quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Fora o castrismo! Viva Cuba democrática e socialista!!!



O cientista político Armando Boito, professor da Unicamp e importante nome da intelectualidade marxista, afirmou o seguinte em entrevista ao Jornal da Unicamp, edição nº 307:

"Quanto à questão da democracia, o que eu posso dizer é que o socialismo exige democracia, mas não a democracia parlamentar, comandada pela burocracia do Estado capitalista, e corrompida pelo poder do dinheiro. A democracia da qual o socialismo necessita é uma democracia de novo tipo que integre, de modo efetivo, sistemático e com direito à divergência e discussão, os trabalhadores, seus partidos e suas organizações de massa no processo de definição das grandes decisões políticas, econômicas e culturais."

Nas palavras de Armando Boito, "o socialismo exige democracia(...)uma democracia de novo tipo que integre, de modo efetivo, sistemático e com direito à divergência e discussão, os trabalhadores, seus partidos e suas organizações de massa no processo de definição das grandes decisões políticas, econômicas e culturais." Infelizmente a maior parte da esquerda parece não pensar assim, parece que não aprendeu nenhuma lição com o fracasso do chamado "socialismo real", uma vez que continua apoiando a ditadura castrista em Cuba, uma ditadura burocratica herdeira em todos os sentidos do finado "socialismo real".

Esses setores da esquerda vivem confundindo o apoio a Revolução Cubana com uma visão acritica, beata, de sacristia, desse processo revolucionário, que impede que sejam reconhecidos erros e que tais erros sejam criticados no intuito de serem corrigidos. Fidel Castro baseia seu regime no mesmo modelo autoritario que existia na antiga URSS e no Leste Europeu, ou seja, no leninismo(bolchevismo). E esses setores da esquerda continuam endeusando Fidel, insistindo na defesa de algo que a história já comprovou não ter sucesso.

O regime castrista é tão absurdo que chegou a perseguir os homossexuais no passado. Nas décadas de 60 e 70, declarar a homossexualidade em Cuba tornava a vida muito difícil para uma pessoa. Homossexualidade, assim como religião, era considerada "anti-revolucionária". Alguns homossexuais foram mandados para campos de trabalho forçado e outros fugiram do país. Felizmente isso mudou e hoje existe tolerância a homossexualidade por parte das autoridades comunistas de Cuba, assim como existe uma maior liberdade religiosa. Entretanto continua existindo o regime de partido unico, a prisão de opositores e até mesmo execuções sumárias.

O historiador marxista Jacob Gorender, um dos mais importantes intelectuais da esquerda brasileira, faz uma critica feroz ao leninismo(bolchevismo) em seu célebre "Marxismo sem utopia".

"O que deixei claro é que não se deve ter um modelo como o do Partido Bolchevique: uma direção de revolucionários profissionais apoiada numa rede de células, organizações e pessoas que não são profissionais, que estão na vida comum, e que se tornam militantes do partido. Esta concepção altamente centralizadora é indissociável do partido único, do autoritarismo e do arbítrio, como ocorreu na União Soviética. O partido único ditatorial já estava implícito na lógica do Partido Bolchevique desde o momento em que ele se propôs a tomada do poder. Rosa Luxemburgo percebeu isso, embora o dissesse de maneira muito simplificada. Da minha parte, militei em partidos inspirados por este modelo e vivi suas contradições.

O modelo bolchevique incorporou, em sua visão da ação política, um centralismo enorme, bem como a idéia de que poderia dirigir sozinho a sociedade. Tomemos, por exemplo, a questão da dissolução da assembléia constituinte na Revolução Russa: o problema não foi tê-la dissolvido, mas não se ter nenhuma proposta democrática alternativa. Os sovietes, desde a tomada do poder, passaram a ser uma correia de transmissão do partido e terminaram esvaziados. Em seguida, os sindicatos e as outras organizações de massa foram se tornando o que Lenin tinha em vista: correias de transmissão do partido único. Quando, em 1921, as tendências foram proibidas dentro do partido bolchevique, a idéia era de que isto seria temporário; mas o temporário se tornou permanente. Essas coisas práticas, mais do que as declarações, formam aquilo que chamo de modelo bolchevique. É isto que deve ser evitado."

(Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 43, onde fala sobre os temas abordados em "Marxismo sem utopia")


Ele também nos lembra que aquilo que existia no Leste Europeu, o chamado "socialismo real", nada tinha em comum com o verdadeiro marxismo.

"O chamado "socialismo real" não somente se desviou do marxismo, como se opôs frontalmente a ele." (Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 16)

E também deixa claro sua oposição ao regime de partido unico em Cuba.

"O regime ideal para Cuba não é o do partido único, como não o é para nenhum país socialista." (Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 16)

Assim como Armando Boito e Jacob Gorender, também acredito que só pode existir socialismo com democracia. Por isso me oponho aqueles que defendem acriticamente o regime castrista, confundindo a defesa da Revolução Cubana com a defesa do regime liderado por Fidel e seu irmão, Raul Castro.

Sou defensor de um socialismo renovado, um socialismo com liberdade e democracia, por isso me oponho a ditadura castrista em Cuba. Acredito que a esquerda precisa romper com a herança autoritaria do bolchevismo.

A esquerda precisa criticar o autoritarismo castrista, assim como também precisa defender a Revolução Cubana, defender o socialismo. Deve apoiar com todo empenho a Revolução Cubana, a sua luta contra o imperialismo, as suas conquistas sociais, sem contudo confundir isso com apoio a ditadura de partido unico existente em Cuba. Deve lutar por uma renovação do socialismo cubano, uma renovação que promova o estabelecimento de um Estado democrático e socialista de direito, com pluripartidarismo, sindicatos, imprensa e eleições livres, maior liberdade religiosa, etc. Cuba precisa se tornar uma democracia socialista, assim como Vietnã, Laos, China, e Coréia do Norte também precisam.

Para encerrar esse assunto sobre Cuba, vejam o que diz o cientista político Armando Boito, em entrevista ao Jornal da Unicamp, edição nº 307:

"Cuba, para mim, não é um país socialista. Trata-se de um poder popular, antiimperialista, cercado pelo imperialismo estadunidense e que merece a solidariedade ativa dos povos da América Latina. Mas o seu Estado, marcadamente burocrático, e seu regime político, de partido único, são indicadores seguros de que os trabalhadores não controlam a política e a economia do país.

Não há, no nível da economia, a unidade entre o produtor direto e os meios de produção, unidade que só pode haver se houver, no nível político, uma democracia de novo tipo(...). Para haver gestão coletiva e democrática da economia pelos próprios trabalhadores, isto é, para haver uma organização socialista da economia, é preciso que essa democracia de novo tipo funcione. Uma coisa não vai sem a outra: a socialização da economia exige a socialização do poder político.

Alguns companheiros afirmam que se Cuba abrisse o seu sistema partidário cairia nas mãos da burguesia reacionária exilada em Miami. Esse é de fato um perigo – que, de resto, não deixa de existir com o sistema de partido único."


Leia os textos abaixo e reflita:

Socialismo: pão ou liberdade?

Autores: Robério Paulino e Rose Naves - militantes do P-SOL - Partido Socialismo e Liberdade

Nossa admiração pela Revolução Cubana e a defesa incondicional que dela fazemos contra a agressão imperialista não pode ser confundida com apoio ao regime político antidemocrático de Fidel Castro, nem pode implicar silêncio perante seus atos repressivos, como a onda de prisões de dissidentes e execuções de fugitivos da ilha em 2003.

Desde já não creditamos qualquer direito aos cínicos assassinos imperialistas, como do governo de Bush ou da União Européia, para criticar Cuba ou falar de democracia e "direitos humanos", quando são eles os maiores tiranos a matar milhares diariamente, seja de fome, pelos seus bloqueios ou diretamente com suas bombas, como vimos no Iraque recentemente. A discussão e as críticas que fazemos neste texto vão no sentido oposto ao dos imperialistas, partem da necessidade de defesa do socialismo.

