaz como o senador Sarney não se tenha dado conta do ambiente que se propôs a presidir e não consiga achar uma saída que o salve de uma despedida melancólica da vida pública. Afinal, ele se empenhou para ser eleito, teve de brigar para isso, não foi um nome consensual. É impossível que não perceba que o terreno para manobras e protelações encurtou dramaticamente nos últimos dias. A diluição da autoridade moral da presidência da Casa alastra-se por todo o Senado, com direito a respingar nas demais instituições políticas, do Legislativo ao Executivo.

A crise, que à primeira vista parece represada e assim é tratada, revela-se então de corpo inteiro, impregnando e maculando a estrutura institucional e os quadros políticos.

Não fosse assim, o sistema já teria reagido. Não estaria a assistir passivamente a seu enfraquecimento. O cenário é preocupante: se o sistema político não reage, não será porque o País dele não necessita e nele não se reconhece? Ou seja, para que as coisas continuem como estão, nessa malemolência irritante e normalizada, não é preciso que as instituições funcionem bem. Não cairemos no precipício, mas também não iremos para a frente. Daqui a pouco aparecerá alguém propondo acabar com elas.

O Senado responde por uma função importante na engenharia institucional brasileira. A ele é atribuído o papel de amortecer eventuais falhas ou "arroubos" da Câmara, equilibrar a representação e engrandecer a República. Não tem feito uma coisa nem outra. E se não funciona, ou funciona mal, a institucionalidade fica capenga e tem suas deficiências, que não são poucas, agravadas. Falhando a institucionalidade, vêm à tona a mediocridade e o vazio. Só não fica pior porque é também nesses momentos que aumentam as chances de que os melhores quadros assumam suas responsabilidades.

Por tudo isso, há uma interrogação pendurada sobre a cabeça do Poder Executivo e do principal partido de sustentação política do presidente, o PT. Por que blindar a presidência do Senado e banalizar a crise? Para manter a aliança com o PMDB e evitar que as oposições se apossem do comando do Senado. É a resposta mais fácil, fiel ao "realismo político" que se tem tentado imprimir às ações da Presidência. Mas tal resposta prolonga o sofrimento do Senado e injeta turbulência na vida política nacional. Não pacifica, não melhora a situação, não soluciona nenhum dos problemas políticos do País.

O realismo é precioso em política. Nesse universo, nem tudo o que brilha é ouro e nem sempre as coisas certas são feitas pelas melhores pessoas ou o mal deriva do mal. Max Weber falou isso no famoso ensaio sobre a política como vocação. E todo mundo sabe que nos ambientes políticos as evidências não correspondem necessariamente aos fatos. Que há desejo de oposição por trás da carga contra Sarney é óbvio. Que as oposições acabarão por se beneficiar com um seu eventual afastamento é igualmente esperado, dado o pacto de sangue que a Presidência selou com o senador e seu partido. Mas um pouco de oposição é tudo o que um governo democrático necessita, até para não se acomodar ou não achar que manda na sociedade toda. As oposições querem usar a crise do Senado para crescer eleitoralmente e melhorar sua performance em 2010? Que o façam, qual o problema? O que não dá para aceitar é que o governo acredite que sairá incólume com a blindagem do Senado.

Nenhum realismo se pode chocar demais com as tradições que dão caráter aos partidos e aos políticos, sob pena de destroçá-las. Nossa época não é muito favorável a identidades doutrinárias, lealdades ou fidelidades. Os partidos e os políticos que se querem coerentes, porém, precisam lutar contra isso. No mínimo, para manter atados os fios que os ligam à sua própria história e com isso dar mais vigor ético à política.

Nenhum realismo, além do mais, pode ir contra as expectativas da opinião pública democrática, o bom senso ou a voz das ruas. Não deve obedecer servilmente a essas coisas, claro, mas não tem como ignorá-las, sob pena de deixar de ser realismo. É uma questão de sintonia.

Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp.

Quatro aniversários - Cristovam Buarque

Quatro aniversários
Cristovam Buarque

Comemoramos dois aniversários no mesmo dia 16 de julho. Nos Estados Unidos, os 40 anos da partida dos primeiros humanos em direção à Lua; no Brasil, o primeiro aniversário da sanção da Lei do Piso Salarial Nacional para os professores. Ao pisar o solo lunar, o primeiro astronauta disse que dava um pequeno passo para ele, mas um grande salto para a humanidade. De fato, para aquele passo ser dado, foram necessários séculos de educação e pesquisas científicas e tecnológicas.


Foram a ciência e a tecnologia norte-americanas que levaram os primeiros homens à Lua, em consequência de séculos de investimentos em educação. Enquanto os EUA investiam em educação desde os primeiros colonizadores, o Brasil seguiu na direção contrária. Quarenta anos depois da conquista da Lua e das viagens espaciais além do sistema solar, o Brasil ainda não tem suas crianças em escolas com a qualidade necessária. Em consequência, não tem um nível científico e tecnológico capaz de concorrer internacionalmente.

Só em 2008, décadas depois da conquista da Lua, o governo brasileiro criou um piso salarial para os professores e, mesmo assim, esse piso ainda não é cumprido, porque cinco governadores entraram na Justiça para que fosse declarado inconstitucional.

Pouco se fez pela educação no país desde a colonização. Aumentou-se o número de matrículas — mas não de frequência — conclusão, assistência, aprendizado e permanência. Foram criados fundos como o Fundef e o Fundeb, mas o investimento anual na escola pública continua de R$ 1,5 mil por aluno. Criou-se, há um ano, o piso, mas com o valor de R$ 950, quando deveria ser entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, por mês. Foram construídas escolas, mas elas não foram equipadas — 20 mil delas nem luz e água têm. Nesses 40 anos, a economia brasileira saltou de um país pobre a uma potência com R$ 2,889 trilhões de renda nacional, mas o Brasil continuou como um dos últimos países do mundo em educação.

Nesse ritmo, vamos comemorar os 100 anos da chegada do homem à Lua antes de termos todas as nossas crianças em escolas bonitas, bem equipadas, que funcionem em horário integral e os professores entre as mais bem remuneradas e respeitadas categorias profissionais.

Sem o piso satisfatório, o bom salário e a boa formação para os professores, não será possível a escola com qualidade. E, sem isso, não vamos ter um bom sistema universitário e, consequentemente, não teremos a ciência e a tecnologia de que o país precisa para alcançar o desenvolvimento.

Trinta anos atrás, a Índia e a China estavam em posição inferior ao Brasil no que se refere ao potencial econômico e às possibilidades de desenvolvimento científico e tecnológico. Hoje, a China já colocou homens no espaço e a Índia já enviou uma nave não tripulada até a órbita da Lua.

Neste mês também comemoramos 15 anos do Plano Real. Poucos acreditaram, em 1994, que o país ia parar uma inflação que durava décadas. Mas um bom plano e o envolvimento da população fizeram com que o Brasil vencesse a inflação.

O Brasil vai comemorar o cinquentenário de Brasília em 2010. Outros países, inclusive os EUA, criaram capitais, mas nenhum outro conseguiu construir a capital tão distante dos centros já habitados, nem fazê-la crescer na velocidade com que o Brasil conseguiu.

Quando os norte-americanos colocaram os primeiros homens na Lua, Brasília tinha 9 anos, era ainda um projeto em construção. Nesses quarenta anos, saímos de um povoado sobre um desenho urbanístico e construímos uma metrópole. Do ponto de vista do esforço físico e econômico, a consolidação de Brasília não é um feito menor do que enviar um homem à Lua, mas, do ponto de vista do esforço intelectual, não há comparação entre os dois feitos.

Qualquer país com vontade coletiva pode fazer uma nova capital em poucas décadas, como Turquia, Nigéria, Cazaquistão. Mas para realizar o desenvolvimento científico e tecnológico do envio de uma nave tripulada até a Lua é preciso o esforço intelectual que começa com a educação de qualidade de todas as crianças. O Brasil ainda não quis dar esse salto.

Ficamos para trás porque até hoje não manifestamos com vigor a vontade de fazer uma revolução na educação de base e fazer os investimentos necessários em ciência e tecnologia. Nesse ritmo, vamos continuar apenas assistindo, de longe, às comemorações dos outros países que, por terem investido em educação, conquistaram a Lua.

Cristovam Buarque é senador pelo PDT/DF

artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 25/7/2009

Terror do futuro - Cristovam Buarque

Terror do futuro
Cristovam Buarque

O mundo está assustado com a possibilidade de um futuro de terror, quando os terroristas dispuserem de armas de destruição em massa, mas não percebe o terror do futuro que viveremos adiante, quando as profecias ecológicas e sociais se confirmarem. Mais do que um futuro de terror, precisamos temer o terror do futuro de uma civilização incapaz de reorientar seu destino, que caminha rumo ao seu próprio fim. Um terror do qual seremos as vítimas, embora nos comportemos como os terroristas, preparando nosso suicídio.

Nos últimos anos, o terrorismo tem sido identificado como prática dos muçulmanos. Mas não podemos associar o terror ao islamismo, nem considerá-lo ação exclusiva de mulçumanos. Devemos, sem dúvida, lutar contra todas as formas e dimensões de terror, mas nenhuma civilização tem autoridade moral para identificá-lo com o Islã. Mesmo porque, no passado, muitas pessoas, de outras religiões e ideologias, cometeram atos insanos de terror.

O terrorismo já foi apoiado pelas autoridades do catolicismo, na época das Cruzadas, quando atrocidades foram cometidas contra os povos árabes nos países do Oriente Médio. Terríveis maldades também foram cometidas na própria Europa, pelo terrorismo de Estado e da Igreja, na época da Inquisição. A Inquisição foi uma forma de terror que, em vez de explodir, queimava as vítimas. Como foi terror, em nível de genocídio, o que o europeu Adolf Hitler cometeu contra milhões de judeus. O bombardeio aéreo de cidades inteiras também foi uma forma de terrorismo. Pode haver uma diferença técnica entre o avião pilotado por suicidas, enviado por líder fanático para chocar-se contra um prédio, e o avião que despeja bombas por ordem de um líder eleito, mas a dimensão do terror é a mesma. O terror foi ainda maior quando as bombas liberadas por esses pilotos eram atômicas, mesmo sob o argumento de acabar com a guerra.

Ninguém deve tolerar que um grupo de pessoas, em nome de causas religiosas ou políticas, leve um avião a se chocar contra um prédio, assassinando milhares de pessoas, como aconteceu no histórico 11 de setembro. Mas ninguém pode usar este gesto, cometido por um grupo de terroristas, para condenar todos os que praticam o mesmo credo religioso ou a mesma ideologia política.

O maior de todos os terrorismos foi cometido durante quatro séculos, em campos de concentração flutuantes, que transportaram 10 milhões de africanos, escravizados com a finalidade de dinamizar a economia do continente americano. Nossa civilização democrática, rica, moderna, ocidental, foi construída com base numa covarde forma de terrorismo. E essa mesma civilização nos encaminha, hoje, para um futuro aterrorizante. Estamos caminhando para um desastre de proporções superiores a todos os atos terroristas cometidos no passado. Muito pior do que um futuro de terror, com armas de destruição em massa nas mãos de fanáticos, é o terror do futuro que temos à frente, uma bomba-relógio prestes a explodir, que será detonada pela voracidade do consumo do qual todos participamos, como homens-bomba armados de cartões de crédito.

Vivemos o terror ecológico, que ameaça elevar o nível dos mares, inundar o litoral de todos os países, aquecer todo o planeta, desarticular toda a agricultura, provocar fome generalizada. Existe o terror de que a desigualdade social cresça ao ponto de se transformar em dessemelhança entre seres humanos, criando uma subespécie superior e outra inferior, fazendo desaparecer o próprio conceito de genocídio, pois as massas assassinadas não serão mais vistas como semelhantes. Existe até mesmo o terror assustador – embora invisível – do vazio de idéias e propostas para o futuro, que acirra o individualismo até a destruição do sentimento de solidariedade.