Como todo fenômeno que embute o contraditório, o processo revolucionário cubano expressa os grandes avanços e ao mesmo tempo a trágica degeneração em que infelizmente terminaram as primeiras experiências de construção do socialismo no século XX, das quais, em nossa opinião, a maior parte da esquerda socialista, apegada ao velho, nega-se até agora a tirar as lições necessárias.

A Revolução Cubana de 1959 e as demais revoluções anticapitalistas do século anterior tiveram o mérito histórico e inquestionável de, ao abolirem o capitalismo, assegurarem às massas de seus países avanços sociais consideráveis, como também abriram caminho ao proletariado mundial na trilha de construção do socialismo, fazendo avançar substancialmente a polarização entre trabalho e capital. Por isso, são nossas revoluções.

Por outro lado, sem que isso anule os elementos positivos, a degeneração posterior em regimes políticos burocráticos e ditatoriais, de repressão brutal contra qualquer dissidente, a exemplo dos regimes soviético e de Cuba, atualmente, contribuiu sobremaneira para desacreditar a causa socialista perante as massas trabalhadoras e a juventude nos países capitalistas e mesmo no Leste Europeu, como vimos na déblacle generalizada desse tipo de regime naquelas regiões.

Como Cuba seguiu o modelo do regime de "socialismo real" soviético, não se pode entender em absoluto o que acontece na ilha sem novamente lançar nosso olhar sobre o que se passou no Leste Europeu. A partir da Revolução Russa de 1917, se instala a primeira experiência socialista da história humana, dando origem a ex-URSS, que pelo seu poderio industrial, político e militar dividiu o mundo em dois, marcando a vida de todos países e as gerações no século passado.

Com a nacionalização e planificação da economia, não somente nas áreas de educação, saúde e habitação, deram-se grandes conquistas a favor das massas trabalhadoras. Também na economia e na ciência os saltos foram enormes. Prova disso foi o papel central que a ex-URSS jogou para derrotar a máquina de guerra nazista ou ainda sua saída na frente na corrida espacial. No início dos anos 90, entretanto, após sete décadas, todo o sistema soviético ruiu e hoje a maioria dos países do Leste Europeu vive um processo de restauração do capitalismo, e as conquistas da revolução retrocedem.

Vários foram os motivos que parecem ter contribuído para tal desfecho. A atrasada base material e cultural da qual se partiu, o isolamento da revolução e as constantes agressões imperialistas foram alguns desses elementos de caráter objetivo, que confirmaram a impossibilidade de construir o socialismo em um único país. Por exemplo, a agressão nazista custou à população soviética aproximadamente 25 milhões de mortos, cerca de metade de todas as vidas perdidas na Segunda Guerra Mundial.

Nenhum desses fatores, entretanto, impediu que o país, com na base na planificação socialista da econômica, crescesse velozmente até pelo menos o final da década dos anos 60. Mas aquelas condições extremas levaram, desde cedo, à degeneração burocrática e a um regime político totalitário, que em nome do socialismo, pisoteou os mais caros princípios socialistas. Um Estado burocrático hipertrofiado, dirigido por um partido único a defender os privilégios de seus membros, que em nome dos trabalhadores os substituiu e os reprimiu violentamente.

Mesmo liberdades políticas básicas, como o direito de livre deslocamento, opinião e organização, conquistadas a duras penas contra a burguesia dentro de sociedades capitalistas foram negadas. Com o pretexto de defesa do socialismo contra a agressão externa, instalou-se um regime de terror e medo permanente, de brutalidade similar à brutalidade capitalista. Todo dissidente era imediatamente acusado de agente do imperialismo e massacrado.

O caráter do regime político e a rejeição a ele por parte da população soviética parecem ter sido os elementos fundamentais para o colapso da ex-URSS. São muitas as evidências de que a falta de liberdade, a repressão indiscriminada e os assassinatos massivos de dissidentes, mesmo quando genuínos amantes da causa socialista, debilitaram em muito suas potencialidades econômicas, sociais e morais. O bloqueio sistemático de informações teve um papel decisivo para a decadência econômica do país nas últimas décadas, deixando o país para trás na revolução da informática que varreu o mundo a partir dos anos 70. De uma trava relativa na primeira fase ascendente, o regime ditatorial passou a ser um freio absoluto ao desenvolvimento posterior da sociedade.

A cínica propaganda imperialista não deixou de aproveitar as contradições do novo Estado. Apesar de que tanto o imperialismo norte-americano como os europeus foram os maiores fomentadores de guerras, massacres e ditaduras. O imperialismo utilizou sistematicamente o caráter ditatorial do regime soviético e dos estados que posteriormente se assemelharam a ele para identificar socialismo com totalitarismo e falta de liberdade, em oposição às suas sociedades "democráticas". Inquestionavelmente, na consciência coletiva dos setores de massa, essa guerra ideológica, nós, socialistas, perdemos.

Os processos de Moscou, onde dissidentes das próprias fileiras socialistas eram falsamente acusados, julgados e sentenciados à morte, não foram invenções da mídia capitalista. Seja pela intensa propaganda imperialista, mas também pelo que as massas viam no campo soviético, uma das marcas distintivas que ficou no imaginário popular dos países capitalistas nesse período foi que, enquanto o capitalismo estava identificado com desigualdade e injustiça social, mas com alguma liberdade, o socialismo ficou associado com igualdade social, mas acompanhado de totalitarismo. Logo, as enormes conquistas sociais das revoluções foram ofuscadas pelo aspecto brutal de seus regimes.

Sem entender esta marca distintiva do século passado e revolucionar suas concepções, será difícil que o movimento socialista consiga ganhar corações e mentes e virar novamente o jogo contra o capital por um bom tempo. Dizemos todo dia que o capitalismo é selvagem e desumano. Mas infelizmente, as experiências socialistas até nosso tempo, apesar dos avanços sociais, não se mostraram menos desumanas e menos brutais no terreno das relações políticas.

Não negamos as especificidades do processo cubano, mas ninguém questiona que os países surgidos de revoluções anticapitalistas depois da Segunda Guerra, como China, Vietnã, Coréia do Norte e também Cuba, no marco da extrema polarização da Guerra Fria, adotaram o modelo soviético, de partido comunista único, fusão com o Estado, transferência do poder de fato dos trabalhadores para as instâncias do partido, culto à personalidade, monolitismo político e repressão a qualquer dissidência, justificado com o axioma estalinista da necessidade de unidade contra a agressão imperialista, mesmo quando a situação permitia um grau maior de democracia interna. Estas foram características indiscutíveis do chamado "campo socialista", do qual o regime cubano é remanescente, agora sem poder contar com a ajuda da ex-URSS.

Como já dissemos, isso não nega os avanços sociais. Contrastando com a miséria reinante em muitos países latino-americanos, os méritos e as conquistas da revolução cubana são inquestionáveis. Em menos de duas décadas praticamente acabou-se com o analfabetismo, flagelo até hoje existente no Brasil. O sistema educacional assegura educação pública até o nível superior. O desenvolvimento na área de saúde é dos mais avançados, como reconhece a ONU, sendo referenciado nas áreas de vacinas e doenças especiais; médicos cubanos atuam em todo mundo, especialmente ajudando as populações pobres africanas.

Ainda que existam problemas na área habitacional, a questão da moradia foi enfrentada já na década de 60 com a construção, por meio de brigadas deslocadas das empresas, de dezenas de milhares de residências; os aluguéis são subsidiados. Nos esportes, a repetida segunda colocação de Cuba no quadro de medalhas dos Jogos Pan- Americanos, atrás apenas dos EUA, também expressa esses avanços.