Esse futuro de terror, mais do que um futuro de terrorismo, foi o sentimento comum dos diversos participantes do seminário promovido pela Academia da Latinidade, em Oslo, no final de fevereiro, juntamente com o Instituto Nobel e a Academia de Ciências e Letras da Noruega.

Cristovam Buarque é senador pelo PDT/DF

Fonte: Artigo publicado no jornal O Globo de sábado, 14 de março.

O trabalhismo deve ter candidatura própria: Cristovam Buarque presidente!!!

O PT é um partido socialista, tendo como base a filosofia marxista e a Teologia da Libertação. Entretanto o governo Lula não é socialista, e nem poderia ser, uma vez que a esquerda não possui hegemonia alguma sobre a sociedade, muito pelo contrário, basta observar que o maior partido do país é o PMDB, que possui a maior bancada no Congresso Nacional, e o maior número de governadores e prefeitos. Portanto seria impossível ao PT e seus aliados da esquerda(PSB, PDT, e PCdoB), querer estabelecer qualquer tipo de política socialista.

Mas todos esperavam que o governo Lula fosse social-democrata, representando um projeto de centro-esquerda. Mesmo não sendo uma social-democracia combativa, se esperava que promovesse reformas que beneficiassem os trabalhadores, como redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais(sem redução de salário), reforma agrária, e o fim do fator previdenciário. Também se esperava que promovesse a reestatização da Cia Vale do Rio Doce e o restabelecimento do monopólio estatal do petroleo, resgatando assim a soberania nacional. E o principal, se esperava que combatesse a corrupção, e não que a promovesse(como acabou acontecendo com o "Mensalão"). Citando João Ubaldo Ribeiro: "Quem votou em Lula, notadamente da primeira vez, sabia, de modo geral, que não estava escolhendo um governante através de uma revolução, mas das instituições vigentes. Portanto, muitos desses, como eu, não esperavam milagres e rupturas estrondosas. Mas esperava-se pelo menos certa fidelidade ao prometido, apregoado e bravateado ao longo dos anos, esperava-se alguma luta para a eliminação de alguns dos nossos males, esperavam-se, sim, reformas, ainda que não de todo satisfatórias. Esperavase no governo, enfim, o PT que se conhecia, ou se julgava conhecer." (O fim do PT e a ascensão do lulismo; O Globo - 05/08/2007)

Lógico que o governo Lula não é neo-liberal, como vive afirmando de forma caluniosa a extrema-esquerda liderada pelo PSOL, e setores atrasados do PDT, que dizendo-se nacionalistas, na verdade promovem práticas stalinistas(tanto que defendem Stalin, a ditadura castrista em Cuba, etc). Esses que se julgam trabalhistas pra caralho deveriam ler com mais atenção a Carta de Lisboa e a Carta de Mendes, para perceber que o socialismo defendido pelo trabalhismo é radicalmente democrático, e portanto apesar de nacionalista, não se utiliza da calunia para promover sua política.

"Estamos persuadidos de que somente através da democracia e do socialismo em liberdade será possível encontrar saídas para o atual contexto de dependência, de injustiças e de sofrimentos para o nosso povo.

Por isso mesmo, o PDT assume, com inabalável e definitiva convicção e firmeza, pelo seu programa, sua prática e objetivos, a causa do socialismo democrático no Brasil. O PDT é um Partido Socialista. O nosso Socialismo há de ser construído através do voto livre, numa sociedade pluralista e civil, sem discriminar ou excluir quem quer que seja.

O nosso socialismo está indissoluvelmente ligado ao conceito de liberdade. Socialismo e liberdade, para nós, são inafastáveis como dois trilhos de uma estrada de ferro, expressando um Estado de Direito democrático e de profundo conteúdo social. Os nossos métodos e caminhos são pacíficos e democráticos. O PDT não luta pela tomada do poder. O seu propósito é ascender ao poder, inundando este país de consciências esclarecidas. Desses compromissos com a Nação, que alimentamos sem ódios ou revanchismos, ninguém, nem razão alguma nos afastará." (trecho da Carta de Mendes)


O governo Lula deteve o fetichismo privatista da era FHC, assim como deteve as ameaças de flexibilização dos direitos trabalhistas. Tem promovido políticas sociais que mesmo longe daquilo que deveria ser realizado, conseguiu reduzir a miséria e a pobreza extrema em nosso país, além de estar promovendo um resgate do papel do Estado na economia, mesmo que timidamente. Portanto não é neo-liberal, mas também não é social-democrata. O governo Lula representa essa nova social-democracia, chamada de "terceira via", sendo um governo de centro-esquerda extremamente moderado.

Devemos fazer oposição a esse governo, mas não de forma inconsequente e anti-democrática. Não podemos nos misturar a extrema-esquerda, muito menos ao stalinismo. Cabe a nós, defensores do trabalhismo, defender um projeto de centro-esquerda, uma social-democracia combativa, nacionalista, como determina a Carta de Lisboa e a Carta de Mendes. Portanto devemos defender que o PDT abandone o governo e se apresente como oposição lucida, construtiva, democrática, nacionalista e progressista. Por isso devemos lançar a candidatura do senador Cristovam Buarque para presidência da República.

Investimentos reais em educação e saúde pública, o fim do fator previdenciário, reforma agrária, redução da jornada para 40 horas, sem redução de salários, e a reestatização da Cia Vale do Rio Doce e restabelecimento do monopólio estatal do petroleo, devem ser nossa bandeira como defensores autênticos de uma política social-democrata combativa e nacionalista. E lógico, devemos defender o fim da corrupção, com aprovação de uma lei do recall, que possibilite o eleitor demitir o seu governante e representante caso viole a ética no trato da coisa pública, ou caso não realize aquilo que prometeu durante as eleições.

Para compreender o mundo

Para compreender o mundo
Marco Aurélio Nogueira

Muitos jovens universitários e pré-universitários - assim como muitos não tão jovens profissionais já inseridos no mercado de trabalho - talvez se surpreendam com o presente texto. Ele se dedica a fazer o elogio das Ciências Humanas, esse amplo e controvertido conjunto de conhecimentos com os quais as sociedades têm procurado se conhecer ao longo do tempo.

A surpresa poderá existir, antes de tudo, porque o conceito mesmo de Ciências Humanas é relativamente impreciso, dado não existir consenso estabelecido a respeito de quais ciências devam ser incluídas no conjunto. Tome-se a Economia, por exemplo. Numa visão abertamente econometrista, ela poderia ser vista como sintonizada com as matemáticas. Se o foco for o universo financeiro, ela se associaria unilateralmente aos negócios. Mas a grande economia - a Economia Política - é bem diferente disso. Tem lugar cativo entre as Humanas e somente se realiza como ciência se interagir com os conhecimentos que se interrogam a respeito do homem em sociedade.

Dar-se-ia o mesmo com a Administração, a Psicologia e as Letras, que muitas vezes terminam por ser postas a meia distância daquele conjunto a que pertencem, no mínimo, por exclusão.

O segundo motivo tem que ver com o primeiro. É que vivemos de modo tão pragmático, veloz e utilitarista, numa estrutura em que a luta pela vida é incerta e competitiva ao extremo, que as pessoas passaram a desconfiar das Ciências Humanas. Tendem a achar que elas - a Filosofia, a Ciência Política, a Sociologia, a Antropologia e a História, que formam o esteio de sustentação do bloco - estão incapacitadas para garantir um nicho consistente em termos de emprego ou pavimentar o caminho para o que se considera "sucesso profissional". Teriam pouca utilidade, já que seriam ciências mais "negativas" e reflexivas que "positivas" e aplicadas. O Mercado - esse semideus da modernidade globalizada - tomou o lugar do Homem, da Sociedade e do Estado, a ponto de fazer com que as pessoas percam a vontade de se conhecer a si próprias.

Sabe-se que a modernidade não é somente empenho cego em maximizar a racionalidade e a produtividade. É também disseminação de espírito crítico, incremento comunicativo e esforço para que se viva de maneira mais justa e sábia. Hoje, porém, o lado mais instrumental e perverso do moderno prevalece. Vivemos sobrecarregados por ele e acabamos por deixá-lo modelar muitos de nossos cálculos, expectativas e projetos.

Tal prevalência está na base da má vontade que se tem com as Humanas. Pensa-se que elas atrapalhariam porque convidariam as pessoas a um exercício intelectual supérfluo, meio romântico e "subversivo". Acredita-se, além do mais, que todos seriam naturalmente capazes de entender a sociedade e a época em que vivem, mas nem todos conseguiriam atingir as esferas mais elevadas do pensamento técnico-científico. Acha-se que para dominar os fundamentos das Exatas ou das Biológicas é necessário muito estudo e inteligência, ao passo que a assimilação das Humanas seria tarefa fácil, quase uma extensão da alfabetização.

A partir daí se cria uma muralha separando as Humanas das demais ciências. Os estratégicos conhecimentos produzidos pelas primeiras ficam assim fechados em si, em vez de serem incorporados pelas outras, que se especializam cada vez mais. As próprias universidades ignoram a relevância e as vantagens da integração disciplinar. São poucas, se é que existem, as faculdades de Exatas ou Biológicas que incluem matérias de Humanas em seus currículos. A recíproca, claro, é igualmente verdadeira.

Mas a questão vai além do universo acadêmico. Tanto que se tornou usual, entre pais e alunos, distinguir as escolas do ensino médio em "fortes" - que reforçam os conteúdos, dão destaque às Exatas e se dedicam a fazer os alunos chegarem à universidade - e "fracas", quase sempre identificadas com orientações de tipo humanista e voltadas para a formação de um aluno mais crítico e criativo. Dada a competição entre elas, aos poucos todas se vão convencendo de que precisam ser "fortes". Vão assim se deixando seduzir pela preocupação de funcionarem como preparatórios para o vestibular, em vez de se dedicarem à formação integral dos estudantes.

Acontece que o mundo é complicado demais para ser vivido e especialmente para ser compreendido. Ele não se revela de imediato, desafia-nos e nos confunde, chega mesmo a atemorizar. Precisa ser pensado, analisado em seus ritmos e determinações para poder ser concebido como um todo, e não apenas como um amontoado de fragmentos desconexos.

Isso não é possível sem as Humanas. Sempre foi assim, aliás. Não é por outro motivo que a ideia moderna de universidade tem no seu coração uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, entendida como espaço onde os saberes e as especialidades encontram condições para superar suas estreitezas. Sem esse coração a universidade não se completa.

Precisamente porque vivemos em ambientes complexos, dinâmicos e fragmentados, as Ciências Humanas tornaram-se estratégicas. A razão crítica por elas cultivada deveria ser amplamente disseminada, de modo a ajudar que cidadãos e profissionais sejam mais do que meros receptores ou aplicadores de conhecimentos e adquiram recursos intelectuais abrangentes.

Fazer a defesa das Humanas não é somente defender os cursos e faculdades de Humanas, que certamente necessitam de maior valorização. É também defender a perspectiva de que bons profissionais - sejam eles quais forem - se caracterizam pela posse de uma visão coerente do mundo e por saberem articular saberes. São intelectuais, pessoas capazes de compreender o mundo em que vivem, traduzi-lo em termos compreensíveis para todos e organizá-lo tendo em vista uma ideia de comunidade política democrática.

Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros "Em Defesa da Política" (Senac, 2001) e "Um Estado para a Sociedade Civil" (Cortez, 2004)

O desenvolvimento exigente

O desenvolvimento exigente
Marco Aurélio Nogueira

Parece haver no País um consenso segundo o qual não teremos chance de avançar como sociedade - ou seja, de eliminar a desigualdade, a miséria, a fome - e como Estado democrático sem taxas vigorosas de crescimento econômico. São muitas as esperanças associadas ao desenvolvimento, como se dele dependesse tudo: emprego, renda, igualdade, a felicidade mesma dos cidadãos.