Não menos importante é o significado político de que um pequeno país, a poucas milhas de distância dos EUA, tenha desafiado a mais poderosa potência capitalista e mostrado que é possível manter sua soberania nacional.

Em contradição com esses avanços, o aspecto coercitivo de regime é atestado pela onda de repressão ocorrida em abril de 2003. Em um rito quase sumário, de menos de 20 dias, o regime cubano prendeu 75 dissidentes e os sentenciou a penas de seis meses a 27 anos, todos acusados de conspirar com o representante americano em Cuba, James Cason. A imprensa, inclusive a cubana, foi impedida de acompanhar os julgamentos. Além disso, três homens que seqüestraram um barco e tentaram fugir para a Flórida foram executados, apenas duas semanas após serem presos. Mesmo dentro do capitalismo não se condenam seqüestradores à morte, especialmente se não houve mortes, e os prazos de defesa em geral são maiores.

Condenando as prisões, José Saramago rompeu com o regime cubano e declarou: "Não se entende como, se houve conspiração, o encarregado do escritório de interesses dos EUA em Havana ainda não tenha sido expulso" (1). Em relação às execuções, nenhum argumento de defesa do socialismo pode justificar tal brutalidade. Nos parece mais que tenha sido um exemplo intimidador aos milhares de cubanos que, insatisfeitos com o aumento das dificuldades materiais, tentam fugir, podendo levar o regime a perder o controle. Não são burgueses os que estão fugindo, estes foram embora até 1962. São cidadãos comuns que fogem muitas vezes para trabalhar nos EUA e enviar dinheiro às famílias em dificuldades, como muitos já o fazem. Tanto é assim que a guarda costeira norte-americana, ao interceptá-los, os reenvia de volta a Cuba, onde são presos.

O desenlace do processo cubano estará cruzado pelo choque de elementos contraditórios: uma formação social muito progressiva por suas conquistas sociais oriundas dos elementos socialistas de sua gênese, mas dirigida por uma ditadura burocrática anacrônica e obsoleta, que quita do povo cubano as liberdades de deslocamento, livre opinião, crítica e organização, que, pelo medo e pela repressão, mina as forças criadoras da sociedade cubana, pondo em risco suas conquistas revolucionárias e abrindo espaço para a restauração capitalista, como já provou o processo soviético. Os elementos de capitalismo que o regime de Fidel Castro vem introduzindo na economia não dizem outra coisa.

É um grave erro acreditar que criticar os aspectos negativos de regimes como o cubano é fazer o jogo do capital ou de sua mídia. Com este argumento se assassinaram milhares de socialistas honestos na ex-URSS. Felizmente, tal argumento foi enterrado com o estalinismo no Leste Europeu, pois é desonesto, falacioso e nenhuma mentira sobrevive para sempre. Assim como defendemos o povo cubano contra a agressão imperialista, é nosso dever condenar categoricamente tais atos repressivos. Eles sim fornecem argumentos aos propagandistas do capital. Além disso, tais barbaridades se deram enquanto milhões estávamos nas ruas para impedir a agressão imperialista ao Iraque.

Como indiscutivelmente grande parte dos cubanos ainda apóia Fidel Castro, os defensores do regime cubano usam o argumento da grande participação em manifestações. Mas esquecem que manifestações multitudinárias também tomavam as cidades da ex-URSS. Além do que é temerário faltar a uma convocação oficial para uma manifestação em um país onde quase todas as empresas e empregos são públicos e controladas pelo partido. Ademais, se há apoio ao regime, por que este tem que impedir brutalmente a saída de tantos fugitivos? Um país socialista não pode ser uma prisão. Muros, como o de Berlim, já não funcionam.

O que a experiência cubana e a soviética suscitam é uma discussão sobre nossa concepção de socialismo e sua relação com a democracia e com a liberdade. Os capitalistas, dentro de sua limitada democracia, têm que aceitar, a exemplo do Brasil, a existência e legalidade inclusive de partidos comunistas, como também de religiões diversas. Por que num país que se pretende socialista deve existir um único partido? Por que não se pode tolerar as diferenças, o direito das minorias que estão no campo da revolução de existir e de criticar o regime?