Paradoxalmente, isso ocorre num momento em que o próprio desenvolvimento se mostra difícil, controverso, até mesmo indesejável. Há, é verdade, uma forte pressão - da economia mundial, dos organismos internacionais, dos governos de outros países - para que se acelere o crescimento e se dissemine a mentalidade do "catch-up", como se existisse um padrão ótimo de renda ou PIB que devesse ser alcançado por todos os países. Fala-se até em "ditadura do desenvolvimentismo" como critério a ser seguido na construção do futuro, que deveria ser o mesmo para o mundo todo.

Esta pressão, no entanto, não traz consigo nenhuma idéia consistente de desenvolvimento, nem faz qualquer projeção sobre suas vantagens ou seu custo social. Sua estratégia e suas metas são definidas a partir da experiência dos países mais desenvolvidos ou de economias que conseguiram sucessos estrondosos em curto espaço de tempo, sem que se esclareça se isso pode ser tomado como medida universal.

O desenvolvimento continua a ser o principal motor do capitalismo e é uma necessidade real das comunidades humanas que se inserem neste sistema. Mas não é razoável que tudo seja feito ou defendido em seu nome.

Estamos discutindo o tema num contexto condicionado pelas conseqüências do padrão de desenvolvimento das últimas décadas, que assistiram a uma expansão desenfreada do capitalismo e das forças produtivas em todo o globo. Vivemos sob a sensação de que o desenvolvimento em curso, graças à sua lógica cega e "irresponsável", ameaça a reprodução das sociedades humanas, reitera a desigualdade e agrava o desequilíbrio ambiental. Também por isso, é difícil saber quando se pode falar de fato em desenvolvimento. Saltos no PIB ou na renda per capita não são de modo algum confiáveis como indicadores de sucesso.

Devemos querer desenvolvimento no Brasil, mas não podemos querer qualquer desenvolvimento.

Um desenvolvimento sustentável precisa ser proposto com firmeza. A idéia de sustentabilidade não pode servir de base para que se bloqueiem projetos de crescimento econômico que se dediquem a melhorar as condições de vida da população. Mas ela não é em si mesma uma abstração. Surgiu como um grito de alerta e funciona tanto como parâmetro de moderação e regulação do crescimento quanto como critério de preservação ambiental.

Uma perspectiva sustentável de desenvolvimento é indispensável para que se estabeleça uma sintonia fina entre expansão das forças de produção, apetites do mercado, necessidades coletivas e justiça social e, ao mesmo tempo, para que a economia interaja amigavelmente com a natureza. Não se trata, pois, de simples recurso preservacionista, mas de algo bem mais abrangente, que supera tanto a indiferença produtiva do ambientalismo tradicional quanto a volúpia do produtivismo incondicional.

Justamente por isso, trata-se de uma perspectiva exigente, bem mais complexa que qualquer outra do passado. Ela necessita tanto de uma idéia clara de desenvolvimento, que o conceba de forma multidimensional, como projeto regulado politicamente, quanto de um pacto social que dê fundamento prático, moral e político à idéia.

O desenvolvimento desejável não pode ter as mesmas metas de antes (concentradas no econômico), muito menos partir dos atores de sempre - o Estado, os empresários, os trabalhadores. Precisa envolver o conjunto da sociedade e implicar uma série de ações que reformem, dinamizem e articulem os diferentes sistemas sociais (a educação, a saúde, os transportes, a infra-estrutura, etc.) e alterem, portanto, a institucionalidade existente, a começar do próprio aparelho de Estado e atingindo os partidos políticos, a universidade e a comunidade científica.

O desenvolvimento hoje não depende somente do Estado, mas é inconcebível sem o Estado. Mas para coordenar o desenvolvimento o Estado precisa ter capacidade de intervenção, ou seja, ser capaz de fazer política (econômica e social), regular o mercado, enfrentar a prevalência do sistema financeiro e liderar um pacto social substantivo.

O problema é que estes requisitos são de difícil obtenção nas circunstâncias atuais. Não faltam operadores técnicos e políticos qualificados e o País parece preparado para vivenciar um novo ciclo de expansão sem ameaças à estabilidade e à segurança da população. Melhoramos muito em diferentes áreas - da gestão à distribuição de renda, do conhecimento tecnológico à democracia eleitoral - e temos uma base material para o desenvolvimento.

No entanto, carecemos do fundamental, ou seja, de boas condições para o estabelecimento de um pacto social que seja simultaneamente desenvolvimentista e aberto à sustentabilidade, que olhe o País como um todo e condicione o avanço em termos de produtividade a uma consistente agenda distributivista.

Pactos são produtos políticos e intelectuais. Dependem de sujeitos, atos de vontade, lideranças, batalhas de persuasão, convencimento e argumentação. Não avançam sem projetos referenciados, sem forças sociais minimamente mobilizadas, sem coalizões políticas inteligentes e generosas.

Por não termos como produzir pactos deste tipo, corremos o risco de assistir a um ciclo expansionista muito mais propenso ao reforço unilateral do mercado do que ao aumento da igualdade ou à democratização da sociedade. Se assim ocorrer, continuaremos sem desenvolvimento efetivo e entregues à progressiva colonização do futuro pela economia.

Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros "Em Defesa da Política" (Senac, 2001) e "Um Estado para a Sociedade Civil" (Cortez, 2004)

Ecos da violência


Ecos da violência
Valtenir Pereira

O noticiário deste fim de semana foi marcado pela violência no Rio de Janeiro, que resultou em 25 mortes e a queda de um helicóptero da Polícia Militar. Todo o conflito ocorreu em virtude de um ataque de facções rivais no Morro do Macaco, oriundas das favelas Tabajaras, Morro São João, Mangueira, Jacarezinho e Alemão. O que parece estar distante e localizado nos grandes centros tem origem e solução no nosso próprio “quintal”.

Na noite de terça-feira (20), a Polícia Rodoviária Federal apreendeu em Primavera do Leste (MT) cinco fuzis 762, dois fuzis M1 calibre 30, 20 carregadores de fuzis e cinco mil munições para esses armamentos. Gravações da Polícia Civil do Rio de Janeiro comprovam a entrada de armas no país, sem nenhuma dificuldade, originarias da Bolívia, com destino às quadrilhas cariocas.

Todo o carregamento estava escondido na fuselagem de uma caminhonete F-100. O motorista, Vanderlei de Souza, afirmou à polícia que receberia R$ 10 mil para entregar o armamento a membros de uma facção criminosa no Rio.

Em minha atuação como parlamentar, sempre lutei para que nossa região fosse mais bem atendida, por servir justamente de “porta de entrada” para o tráfico de drogas e armas para outras regiões brasileiras. Só em Mato Grosso, existe uma fronteira “seca” de 700 quilômetros.

Como membro da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados convoquei audiência pública para debater a fragilidade das fronteiras brasileiras, em especial, de Mato Grosso com a Bolívia, ocasião em que diversas autoridades nacionais tomaram, mais uma vez, conhecimento dos problemas oriundos do descaso com a segurança em nossas fronteiras. Na Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional apresentei, para 2009, uma emenda de comissão, apoiada pelo relator,senador Delcídio Amaral (PT-MS) no valor de R$ 15 milhões que foram contingenciados em virtude da crise econômica. Infelizmente, e não por nossa culpa, o contingenciamento impediu que o dinheiro fosse liberado na totalidade.

Os recursos deveriam ser usados na compra de helicópteros para fiscalização das fronteiras de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, entre outras ações de segurança e combate ao tráfico de drogas e armas. Dada a urgência da situação, continuamos lutando para reaver esses R$ 14 milhões junto ao Ministério da Justiça. Chegamos a uma situação limite, pois a segurança pública tem que ser encarada como prioridade. Investir na segurança da região de fronteira é a principal estratégia para o combate ao crime organizado.

Outra questão levantada por essa onda de violência no Rio de Janeiro diz respeito ao traficante Fabiano Atanásio, que liderou a invasão ao Morro do Macaco. Condenado por crime hediondo, em 2002, sob o argumento de apresentar bom comportamento, o traficante foi beneficiado com a progressão de regime para sair da cadeia, trabalhar e voltar para a prisão. Porém, ele fugiu. Hoje existem 14 mandados de prisão contra Fabiano.

Não é a primeira vez que criminosos, considerados de alta periculosidade, são beneficiados com o regime de progressão de pena. O caso do garoto Kaytto Guilherme, em Mato Grosso, demonstra o quanto a sociedade está vulnerável aos condenados por crimes hediondos que provoca grande repulsa social. Kaytto foi violentado e morto por Edson Delfino, pedófilo que foi beneficiado pelo regime semi-aberto. Colocado em liberdade, Delfino praticou o mesmo crime pelo qual foi condenado.

É urgente a mudança da legislação para evitar que novos crimes hediondos continuem a chocar a sociedade. Por essa razão, apresentei a Proposta de Emenda à Constituição número 364/2009, que ficou conhecida como “PEC Kaytto”. Essa proposição já está pronta para ser apreciada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, com parecer favorável do deputado federal Ciro Nogueira (PP-PI).

A sociedade tem que demonstrar sua indignação e combater essa situação de violência que atinge a todas as classes sociais. Temos que concentrar os esforços para combater as organizações criminosas e toda a forma de violência que fere as famílias brasileiras.

Valtenir Pereira é Defensor Público Licenciado e Deputado Federal (PSB/MT)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Getúlio Vargas, o inovador



Getúlio Vargas, o inovador
Léo de Almeida Neves

Decorridos 55 anos do mais trágico acontecimento de nossa história, o suicídio de Getúlio Vargas na manhã de 24 de agosto de 1954, ninguém contesta que ele implantou o Brasil moderno com o Código de Minas, tomou posse como Chefe do Governo Provisório em 3 de novembro de 1930 e já no dia 14.11.1930 criou o Ministério da Educação e Saúde Pública e em 26.11.1930 o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; fundou a Usina Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, a Companhia Vale do Rio Doce, o BNDE(S) e a Petrobras, e propôs a Eletrobras. Hoje, em sua homenagem vou recordar feitos de menor destaque, porém de relevante significado para a coletividade. Em 22 de janeiro de 1942, Getúlio assinou o decreto-lei 4.048 instituindo o Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários (SENAI), subordinado à Confederação Nacional da Indústria, com as competências de organizar em todo o país escolas de aprendizagem para capacitar operários, ministrar ensino continuado, aperfeiçoamento e especialização de mão de obra. Ele atendia a um pleito de Euvaldo Lodi, presidente da CNI, e Roberto Simonsen, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), líderes empresariais que aprovavam a política nacionalista de Vargas.

Em 1932, ele introduziu a Carteira do Trabalho, retirando os conflitos de patrões e empregados das delegacias de polícia. No documento constava a ocupação do trabalhador, seu salário e o direito de filiar-se a um sindicato, dados pessoais, representando o reconhecimento de sua cidadania. As sucessivas leis de proteção ao assalariado, salário mínimo, jornada de 8 horas, férias remuneradas, culminando com a Consolidação das Leis do Trabalho em 1º de maio de 1943, contendo mais de 800 artigos, asseguraram a harmonia entre capital e trabalho que até hoje se verifica. Fato digno de nota foi a decretação da moratória da dívida externa em 1931/32, que resultou no cancelamento de mais de 50% da mesma, uma vez que na auditoria procedida constatou-se que somente 40% dos contratos estavam documentados. A propósito, assinale-se o descumprimento de norma da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 que determina no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “no prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de Comissão Mista, exame analítico e parcial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro”. Que diferença com a ação empreendida por Getúlio Vargas!

Outra atitude de estadista que merece ser relembrada. Em janeiro de 1942, realizou-se no Rio de Janeiro a Conferência Interamericana convocada pelos Estados Unidos, depois do ataque japonês a Pearl Harbor em dezembro de 1941 para decidir sobre o rompimento de relações diplomáticas e comerciais dos 21 países latino-americanos com o Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão. Exceto Argentina e Chile, todos romperam com o Eixo e se comprometeram a abastecer a América do Norte com borracha e minério de ferro. Getúlio Vargas só anunciou a ruptura no último dia da reunião, após obter do presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, o compromisso de apoiar a construção da siderúrgica de Volta Redonda e a Companhia Vale do Rio Doce, resultante da encampação de multinacional Itabira Iron, que estava sentada em nossas reservas minerais e nada produzia. Roosevelt também celebrou o acordo militar para nos fornecer armas e equipamentos militares no valor de US$ 200 milhões. O Brasil cedeu espaço para instalação de uma base aérea norte-americana em Parnamirim, Rio Grande do Norte, apelidada de Trampolim para a Vitória. Participamos na 2ª Guerra Mundial com esquadrilha aérea da FAB e com a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que atuaram heroicamente junto com os aliados na península italiana.

É inesgotável a contribuição de Getúlio Vargas em todas as áreas da vida nacional. Na cultura popular, oficializou na década de 30 as escolas de samba, incluindo as regras de competição para o carnaval, como a seleção de temas históricos para os enredos e as fantasias. Ele foi entusiasta do teatro e dos shows musicais, comparecendo a inúmeros espetáculos, aplaudindo os artistas e cumprimentando-os pessoalmente. Deu ênfase igualmente à música erudita, prestigiando e divulgando ao público brasileiro as composições de Villa-Lobos, autor de renome internacional. Quanto mais passa o tempo, agiganta-se a recordação das iniciativas pioneiras e das realizações concretas de Getúlio Vargas em prol do Brasil e da nossa gente.

Léo de Almeida Neves, membro da Academia Paranaense de Letras, ex-deputado federal (eleito pelo MDB e cassado pela ditadura, na redemocratização retomou o mandato como representante do PDT) e ex-diretor do Banco do Brasil (gestão do Presidente João Goulart

O trabalhismo, também conhecido como "socialismo moreno"

"Assim, pois, compreendo o trabalhismo como o primado dos valores do trabalho, a luta contínua para aumentar a participação dos trabalhadores na riqueza social, opondo-se a toda e qualquer forma de exploração do homem pelo homem, de classes sociais por outras classes sociais e de nações por outras nações. Desse modo, o trabalhismo expressa, fundamentalmente, as aspirações de todos os que dependem do trabalho para viver, isto é, dos trabalhadores das cidades e dos campos, dos assalariados em geral, bem como dos agricultores e dos que vivem da prestação de serviços, sem distinção da natureza de suas tarefas."

(Leonel Brizola; em estrevista concedida a Moniz Bandeira, em 1978)


O PDT - Partido Democrático Trabalhista, defende o trabalhismo e apoia o governo Lula, ocupando a pasta do trabalho com Carlos Lupi. O trabalhismo é uma ideologia genuinamente brasileira, nascida sobre a inspiração de Getúlio Vargas, Alberto Pasqualini, João Goulart, Darcy Ribeiro, e Leonel Brizola. Foi graças ao trabalhismo que em nosso país foi conquistado o voto secreto, a justiça eleitoral e o voto feminino, assim como o salário mínimo, férias remuneradas de trinta dias e a jornada de trabalho de 8 horas diárias, assim como todos os demais direitos trabalhistas estabelecidos na CLT. O 13º Salário também é uma conquista do trabalhismo.

Brizola sempre repetia: "o Trabalhismo, no Brasil, é o caminho para o socialismo".

O trabalhismo nasceu sobre inspiração de Getúlio Vargas e de Alberto Pasqualini, misturando o nacionalismo com o solidarismo cristão, mas sobre bases laicas. Através de João Goulart, e em especial de Darcy Ribeiro e de Leonel Brizola, o trabalhismo se aproximou do marxismo, em especial da social-democracia clássica(também chamada de social-democracia pré-bolchevique). Entretanto apesar do trabalhismo reconhecer a luta de classes, assumindo a defesa dos trabalhadores, não considera que a luta de classes seja o motor da história. E ao contrário dos socialistas, o trabalhismo não se opõe a propriedade privada e ao mercado.

O trabalhismo busca superar o capitalismo de forma processual, através de reformas democráticas, na busca por uma sociedade mais justa e equitativa, numa espécie de socialismo de mercado, sendo possível a existência de uma economia mista, onde os meios de produção estratégicos devem ser coletivos, enquanto que em outras áreas, a existência das praticas capitalistas e da propriedade privada são aceitas, sendo, no entanto, reguladas pelo Estado, com intervenções voltadas para o bem estar social. Nesse sentido o trabalhismo foi considerado por Leonel Brizola como o “socialismo moreno”, e é por isso que o PDT é o único partido político brasileiro filiado à Internacional Socialista.

"Democratizar, portanto, não é só proclamar, abstratamente, a igualdade jurídica, que todos são iguais perante as leis, mas abolir privilégios econômicos, sociais e políticos, que terminam por negar a própria democracia e sufocar a liberdade. Socializar, por outro lado, não é transferir pura e simplesmente para o Estado o monopólio dos meios de produção. É democratizá-los, mediante o controle social de sua utilização e dos valores que gerar, o que só o exercício das liberdades políticas assegura, corrigindo distorções, que terminam por comprometer a própria socialização."

(Leonel Brizola; em estrevista concedida a Moniz Bandeira, em 1978)


"Os fundamentos doutrinários e ideológicos do Trabalhismo Brasileiro – do PDT – forjados pelo pensamento, vida e obra de Getulio Vargas, João Goulart, Alberto Pasqualini Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, comprovam que o trabalho, o capital e o Estado, juntos, em perfeito equilíbrio, podem construir o desenvolvimento econômico sustentado de um Pais.

Na teoria e na prática, o Trabalhismo- PDT - é uma concepção sempre atual e moderna, de esquerda, progressista, que defende as mudanças políticas, econômicas e sociais para a construção de uma sociedade justa."

(Alceu Collares; em "A Crise do Capitalismo")


O fracasso do chamado "socialismo real", e o sucesso do chamado "socialismo de mercado" na China e no Vietnã, demonstra claramente que o marxismo está errado ao defender a abolição do mercado e da propriedade privada dos meios de produção, distribuição e troca. O trabalhismo mostra ser o caminho para a refundação do socialismo, ao somar a democracia e a liberdade ao "socialismo de mercado", e também por reconhecer aquilo que a história já comprovou faz tempo: os trabalhadores tem nação, portanto devem ser patriotas, devem ser nacionalistas, abandonando assim a baboseira marxista em torno do "internacionalismo proletário". Isso não significa que não devemos ser internacionalistas, mas diferentemente do que é defendido pelo marxismo, esse internacionalismo é o apoio e solidariedade a luta dos povos oprimidos por sua libertação nacional, e dos trabalhadores por seus direitos. Mas sem intervir nessas lutas, respeitando a identidade nacional desses povos ao mesmo tempo que mantemos a nossa identidade nacional. Por reconhecer essa verdade, sou filiado ao PDT.

Pearl Jam - World Wide Suicide

A letra dessa música é contra a guerra insana promovida por Bush no Iraque.

Pré-sal e o desafio da capacitação

Pré-sal e o desafio da capacitação
Luís Sérgio*

Com as descobertas das megajazidas do pré-sal, o Brasil ingressará numa nova etapa econômica. Vislumbram-se colossais obras de infra-estrutura, novas empresas, estaleiros e plataformas marítimas, que possibilitarão ao País tornar-se um dos principais produtores de petróleo do mundo. Embora não haja ainda um número consolidado sobre geração de empregos ligados especificamente à exploração da nova área, as estimativas são as mais positivas.

Calcula-se que poderão ser gerados, em médio prazo, até 750 mil empregos diretos e indiretos. Até 2016, o desenvolvimento da produção do pré-sal necessitará da capacitação de 243 mil profissionais na cadeia produtiva do setor, para atender às encomendas da Petrobras. Serão empregos de qualidade gerados a partir de uma dinâmica que coloca o interesse nacional acima de tudo.

Temos o duplo desafio de aprofundar o processo de nacionalização da produção de equipamentos para o setor e de garantir a mão de obra necessária. O problema já vem sendo enfrentado, mas com os dados superlativos do pré-sal, será preciso um esforço maior para que toda essa riqueza seja apropriada pela nação.

O governo Lula logrou avanços substanciais, ao romper com o modelo de FHC, em que se preferia comprar navios e plataformas no exterior.

Desde 2003 o governo brasileiro e a Petrobras vêm apostando numa estratégia bem-sucedida para capacitar os fornecedores brasileiros. Ela materializou-se no Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo (Prominp), cuja missão é revitalizar a indústria nacional de petróleo e gás em bases competitivas e sustentáveis, além de promover o aumento do conteúdo local nos projetos desenvolvidos pela Petrobras.

Os resultados são significativos. Desde a criação do Prominp, a participação da indústria nacional nos investimentos do setor aumentou de 57% em 2003 para 75% no primeiro semestre de 2009, o que representa um expressivo valor adicional de US$ 13,2 bilhões de bens e serviços contratados no mercado nacional, com a geração adicional de 605 mil postos de trabalho, no período. Com o pré-sal, cresce também a necessidade de profissionais qualificados para atender às demandas do setor de petróleo e gás natural. O Prominp identificou que será preciso qualificar mais 207 mil pessoas em 13 estados do país e em 185 categorias profissionais nos próximos anos.

Ao longo dos últimos três anos, o Prominp vem preparando profissionais para atender à crescente demanda de pessoal qualificado para atuar em áreas como construção de navios e plataformas, construção e ampliação de refinarias, gasodutos etc. Já estão treinadas mais de 45 mil pessoas e, até março de 2010, o Prominp prevê totalizar a qualificação de 78 mil trabalhadores em 175 diferentes categorias profissionais.

O treinamento envolve instituições de ensino brasileiras, com 29 redes temáticas e mais de 500 pesquisadores. Isso cria, fora da Petrobras, laboratórios de alto nível, capacitação de análise e interpretação e alta capacitação, com impacto positivo não somente sobre a estatal, mas também sobre a engenharia brasileira, o desenvolvimento dos projetos e a pesquisa em geral do nosso país.

O petróleo tem que ser tratado como riqueza estratégica do povo brasileiro. Hoje, em razão da nova orientação imprimida pelo governo Lula, com o fortalecimento da Petrobras, o setor corresponde a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 2,8% no governo FHC, em 1997. Com o pré-sal, poderá chegar a 20% do PIB em 2020. É justamente para o Brasil entrar nesse novo ciclo de crescimento econômico que o governo vem investindo pesado em educação, especialmente no ensino profissionalizante.

*Luís Sérgio é deputado federal fluminense e vice-líder do PT na Câmara dos Deputados.

Texto publicado originalmente no Jornal do Brasil, edição de 20/10/2009.

O socialismo petista

O PT - Partido dos Trabalhadores, é defensor do socialismo democrático. É claramente influenciado pelo pensamento marxista, em especial pela sua vertente conhecida como "eurocomunismo". Entretanto os petistas não se organizam segundo o modelo autoritario desenvolvido por Lenin, garantindo o pleno direito de tendências permanentes se organizarem no partido. E ao contrário dos esquerdistas, que ficaram parados no tempo, como se ainda estivessemos nas duas primeiras decadas do século XX, os petistas não se deixaram levar pelo dogmatismo e reconhecem que ocorreram mudanças no modo de produção capitalista, que longe de simplificar, possibilitaram uma maior complexidade na luta de classes.

Os trabalhadores e seus aliados(campesinato e pequena-burguesia), não podem temer o jogo democrático e a política de alianças com setores progressistas e nacionalistas da burguesia, no intuito de derrotar o projeto neo-liberal e assim iniciar a construção de uma hegemonia socialista na sociedade. E mais, como o próprio Engels já havia dito na introdução a "Luta de Classes na França", publicado em 1895, acabaram-se os tempos das grandes revoluções, o socialismo será construido processualmente, através de reformas de caráter revolucionário.