Mesmo na democracia capitalista, dentro dos limites dos interesses do capital, a imprensa pode criticar duramente seus governos, como os de Nixon e Clinton. Por que em Cuba, sequer a imprensa que defende o regime pode acompanhar e dar publicidade aos julgamentos dos opositores? Poucos meses antes de ser assassinada, alertando sobre os perigos que ameaçavam a Revolução Russa, Rosa de Luxemburgo escreveu: "...sem liberdade ilimitada de imprensa, sem possibilidade de se associar e de se reunir, a dominação de vastas camadas populares é totalmente impensável" (2).

Tampouco a necessidade de uma ditadura de classe para enfrentar o capital pode ser justificativa para regimes de exceção permanente. Em toda a história humana, as classes dominantes sempre usaram da violência para defender seus privilégios. Os patrícios de Roma, os barões feudais, os gentlemem ingleses, os escravistas, todos derramaram rios de sangue contra aqueles que os enfrentaram. Por isso, para assegurar seu poder e defender os interesses da maioria, as classes trabalhadoras têm todo o direito de usar a ditadura contra as classes reacionárias minoritárias. Mas este não pode ser mais que um regime curto e transitório até que o poder esteja consolidado. Não pode ser uma ditadura permanente sobre a maioria, como se deu na ex-URSS, mas sim a ditadura da imensa maioria, para a qual deve existir ampla democracia. No texto sobre a Revolução Russa, Rosa alertava:

"A democracia socialista começa com a destruição da dominação de classe e a construção do socialismo. ... Ela nada mais é que a ditadura do proletariado. Perfeitamente: ditadura! Mas esta ditadura consiste na maneira de aplicar a democracia, não na sua supressão. ... esta ditadura precisa ser obra da classe e não de uma pequena minoria que dirige em nome da classe..." (3).

Não estamos falando aqui da democracia eleitoral e parlamentar, que pedem os capitalistas. Essa é apenas uma ilusão em uma urna. Antes de tudo, o que o capitalismo nega é a democracia social, o direito de comer, de viver. Mesmo no aspecto formal, sabemos das severas restrições da democracia burguesa. Entretanto, à limitada "democracia" capitalista o socialismo não pode contrapor a ditadura do partido único, a perseguição aos críticos, a supressão da liberdade e o culto à personalidade, que tenta transformar homens em deuses, mesmo quando esses não passam de ditadores sanguinários, como Stalin.

A democracia socialista da qual falamos é aquela que não nega as liberdades coletivas e individuais conquistadas a duras penas no capitalismo, pelo contrário, precisa ampliá-las e, como dizia Lênin, pode ser dez vezes mais democrática que o regime do capital. Deve pressupor, além do direito dos "produtores livres" - na acepção marxiana - de decidir e controlar o que produz e se faz no país, os mais amplos direitos de opinião e crítica, de livre e completa informação, de deslocamento, de organização em distintos partidos ou organizações sociais autônomas, como condição de progresso para a grande maioria. A democracia não é um perigo, não debilita, mas fortalece o socialismo. Antes da coerção, o socialismo deve-se afirmar pelo convencimento, pelo esclarecimento.

Sabemos do fascínio exercido pela Revolução Cubana para toda uma geração e entendemos que, entre os que ainda hoje defendem o regime de Fidel Castro, existem honestos socialistas, que acreditam dessa forma estar defendendo a revolução do imperialismo. Assim como denunciamos o bloqueio, nos somaríamos a eles para defender incondicionalmente Cuba de uma agressão imperialista direta. Apoiar o senil regime cubano, entretanto, é um equívoco.

A melhor defesa que fazemos da Revolução Cubana é nos distanciando ideologicamente dela, exigindo uma verdadeira democracia socialista naquele país e, principalmente, estimulando as lutas contra o imperialismo nos demais países.