O PT assume a defesa da democracia como valor universal, sendo portanto um partido socialista do século XXI.

O PT e o Brasil
Emiliano José*

O nascimento do PT, que comemora 29 anos este mês, dá-se no momento da aurora do neoliberalismo com sua promessa de redimir o mundo pelo mercado. No trajeto, coisa de uma década depois, o abalo da derrocada da União Soviética.

Logo ao nascer, o PT disse a que vinha: a luta pelo socialismo era indissociável da luta pela democracia. Não mais a ditadura do proletariado. Não mais o sacrifício das liberdades em favor de conquistas sociais.Até aqui, uma rica trajetória. Já há muito que comemorar. Constituiu-se num dos maiores partidos de massa do Ocidente, talvez o maior. Não mais o partido de quadros. Não o modelo leninista. Defesa da democracia para a sociedade. Democracia também no interior do partido.

Abertura para o debate. Nasceu impulsionado por três forças motrizes: a esquerda revolucionária egressa da luta contra a ditadura, a corrente progressista da Igreja Católica e principalmente o novo sindicalismo que despontava no ABC paulista.Essas três forças foram plasmando um partido que se mostraria vocacionado para governar o Brasil. Demorou algum tempo, no entanto, para descobrir os caminhos que o levassem a ser a força política hegemônica da sociedade brasileira.

Depois de muitos tropeços e equívocos, compreendeu que um sonho que se sonha só é apenas um sonho. Chegar ao poder, governar o Brasil exigia amplitude, capacidade de fazer alianças com os diferentes.A revolução deixava de ter data marcada. Não mais a quimera do grande dia da conquista do céu. A transformação do País seria fruto de uma paciente construção cotidiana. Guerra de posição. Não mais o assalto ao Palácio de Inverno. Gramsci assume o lugar antes ocupado por Lênin. As classes trabalhadoras tinham que ser conquistadas e conquistar corações e mentes da sociedade brasileira. As forças do atraso eram muito mais fortes do que pretendia o jovem PT.Governar o Brasil era a grande meta, o sonho dourado. E o grande desafio, hoje encarado.

O PT lidera hoje no País uma revolução. A revolução democrática. Produz, ao lado dos aliados que soube conquistar, transformações nunca antes vistas na sociedade brasileira. Mais de 20 milhões de pessoas retiradas da miséria absoluta. Autonomia cidadã. Afirmação das liberdades e da soberania nacional, respeito à diversidade. Clareza de que é longa a estrada que tornará o Brasil uma sociedade justa e fraterna. Certeza de estar hoje promovendo políticas públicas que representam passos seguros nessa direção.

Lula não será mais candidato em 2010. A importância do partido cresce ainda mais. Dele se exigirá muita lucidez para que a revolução democrática não seja interrompida. O PT terá, de um lado, que aumentar sua coesão interna, afirmar sua vocação democrática e socialista. De outro, persistir na compreensão de que as alianças à esquerda e ao centro continuam indispensáveis. As responsabilidades crescem. A sociedade brasileira espera que o PT esteja à altura delas.

Publicado em A TARDE de 16/02/2009

* Emiliano José é deputado federal(PT/BA), jornalista e escritor. Email: emiljose@uol.com.br

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O individualismo tem ainda futuro?

O individualismo tem ainda futuro?
Leonardo Boff *

Há hoje nos EUA uma crise mais profunda do que aquela econômico-financeira. É a crise do estilo de sociedade que foi montada desde sua constituição pelos "pais fundadores". Ela é profundamente individualista, derivação direta do tipo de capitalismo que aí foi implantado. A exaltação do individualismo ganhou a forma de um credo num monumento diante do majestoso Rockfeller Center em Nova York, no qual se pode ler o ato de fé de John D. Rockfeller Jr: "Eu creio no supremo valor do indivíduo e no seu direito à vida, à liberdade e à persecução da felicidade".

Em finas análises no seu clássico livro "A democracia na América" (1835) o magistrado francês Charles de Tocqueville (1805-1859) apontou o individualismo como a marca registrada da nova sociedade nascente.

Ele sempre foi triunfante, mas teve que aceitar limites devido à conquista dos direitos sociais dos trabalhadores e especialmente com surgimento do socialismo que contrapunha outro credo, o dos valores sociais. Mas com a derrocada do socialismo estatal, o individualismo voltou a ganhar livre curso sob o presidente Reagan a ponto de se impor em todo o mundo na forma do neoliberalismo político. Contra Barack Obama que tenta um projeto com claras conotações sociais como a saúde para todos os estadounidenses e as medidas coletivas para limitar a emissão de gases de efeito estufa, o individualismo volta a ser reproposto com furor. Acusam-no de socialista e de comunista e até, num Facebook da internet, não se exclui seu eventual assassinato caso venha a cortar os planos individuais de saúde. E note-se que seu plano de saúde nem é tão radical assim, pois, tributário ainda do individualismo tradicional, exclui dele todos os milhões de imigrantes.

A palavra "nós" é uma das mais desprestigiadas da sociedade norteamericana. Denuncia-o o respeitado colunista do New York Times, Thomas L. Friedman num artigo recente:"Nossos lideres, até o presidente, não conseguem pronunciar a palavra ‘nós’ sem vontade de rir. Não há mais ‘nós’ na política norteamericana numa época em que ‘nós’ temos enormes problemas - a recessão, o sistema de saúde, as mudanças climáticas e guerras no Iraque e no Afeganistão - com que ‘nós’ só podemos lidar se a palavra ‘nós’ tiver uma conotação coletiva"(JB 01/10/09).

Ocorre que por falta de um contrato social mundial, os EUA comparecem como a potência dominante que, praticamente, decide os destinos da humanidade. Seu arraigado individualismo projetado para o mundo se mostra absolutamente inadequado para mostrar um rumo para o "nós" humano. Esse individualismo não tem mais futuro.

Mais e mais se faz urgente uma governança global que substitua o unilateralismo mocêntrico. Ou deslocamos o eixo do "eu" (a minha economia, a minha força militar, o meu futuro) para o "nós" (o nosso sistema de produção, a nossa política e o nosso futuro comum) ou então dificilmente evitaremos uma tragédia, não só individual mas coletiva. Independente de sermos socialistas ou não, o social e o planetário devem orientar o destino comum da humanidade.

Mas por que o individualismo é tão arraigado? Porque ele está fundado num dado real do processo evolucionário e antropogênico, mas assumido de forma reducionista. Os cosmólogos nos asseguram que há duas tendências em todos os seres, especialmente nos vivos: a de auto-afirmação (eu) e a de integração num todo maior (nós). Pela auto-afirmação cada ser defende sua existência; caso contrario, desaparece. Por outro lado, nunca está só, está sempre enredado numa teia de relações que o integra e lhe facilita a sobrevivência.

As duas tendências coexistem e juntas constroem cada ser e sustentam a biodiversidade. Excluindo uma delas surgem patologias. O "eu" sem o "nós" leva ao individualismo e ao capitalismo como sua expressão econômica. O "nós" sem o "eu" desemboca no socialismo estatal e no coletivismo econômico. O equilíbrio entre o "eu" e o "nós" se encontra na democracia participativa que articula ambos os pólos. Ela acolhe o indivíduo (eu) e o vê sempre inserido na sociedade maior (nós) como cidadão.

Hoje precisamos de uma hiperdemocracia que valorize cada ser e cada pessoa e garanta a sustentabilidade do coletivo que é a geosociedade nascente.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor

O pensamento marxista de Karl Kautsky e a social democracia clássica



A social-democracia clássica fundamentava-se no marxismo e defendia a luta pelo socialismo. Um dos seus principais teóricos foi Karl Kautsky, nascido em Praga no dia 18 de outubro de 1854. Essa social-democracia clássica nasceu revolucionária, mas com o avanço da "socialização da política", conquistada em virtude das lutas heróicas do movimento operário e popular, passou a defender um caminho pacífico para o socialismo, afirmando que a democracia é necessária na futura sociedade socialista, e que graças as vitórias obtidas pelo movimento operário e popular, o próprio socialismo poderia ser construido de forma democrática, atráves de eleições e da luta parlamentar.

Karl Kautsky

O teórico político marxista Karl Kautsky foi uma das mais importantes figuras da história do marxismo, tendo editado o quarto volume de O Capital, de Karl Marx, as Teorias de Mais-Valia , que continha a avaliação crítica de Marx às teorias econômicas dos seus predecessores.

Kautsky estudou história e filosofía na Universidade de Viena, e se tornou membro do Partido Social Democrata em 1875. De 1885 a 1890, ele viveu em Londres, onde se tornou amigo de Friedrich Engels. Em 1891, foi co-autor do Programa de Erfurt do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD), junto com August Bebel e Eduard Bernstein.

Kautsky não foi nenhum "renegado", como foi acusado injustamente por Lenin. Apesar de ter apoiado a participação alemã na Primeira Guerra Mundial, Karl Kautsky não sustentou esta "posição patriótica" até o fim da guerra. Em Junho de 1915, cerca de dez meses após a guerra ter começado, quando tornou-se evidente que seria uma guerra brutal e desumana, ele emitiu um recurso com Eduard Bernstein e Hugo Haase contra os líderes pró-guerra do SPD, e denunciou o governo de possuir objetivos imperialistas. Kautsky e demais opositores do apoio a guerra, foram expulsos do SPD em 1916. No ano seguinte, Kautsky e outros socialistas que se opunham a guerra, fundaram o Partido Social Democrata Independente. Kautsky retornou para o SPD apenas em 1922.

Quando Eduard Bernstein defendeu a revisão do marxismo, afirmando que a esquerda deveria se preocupar com as reformas que beneficiavam a vida dos trabalhadores, e não com a luta pelo socialismo, Kautsky se posicionou contra essa revisão. Apesar de defender o caminho reformista, Kautsky deixava claro que este só teria sentido em conexão com a luta pelo socialismo. Ele disse que:

"Quando Bernstein diz que devemos ter primeiramente a democracia para conduzir passo a passo o proletariado à vitória, eu digo que para nós a questão é inversa. A vitória da democracia está condicionada pela vitória do proletariado."

Kautsky também rejeitou a tentativa de Bernstein, de transformar o SPD em um "partido do povo". Embora o proletariado pudesse aliar- se, momentaneamente, às frações de classes pequeno- burguesas e camponesas para obter certos objetivos políticos e reformas administrativas, não deveria, contudo, cooperar com eles em uma organização duradoura. A preservação do caráter de classe, portanto, possibilitaria a organização do proletariado em um partido político autônomo, consciente da luta de classes que deve travar e de seus objetivos: supressão da propriedade individual dos meios de produção capitalista. Ao contrário, a fusão do proletariado em um partido único com todas as classes populares implicaria na renúncia à revolução e na obrigação de se contentar com algumas reformas sociais.

Deste modo, segundo Kautsky, "não se deve considerar que o socialismo aperfeiçoará, mas sim vencerá o liberalismo; não se pode contentar em ser um partido que se limite às reformas democrático- socialistas; deve- se ser o partido da revolução social", pois "a revolução social (...) é o objeto fatal ao qual tende toda organização política autônoma do proletariado"(Karl Kautsky; La doctrina socialista). Para tanto, Kautsky argumenta que todo partido deveria se dispor à conquista do poder político para "moldar o Estado" e fazer com que as suas forças atuem sobre as formas sociais em adequação às metas partidárias.

Para Kautsky, o socialismo não é o objetivo final da luta de classes do proletariado contra a burguesia, mas sim a abolição de toda espécie de exploração e de opressão. Entretanto o socialismo é o único meio de se conquistar esse objetivo.

"Em verdade não é o socialismo nosso objetivo final, mas a abolição de “toda espécie de exploração e de opressão, quer seja dirigida contra uma classe, um partido, um sexo ou uma raça”. Por essa luta [de classes], nós nos propomos a estabelecer um modo de produção socialista, dado que parece ser, hoje, o único meio que corresponde às condições técnicas e econômicas dadas para conseguir nosso fim. Se se chegasse a demonstrar que estamos errados em não acreditar que a liberdade do proletariado e da humanidade em geral possa realizar-se, unicamente, ou mais comodamente, na base da propriedade privada dos meios de produção – como Proudhon continuou a crer – então deveríamos rejeitar o socialismo, sem renunciar, entretanto, a nosso fim, e deveríamos fazê-lo, precisamente, no interesse de nosso objetivo final." (Karl Kautsky; A ditadura do proletariado)

Até a primeira decada do século XX, Kautsky defendia a via revolucionária como caminho para o socialismo. Entretanto ao observar o avanço da democracia na Alemanha, percebeu que os social-democratas poderiam chegar ao poder pelo voto, confirmando o que Marx havia sugerido ao falar sobre países capitalistas democráticos, que na sua época se resumia aos EUA, Grã Bretanha, e Holanda.

Kautsky observou essa possibilidade ao constatar que o Partido Social Democrata crescia a cada eleição, tanto que em 1890, havia conquistado 1,4 milhão de votos, enquanto que em 1912, conquistou 4,2 milhões de votos, passando de 35 deputados eleitos em 1890, para 110 em 1912.

Kautsky então afirmou que “não se poderia opor democracia e socialismo e dizer que um é o meio e o outro é o fim”, uma vez que “todos os dois são meios para um mesmo fim.”

A revolução socialista para Kautsky e para os demais teóricos da social-democracia clássica, deveria ser uma revolução processual, fundamentada na radicalidade democrática, através das eleições e da luta parlamentar. Por isso tornaram-se reformistas.

Muitos podem achar que a social-democracia clássica é igual ao eurocomunismo. Mas estão enganados quem acha isso, pois em primeiro lugar, os eurocomunistas não negam a Revolução Russa de Outubro de 1917, apesar de reconhecerem os erros promovidos pelos bolcheviques. Já os social-democratas sempre se opuseram a essa revolução, negando qualquer vinculo entre eles e essa que foi a primeira revolução socialista da história. Isso porque sempre se opuseram ao socialismo degenerado dos bolcheviques, pois sabiam que sem democracia não pode existir socialismo.

Os teóricos da social-democracia clássica foram os primeiros a fazer previsões que a história revelou serem válidas, sobre o fracasso do modelo bolchevique.

"Como o socialismo não consiste simplesmente na destruição do capitalismo e em sua substituição por uma organização estatal-burocrática da produção, a ditadura bolchevique estava destinada a fracassar e a terminar 'necessariamente no domínio de um Cromwell ou de um Napoleão'". (A previsão feita por Kautsky realiza-se plenamente na figura de Stálin).

(Israel Getzler: "Outubro de 1917: o debate marxista sobre a revolução na Rússia". In: História do Marxismo. Eric J. Hobsbawm (org.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, pp. 58-59)


Em segundo lugar, ao contrário dos eurocomunistas, que não separam o socialismo da democracia, afirmando que assim como não pode haver socialismo sem democracia, também não pode existir democracia sem socialismo, os social-democratas afirmam que o socialismo seria impensável sem democracia, contudo "uma democracia pura" seria possível sem o socialismo.

A democracia parlamentar como único caminho para o socialismo

A visão da democracia parlamentar como único instrumento para se chegar ao socialismo e propiciar o processo de amadurecimento do proletariado, é defendida por Kautsky, que sustenta a idéia de que para o socialismo se desenvolver seria preciso que "a maturidade do proletariado se acrescente à maturidade das condições e ao nível necessário de desenvolvimento industrial". Para tanto a democracia seria indispensável, posto que não somente permitiria, mais do que qualquer outro meio, acelerar o processo de amadurecimento do proletariado, como ainda ajudaria a reconhecer o momento em que essa maturidade seria alcançada. Assim, se o proletariado fosse "bastante forte e inteligente para tomar em mãos a organização social", ele poderia então transferir a democracia do plano político para o econômico.

Entretanto, o que Kautsky entende por democracia? Qual o seu conceito de democracia? Em um comentário sobre a experiência da Comuna de Paris, Kautsky enfatizou que:

"A primeira tarefa do novo regime revolucionário foi a consulta pelo sufrágio universal. A eleição, realizada com a maior liberdade, deu em todos os distritos de Paris e com raras exceções, grande maioria a favor da Comuna."

Em outra passagem, se referindo a Revolução proletária, Kautsky evidenciou que:

"Um regime que conta com o apoio das massas só empregará a força para defender a democracia, e não para aniquilá-la. Ele cometeria verdadeiro suicídio se quisesse destruir seu fundamento mais seguro: o sufrágio universal, fonte profunda de poderosa autoridade moral."

E Kautsky afirmava o seguinte sobre a ditadura do proletariado:

"Literalmente, a palavra ditadura significa supressão da democracia. Mas acontece que, tomada à letra, esta palavra significa igualmente poder pessoal de um só indivíduo que não está preso por nenhuma lei. Poder pessoal que difere do despotismo no fato de não ser entendido como uma instituição de Estado permanente, mas como uma medida extrema de transição.

A expressão "ditadura do proletariado", por conseqüência não de um só indivíduo, mas de uma única classe, prova que Marx não pensava aqui em ditadura no sentido literal da palavra.

Fala aqui não da forma de governo, mas do estado de coisas, que deve necessariamente produzir-se por toda a parte onde o proletariado conquistou o poder político."


Kautsky defendia claramente o conceito marxista, ou seja, que a ditadura do proletariado consistia na maneira de aplicar a democracia, não na sua supressão. E que seria algo temporário, uma medida extrema de transição. Para Kautsky, a vitória da revolução socialista, ou seja, a vitória do proletariado, é a vitória da democracia. E após constatar o desenvolvimento da democracia alemã, concluiu que a revolução socialista ocorreria por meios pacíficos, através da democracia parlamentar.

Kautsky conhecia bem a conjuntura da Europa Ocidental e da Alemanha, não deixando-se levar pelo extremismo esquerdista. Sabia muito bem que não haveria uma revolução baseada na ruptura, em insurreição popular, seja na Alemanha ou na Europa Ocidental. Ao contrário da Rússia, onde ainda existia uma realidade semi-feudal, na Alemanha e na Europa Ocidental ocorreria uma revolução processual, baseada no reformismo e no respeito ao processo democrático.

Além desse reconhecimento da democracia como valor universal, Kautsky foi o pensador marxista que fez a correta análise do imperialismo, formulando a teoria do ultra-imperialismo. Foi também um dos mais ferozes criticos do bolchevismo, condenando a ditadura totalitaria estabelecida por eles na Rússia. Em 1934, escreveu "Bolchevismo: Democracia e Ditadura", onde condenou a URSS e sua ditadura totalitaria.

Kautsky faleceu em 17 de outubro de 1938, em Amsterdã, Holanda, onde encontrava-se exilado após os nazistas terem tomado o poder na Alemanha. Ele foi no marxismo, o pai do socialismo democrático, defendendo uma via pacífica para o socialismo, uma revolução processual fundamentada na radicalidade democrática.

E foi graças a social-democracia que a Alemanha tornou-se um exemplo de democracia, com a aprovação da Constituição de Weimar em 1919. A jornada de trabalho foi fixada em 8 horas diárias, as mulheres conquistaram o direito de votar e se candidatar a cargos eletivos, os trabalhadores conquistaram o pleno direito de greve, e mesmo o Partido Comunista da Alemanha que havia tentado tomar o poder pela via insurrecional, na fracassada revolução de janeiro de 1919(que ocasionou o assassinato de Rosa Luxemburgo), conquistou a legalidade e disputava livremente as eleições.

Os social-democratas prosseguiam portanto no objetivo de construir o socialismo com liberdade, baseando-se em uma revolução processual fundamentada na radicalidade democrática, apesar da crise econômica provocada pelas pesadas indenizações cobradas pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial. Entretanto após a guinada esquerdista promovida por Stalin em 1928, os comunistas alemães passaram a considerar os social-democratas como os principais inimigos do proletariado, chamando-os de "social-fascistas", chegando inclusive a colaborar com os nazistas. Isso dividiu o movimento operário alemão, possibilitando o crescimento das forças conservadoras, em especial do Partido Nazista.

"Em 1931, seguindo a orientação de Stalin, os comunistas alemães se aliaram aos nazistas(antes da ascensão destes ao poder) contra os sociais-democratas, então caracterizados como inimigos principais dos trabalhadores alemães. Isso porque em 1928, Stalin caracterizou a social-democracia como "social-fascismo", igual (ou pior, conforme a ocasião) ao partido nazista; posição reafirmada após a ascensão de Hitler ao poder em janeiro de 1933, quando, em abril do mesmo ano, o dirigente stalinista alemão Fritz Heckert explica aos militantes do Partido Comunista da Alemanha, que "o desabamento do regime fascista na Alemanha depende, antes de tudo, da liquidação da influência da social-democracia reacionária", isso num momento em que Hitler mandava prender os sociais-democratas em massa. Nunca na história uma organização operária havia aceito a destruição de outra organização operária(no caso, do maior partido dos trabalhadores alemães) pela polícia de um estado capitalista repressor, sem se considerar atingida.

Essa política que priorizava a luta contra a social-democracia, acima de tudo, só muda em 1934, com a política de frente popular, que inclui os sociais-democratas numa vasta frente anti-fascista, dirigida também aos partidos burgueses tidos como democráticos."

(Vitor Letízia; em "A era do retrocesso: as esquerdas e as guerras no século XX")


Após a Segunda Guerra Mundial, com o triunfo do stalinismo no movimento comunista internacional, e com a "Guerra Fria" entre Ocidente capitalista X Oriente socialista(incluindo a criação da República Democrática Alemã pelos soviéticos em 1949), os social-democratas foram levados a abandonar o marxismo e a utopia socialista, realizando em novembro de 1959, o Congresso de Bad-Godesberg. Foi apenas a partir disso que morreu a perspectiva de uma uma revolução processual que levasse a construção do socialismo democrático na Europa Ocidental e na Alemanha por parte da social-democracia.

Portanto a social-democracia clássica, representada principalmente por Karl Kautsky, nada tem em comum com a atual social-democracia, herdeira do Congresso de Bad-Godesberg. A social-democracia clássica é claramente socialista, e portanto anti-capitalista.

Na atualidade, a social-democracia clássica teve nomes como Alexander Dubcek, lider da "Primavera de Praga", que depois da queda da ditadura stalinista na Checoslováquia, ocorrida em 1989, foi um dos fundadores do Partido Social Democrata da Eslováquia, que liderou até sua morte em 1992. E Mikhail Gorbachev, que tentou sem sucesso reformar o socialismo soviético, e hoje é lider da União Social Democrata.

Como defensor do socialismo democrático, busco inspiração principalmente na social-democracia clássica. Essa social-democracia clássica, representada principalmente por Karl Kautsky, é claramente socialista, e na minha opinião é parte importante no processo de refundação do socialismo e da verdadeira alternativa capaz de superar o capitalismo.

O socialismo renovado precisa resgatar o melhor do pensamento marxista, não limitando-se portanto a Rosa Luxemburgo, Antonio Gramsci, aos eurocomunistas ou a Escola de Frankfurt. Precisa chegar a Kautsky, Max Adler, Otto Bauer, e outros autores da "social-democracia clássica", que sempre se opuseram ao socialismo degenerado dos bolcheviques, pois sabiam que sem democracia não pode existir socialismo. Precisa inclusive resgatar pensadores socialistas oriundos de outras tradições não marxistas, como por exemplo, Jean Jaurès e seu socialismo humanista.

THE AGONIST - Business Suits and Combat Boots

PT e PMDB firmam pré-compromisso para as eleições presidenciais de 2010

Leia abaixo nota conjunta divulgada nesta quarta-feira (21) pelo PT e PMDB, relativa ao processo de aliança entre os dois partidos para as eleições presidenciais de 2010

Nota à Imprensa

Representados por lideranças e dirigentes nacionais, PMDB e PT, após avaliar o satisfatório cumprimento dos eixos programáticos que fundamentaram a coalizão de governo em 2007, comunicam que, de comum acordo, estabelecem pré-compromisso com vistas à disputa da eleição à Presidência da República em 2010, baseados nas seguintes premissas:

1 - Construir aliança programática e eleitoral para o pleito presidencial;

2 - Os dois partidos comporão, necessariamente, a chapa de Presidente e Vice, a ser apresentada ao eleitorado brasileiro;

3 - Os dois partidos compartilharão, em conjunto com as demais agremiações que venham a integrar essa aliança, a coordenação de campanha e a elaboração do programa de governo, com objetivo de dar continuidade aos avanços do governo do Presidente Lula, do qual PT e PMDB são forças de apoio e sustentação.

4 - Com esse escopo, PMDB e PT levarão este pré-compromisso às suas instâncias partidárias, construindo soluções conjuntas para as alianças regionais;

Brasília, 21 de outubro de 2009.

Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)

Critica aos esquerdistas ainda existentes no PT

Apesar da saida de grande parte dos esquerdistas, infelizmente ainda existem muitos desses no PT - Partido dos Trabalhadores. É o caso de Gabriel Lourenço e de Danilo Vilela, estudantes universitários que se consideram os gênios do marxismo revolucionário, motivo pelo qual ainda acreditam em uma ruptura como caminho para o socialismo. E pior, por acharem isso lançam calunias infames contra Tarso Genro e Vinicius Wu, por terem escrito o texto “Esquerda renovada”.

Pois bem, Karl Marx e Friedrich Engels nunca afirmaram que a ruptura deveria ser necessariamente violenta, inclusive Marx afirmou que em países capitalistas democráticos como EUA, Grã Bretanha, e Holanda, os comunistas poderiam chegar ao poder pelo voto. E essa posição é reafirmada pelo historiador marxista Jacob Gorender, em "Marxismo sem utopia", inclusive em estrevista publicada na revista Teoria e Debate nº 43, afirmou: "Podemos conjecturar sobre uma transição democrática e pacífica para o socialismo. Mas se trata de uma perspectiva condicional. Depende de que o adversário respeite as regras do jogo."

Partindo dessa constatação, percebemos que hoje o capitalismo é muito mais democrático do que o capitalismo americano, britânico e holandês dos tempos de Marx. Isso elimina portanto o fetiche esquerdista pela "violência revolucionária", e possibilita que avancemos ainda mais, aceitando a possibilidade de uma transição processual ao socialismo. Essa é a posição formulada por Enrico Berlinguer e pelos chamados "eurocomunistas", que assumiram a defesa da democracia como valor universal em sua plenitude. Isso não significa que os "eurocomunistas" não sejam revolucionários, muito pelo contrário, mas entendem a revolução não como ruptura e sim como processo, desenvolvendo assim um "reformismo revolucionário". Essa é a posição do cientista político Carlos Nelson Coutinho, e do jornalista Milton Temer, por exemplo. Ambos são fundadores do PSOL, portanto nem de longe pode chama-los de direitistas. Isso já derruba a tese esquerdista defendida por esses dois estudantes universitários.

Recordando o que haviam escrito Tarso Genro e Vinicius Wu em “Esquerda renovada”:

“Uma estratégia política socialista, conduzida por um partido de esquerda nos dias de hoje, deve recuperar os valores tradicionais da social-democracia pré-bolchevique e do socialismo democrático europeu e latino-americano¹ – república, igualdade e afirmação de direitos – atualizá-los e vinculá-los aos interesses concretos e às demandas políticas dos grupos e classes sociais, para as quais o crescimento econômico e a distribuição [de] renda são uma necessidade ou uma exigência.”

Os dois estudantes universitários baseados nesse trecho, acusaram Tarso Genro e Vinicius Wu de trairem os principios socialistas do petismo, afirmando:

"Ganhamos um presente; mas precisamos retirar o laço e o papel de embrulho. O que é exatamente a “social-democracia pré-bolchevique”? Em que contexto mais amplo estão inseridos os valores citados? Tomando-se como referência o período entre a morte de Friedrich Engels (1820-1895) e a Revolução Russa (1917), encontramos Eduard Bernstein (1850-1932) como um dos grandes expoentes dessa corrente não-revolucionária. Estabelecido esse marco, podemos recorrer ao seu pensamento para entender o que Tarso Genro e Vinicius Wu estão propondo." (A esquerda reafirmada)

Oras, em momento algum Tarso Genro e Vinicius Wu estão defendendo as posições revisionistas bernsteinianas, até porque a social-democracia pré-bolchevique recusou aceita-las, inclusive o próprio Karl Kautsky, que declarou:

"Quando Bernstein diz que devemos ter primeiramente a democracia para conduzir passo a passo o proletariado à vitória, eu digo que para nós a questão é inversa. A vitória da democracia está condicionada pela vitória do proletariado."


O revisionismo de Bernstein somente em 1921, no Congresso de Stuttgart, é que foi aceito pela social-democracia alemã.

E mais, a social-democracia pré-bolchevique também representa Jean Jaurès, que foi assassinado por um jovem nacionalista em 1914, justamente por se opor a Primeira Guerra Mundial e estar tentando organizar uma greve geral na França e na Alemanha para dete-la. Também representa a ala internacionalista dos mencheviques, liderada por Yuri Martov, que se opos a Primeira Guerra Mundial, fez oposição ao governo provisório e mesmo não apoiando a Revolução de Outubro, não participou de nenhuma ação contra-revolucionária, inclusive apoiando o Exército Vermelho em sua luta contra o Exército Branco, mas fazendo oposição ao governo bolchevique por defender os princípios da democracia operária, que garantem a liberdade de expressão para todas as correntes socialistas, e não uma ditadura de partido único como os bolcheviques estabeleceram.

Portanto em “Esquerda renovada”, Tarso Genro e Vinicius Wu não estão defendendo o abandono da luta pelo socialismo, mas afirmando aquilo que somente os esquerdistas não querem enxergar: acabou-se os tempos das rupturas, o mundo não é mais o mesmo dos tempos do Manifesto Comunista. A classe trabalhadora conquistou cidadania, o capitalismo se democratizou, e o caminho para o socialismo é processual. Muito antes dos "eurocomunistas", a social-democracia pré-bolchevique já havia enxergado isso, até porque o próprio Engels, em 1895, na introdução à "Luta de Classes na França", reconheceu que os tempos das grandes revoluções tinha chegado ao fim, que era preciso rever aquilo que ele e Marx haviam escrito no Manifesto Comunista, em dezembro de 1847.

Mas as calunias desses esquerdistas não param nessa absurda tentativa de identificar Genro e Wu com o revisionismo de Bernstein. Eles escrevem: "reparem no trecho primeiramente citado; fala-se de “interesses concretos (...) dos grupos e classes sociais, para as quais o crescimento econômico e a distribuição [de] renda são uma necessidade ou uma exigência”.

A ausência de qualquer referência específica à classe trabalhadora, ou ainda às classes trabalhadoras, não pode, de maneira alguma, ser considerada por acaso. Essa omissão significa declarar uma opção política, ainda que processada inconscientemente. Afinal, é óbvio que crescimento econômico não é necessidade ou exigência apenas da classe trabalhadora; os capitalistas auferem muito mais lucros em momentos de crescimento, e um melhor nível de distribuição de renda aumenta a quantidade de pessoas com poder de consumo, sendo este necessário à própria realização cíclica de capital.(A esquerda reafirmada)"


Oras, se Tarso Genro e Vinicius Wu estão escrevendo um texto para discussão interna no PT, é obvio que ao falar em grupos e classes sociais estão falando nas classes trabalhadoras e seus aliados, o que inclui a pequena-burguesia e o campesinato. E como não estamos ainda em uma fase adiantada do processo de construção do socialismo, eles estão se referindo também a burguesia progressista que se opõe ao neo-liberalismo. Mas esses esquerdistas não querem isso, querem um texto ao estilo daquele escrito pelos psolistas, que fala em classes trabalhadoras e na construção do socialismo, como se estivessemos em uma conjuntura propicia a isso, e pior, como se ainda estivessemos no século XIX ou na Rússia semi-feudal de 1917, onde ainda era legitimo falar em rupturas. Esses dois estudantes esquerdistas deveriam perceber que a visão que defendem, não é mais a visão do socialismo no século XXI, portanto como não existe maquina do tempo, deveriam migrar para o PSTU, PCB, ou até mesmo para o PSOL, pois lá sim o tempo parou e esse discurso esquerdista ainda faz algum sentido.

O esquerdismo do PSOL e seus ataques caluniosos ao governo Lula

O PSOL - Partido Socialismo e Liberdade, nasceu há cinco anos atrás, reunindo dissidentes do PT e do PSTU. Reconhecendo que o bolchevismo cometeu erros, os psolistas construiram um partido sem a concepção autoritária do "centralismo democrático", garantindo dessa forma o pleno direito de tendências permanentes se organizarem em seu interior. Essa estrutura democrática garantiu o convivio de trotskistas, luxemburguistas, eurocomunistas e cristãos da Teologia da Libertação em um mesmo partido, unificando assim a esquerda socialista, sem sectarismos. Entretanto o partido não fez uma critica mais profunda ao bolchevismo, motivo pelo qual continua achando que o partido é o dono absoluto da verdade, e pior, continua promovendo a calunia contra aqueles que não se baseiam segundo a sua cartilha. Por isso os ataques ao governo Lula, ao PT e demais partidos da esquerda que apoiam o governo. Um desses ataques caluniosos é afirmar que o governo Lula é neo-liberal.

Oras, esse governo deteve o fetichismo privatista da era FHC, tanto que por exemplo, não privatizou o Banco do Brasil e a Caixa Economica Federal, como pretendia fazer o senhor Maílson da Nóbrega, quando ministro da Fazenda do governo FHC. Não privatizou Furnas, Eletrobras, e os Correios, como os tucanos e seus aliados democratas defendem. Nem mesmo a INFRAERO será privatizada, apesar de toda campanha em favor dessa privatização, ocorrida após a crise nos aeroportos.

"O ministro da Defesa, Nelson Jobim, descartou nesta quinta-feira, 14, a privatização da Infraero ao ser questionado sobre a proposta de cisão e privatização da estatal proposta por um estudo encomendado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

"O que está decidido exclusivamente é a Anac fazer uma formatação do processo de concessão de aeroportos que não é a privatização. O presidente da República já decidiu que faríamos a concessão de Viracopos, do Galeão e depois a concessão para a construção do novo aeroporto de São Paulo", declarou o ministro, após participar da missa de corpo presente do marechal Waldemar Levy Cardoso."
(Ministro Jobim descarta privatização da Infraero; O Estado de São Paulo On Line, 14 de maio de 2009)


O governo Lula também impediu que se realizasse a flexibilização dos direitos trabalhistas, como ameaçava fazer FHC, assim como mudou o paradigma das relações exteriores de nosso país, que antes era submissa ao imperialismo yankee. E mais, tem ampliado a participação do Estado na economia, o que vem promovendo o ataque raivoso dos neo-liberais.

Que o governo Lula possui graves erros, não assumindo um caráter de esquerda e até mesmo faltando com a ética na política, isso todos sabem. Agora com certeza não é neo-liberal. A promoção da calunia para difamar os adversários, prática tão comum do bolchevismo, é a prática dos psolistas, que presos a um sectarismo que perde apenas para o sectarismo insano das "seitas" trotskistas, limita sua política de alianças a uma dessas "seitas", ou seja, o PSTU, e aos comunistas do PCB. As excessões foram em Porto Alegre e Macapá, onde nas últimas eleições o PSOL se aliou ao PV e ao PSB respectivamente.

O governo Lula não é de esquerda, não porque os petistas e seus aliados(PSB, PDT, e PCdoB) assim o querem, mas sim pelo fato da esquerda não possuir condições de disputar da hegemonia na sociedade. Na conjuntura atual, a esquerda precisa se aliar ao centro e até mesmo a centro-direita, para promover uma política capaz de superar o modelo neo-liberal e assim resgatar o nacional-desenvolvimentismo. Tudo bem que os petistas exageram, não era necessário ampliar tanto a aliança, como fizeram ao se aliar aos conservadores do PP - Partido Progressista(herdeiros da ARENA), e do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro. O governo poderia assumir um perfil social democrata combativo, assumindo um perfil moderado de esquerda. Entretanto isso não justifica em hipótese alguma as acusações caluniosas que os psolistas fazem.

O governo Lula não é neo-liberal, é um governo de centro-esquerda moderado, que possui erros sim, mas que tem promovido a redução da miséria em nosso país, quer queira ou não os adeptos do esquerdismo, a doença infantil do comunismo.

Apesar de possuir pessoas esclarecidas em seus quadros, como os intelectuais eurocomunistas Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, e Milton Temer, além de bons parlamentares como Chico Alencar e Marcelo Freixo, o PSOL mais parece um PSTU com tendências, apesar de ser bem mais lucido e consequente do que essa "seita" trotskista.

Obs: o interessante é o PSOL se julgar o dono da ética na política, o porta voz exclusivo da moralidade. Se esquece entretanto do caso do senador Geraldo Mesquita Jr, que saiu do partido após ser acusado de cobrar uma espécie de "mensalinho" dos funcionários de seu gabinete. Defendido por Heloísa Helena, que agradeceu sua contribuição a construção do partido, Geraldo Mesquita Jr é hoje do PMDB.

Também se esquece que a ex-senadora Heloísa Helena também participava da farra das passagens aéreas do Senado. E pior, Heloísa Helena continuou usando a cota de passagens depois de deixar o cargo de senadora. Um dos passageiros que viajou, mais de uma vez, na cota de Heloísa Helena, foi seu filho Ian Carvalho.

Heloísa Helena disse que todos os voos foram legais. “Tenho consciência absolutamente tranqüila, pois tudo que foi feito está totalmente de acordo com a legalidade institucional vigente”.

E mais, reportagem publicada na edição de 19/04/2009, do jornal "O Estado de S. Paulo", informa que o delegado Protógenes Queiroz, da Operação Satiagraha, teria utilizado passagens aéreas da cota da deputada federal Luciana Genro (PSOL-RS) para participar de uma palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de um ato contra a corrupção, em Porto Alegre, em novembro, com a presença da ex-senadora Heloisa Helena (PSOL-AL).

O uso das cotas de passagens aéreas da Câmara e do Senado não é proibido ou ilegal, mas com certeza é imoral. Principalmente se usadas após não mais exercer o mandato. Cadê a coerência dos psolistas??? Se fazem passar de porta vozes exclusivos da moralidade, mas agem desse modo??? É a moral hipócrita dos bolcheviques, usada pelos psolistas.

Socialismo com liberdade e democracia

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês". (Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")

Em 1918, a revolucionária marxista Rosa Luxemburgo escreveu "A Revolução Russa", onde criticava os desvios autoritários que o bolchevismo promovia e alertava para suas consequencias. Resgatando o melhor do pensamento marxista, Rosa Luxemburgo deixou claro que ditadura do proletariado não é ausencia de democracia, mas sim a forma de imprementa-la em beneficio da classe trabalhadora, impedindo uma contra-revolução burguesa. Segundo o cientista social Michael Löwy, um dos mais importantes teóricos do marxismo na atualidade: "Constatando a impossibilidade, nas circunstâncias dramáticas da guerra civil e da intervenção estrangeira, de criar "como que por magia, a mais bela das democracias", Rosa não deixa de chamar a atenção para o perigo de um certo deslizamento autoritário e reafirma alguns princípios fundamentais da democracia revolucionária. É difícil não reconhecer o alcance profético desta advertência. Alguns anos mais tarde a burocracia apropriou-se da totalidade do poder, excluiu progressivamente os revolucionários de Outubro de 1917 - antes de, no correr dos anos 30, eliminá-los sem piedade." ( Michael Löwy; em "Rosa Luxemburgo: um comunismo para o século XXI")

Socialismo não é ditadura de partido único, não é totalitarismo, muito menos terrorismo de Estado. Como disse o filósofo marxista italiano Pietro Ingrao: "Lenin afirmava a construção violenta do Estado e do poder político, e não se tratava só de uma resposta revolucionária ao sangue do capitalismo. Era uma idéia errada, erradíssima, de abuso e de esmagamento, que também atingiria, cedo ou tarde, uma parte do movimento operário."(Pietro Ingrao; Em depoimento dado a Antonio Galdo, intitulado "Il compagno disarmato" [Milão, 2004])

Está certo o filósofo marxista Ruy Fausto, ao afirmar que: "Não que eu suponha uma simples continuidade entre bolchevismo e stalinismo. Mas afirmo sim que o totalitarismo stalinista é impensável sem o bolchevismo, e que há linhas reais de continuidade entre os dois". (EM TORNO DA PRÉ-HISTÓRIA INTELECTUAL DO TOTALITARISMO IGUALITARISTA)

Os bolcheviques estabeleceram a ditadura do partido comunista, um regime pré-totalitario que usando do terror desumano plantou as sementes que originaram o stalinismo, que promoveu um terror ainda mais desumano, igualando-se ao nazi-fascismo. A esquerda não pode continuar se fundamentando segundo essa tradição.

E mais, é preciso ter consciência das mudanças ocorridas desde aquela época, basta observar o fato dos trabalhadores terem conquistado cidadania plena, através da legalização dos partidos operários e dos sindicatos, da conquista do pleno direito de greve, da jornada de trabalho de 8 horas diárias, de férias remuneradas de trinta dias, do seguro desemprego, de salários decentes e condições de trabalho humanitarias, do voto secreto e universal, etc. Até mesmo as mulheres conquistaram cidadania, não somente através da conquista do direito de voto, mas também com a conquista da participação cada vez maior no mercado de trabalho, licença maternidade, legalização do divórcio, etc. Portanto é loucura ainda hoje falar em ditadura do proletariado, uma vez que o capitalismo se democratizou em virtude dessas conquistas que os trabalhadores, tanto homens como mulheres, obtiveram em virtude de sua organização e luta. A democracia é um valor universal, e a refundação do socialismo passa pelo reconhecimento dessa questão.

O historiador Jacob Gorender, afirmou praticamente o mesmo, em entrevista publicada na Teoria e Debate nº43: "o conceito de ditadura se presta a tantas confusões, que não vale a pena insistir nele".O cientista político Carlos Nelson Coutinho, um dos mais importantes intelectuais marxistas de nosso país, afirmou que "ditadura do proletariado foi um dos termos menos felizes de Marx", o que concordo plenamente. A democracia é um valor universal, a esquerda socialista precisa se conscientizar e assumir essa verdade.

"O melhor terreno para mudanças consistentes é o terreno da democracia. Em condições autoritárias, o objetivo fundamental da mudança passa a ser a própria democracia. Outras demandas, a luta pela igualdade social, por exemplo, ficam obscurecidas, subordinadas. Conquistada a democracia, trata-se de aprofunda-la, basicamente, em dois planos: no plano institucional, de aperfeiçoamento do jogo democrático, e no plano da conquista da igualdade, do progressivo desenvolvimento social em todos os níveis. A democracia é um valor estratégico, universal, meio e fim." (José Genoíno, deputado federal do PT/SP)

O socialismo precisa ser refundado, tendo por base a defesa da democracia como valor universal. A história nos mostrou que igualdade sem democracia é uma miragem. Sempre que a liberdade é sacrificada, privilégios velhos e novos ganham força. A igualdade é irmã gemêa da liberdade.

Homens como Alexander Dubcek, Salvador Allende, Enrico Berlinguer, Chico Mendes, e tantos outros, enriqueceram o campo da esquerda ao defender o socialismo com liberdade e democracia.

A refundação do socialismo exije o abandono de toda herança oriunda da tradição bolchevique, assim como a revisão do próprio pensamento marxista. A esquerda não pode ser dogmatica, até porque a história mostrou que é evidente a existência de inúmeros equívocos no próprio pensamento de Marx e de Engels, como inclusive demonstra o historiador Jacob Gorender em "Marxismo sem utopia".

"Marx era um determinista utópico. Queria algo que a realidade não confirmou. Previu que, com o avanço das forças produtivas, a humanidade gozaria de fartura plena. A produtividade não teria limites. Não é verdade. Apesar dos avanços tecnológicos, há o limite ecológico para a produtividade. Não se pode crescer a ponto de deteriorar o ambiente em que o homem vive. Isso Marx não pensou. Outra previsão equivocada foi a do desaparecimento do Estado. Como não haveria mais classes sociais na evolução marxista, então o Estado seria desnecessário. Haveria uma espécie de autogoverno das comunidades. Impossível. As sociedades necessitam do Estado, até porque há prioridades a definir. Que meios de transportes usar? Qual a produção industrial? Serviços de saúde, educação, quem vai decidir sobre isso? Só pode ser o Estado, democrático e de direito." (Jacob Gorender; em entrevista publicada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 19/02/2006)

Os socialistas defendiam até recentemente o fim do capitalismo, o que significava a abolição da propriedade privada dos meios de produção, distribuição e troca, com a estatização dessa propriedade em nome de sua socialização e a substituição do mercado por uma economia planificada. Entretanto a fracassada experiência do chamado "socialismo real", assim como o sucesso incontestável do "socialismo de mercado" na China e no Vietnã, demonstram claramente que a esquerda precisa repensar essa questão. Não que os socialistas devam renunciar a luta pelo fim do capitalismo e a favor da construção de uma sociedade mais humana, justa e igualitária. Mas é evidente que a propriedade privada e o mercado não podem ser abolidos, ao menos não da noite para o dia. Será um processo longo, onde o socialismo irá conviver com o mercado e com a propriedade privada por um bom tempo. É preciso seguir o exemplo bem sucedido do "socialismo de mercado", tanto que até mesmo os cubanos, apesar de faze-lo de forma extremamente timida, começam a promover reformas nesse sentido. Na Venezuela, apesar de todo discurso socialista do presidente Hugo Chávez, também não se pensa em estatizar toda propriedade dos meios de produção, distribuição e troca, mas apenas aqueles setores que são considerados estratégicos.

"O socialismo não pode, nem deve eliminar o mercado de imediato. Precisará conviver com o mercado e tirar proveito dele durante um tempo certamente longo. Só que, para ser compatível com o socialismo, precisará ser um mercado regulado, direcionado pelo planejamento do Estado e refreado no que se refere aos aspectos socialmente negativos." (Jacob Gorender; em Teoria e Debate nº 16)

Até mesmo o historiador Eric Hobsbawn, um dos maiores nomes do marxismo na Europa, reconhece a necessidade da existência do mercado no socialismo.

"Sigo na esquerda, sem dúvida com mais interesse em Marx do que em Lênin. Porque sejamos sinceros, o socialismo soviético fracassou. (...) A crise global que começou no ano passado é, para a economia de mercado, equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim em 1989. Por isso Marx segue me interessando. Como o capitalismo segue existindo, a análise marxista ainda é uma boa ferramenta para analisá-lo. Ao mesmo tempo, está claro que não só não é possível como não é desejável uma economia socialista sem mercado nem uma economia em geral sem Estado." (Eric Hobsbawn)

Como socialistas precisamos estar abertos aos novos paradigmas que a história nos coloca, abrindo mão do dogmatismo que havia transformado a filosofia marxista em uma espécie de religião. Precisamos ter coragem para refundar o socialismo, tendo por base uma ética humanista e uma profunda consciência democrática, pois afinal sabemos que sem liberdade, não pode existir socialismo.