Só será possível ganhar novamente as massas aprendendo com os equívocos do século XX, construindo uma visão radicalmente nova e democrática de socialismo, que deixe para trás toda brutalidade e intolerância para com as diferenças, que à igualdade unam-se a mais ampla liberdade, o respeito e a humanidade. Apesar dos tropeços, temos o direito de continuar sonhando. O socialismo não pode ser somente pão. Será pão e liberdade ou não será.


(1) José Saramago, Folha de S. Paulo, 16 de abril de 2003

(2) Rosa de Luxemburgo, A Revolução Russa ( Petrópolis, Vozes, 1991), p. 90.

(3) Idem, ibidem, p. 96.


As prisões de Cuba
Pietro Ingrao - Abril 2003

As notícias que chegam de Cuba são alarmantes e não permitem o silêncio. Em 3 de abril, ocorreram em diversos lugares da ilha processos contra 78 "dissidentes" ou — para usar palavras mais diretas — opositores do regime castrista. Somando as várias condenações infligidas a estes opositores, chega-se a centenas e centenas de anos de cárcere. São cifras espantosas. E, no caso destes processos, falar de rito sumário é um eufemismo um pouco ridículo.

Também não podemos nos enganar: é impossível que, nestes verdadeiros processos-relâmpago, tenham sido garantidos direitos de defesa elementares e tenha havido aquela prudência elementar, necessária, que, no entanto, é o tempero obrigatório quando se decide sobre a liberdade ou o encarceramento dos indivíduos e dos grupos.

Eram os acusados opositores do regime castrista e até — usemos a palavra forte — conspiravam contra o regime? E o que mais podiam fazer, visto que em Cuba faltam direitos essenciais de palavra, de organização, de luta política pública e reconhecida? E isso ainda hoje, quarenta anos depois da insurreição armada e da emergência revolucionária. E, além disso, onde está escrito que, até mesmo aos conspiradores algemados — quando não estão em condições de causar danos —, não devam ser concedidos elementares direitos e instrumentos de defesa? A justiça — esta palavra tão nobre e solene — carece, como do pão, do contraditório público e prolongado. Sem isso, o recinto do tribunal se torna uma farsa, um engano feroz.

Ainda no início de abril — numa conexão alucinante —, realizou-se em Cuba um outro processo, que levou à condenação à morte de três jovens que haviam seqüestrado uma balsa para alcançar o litoral dos Estados Unidos. Quem escreve aprendeu, em sua vida, a odiar a condenação à morte — este assombroso poder de matar aquele que já está algemado e confinado nas paredes de um cárcere. Mas aquela condenação à morte que se consuma e se realiza quase como um raio, e não permite apelação, e recusa até um momento de hesitação na hora de matar o indefeso — é verdadeiramente algo repugnante. E é enganosa: tem-se a ilusão de cancelar, com a mão do carrasco, os problemas políticos e humanos que não se sabe resolver.

Dir-se-á: tudo isso é necessário a Fidel para se proteger dos complôs americanos. Eu receio, ao contrário, que isso ajude Bush a dizer: vejam como é indispensável a superpotência americana...

Este é o quadro amargo. Eu não esqueço aquilo que, da insurreição cubana, veio como esperança e símbolo para um terceiro mundo sufocado pelo imperialismo e até para a difícil luta da esquerda anticapitalista no Ocidente avançado. Embora, pessoalmente, tenha tido dúvidas, muitas, realmente muitas — desde o início —, naquela segunda metade do século XX, quando pusemos o retrato do "Che" sobre um móvel da casa e cantamos nas manifestações a canção inesquecível. E acredito perceber, compreender o quanto ainda hoje Cuba represente uma esperança: antes de mais nada, para o continente centro-americano em busca de resgate, e também para outros lugares. Tanto mais agora, quando a superpotência americana proclamou — diante do mundo — o advento da era da "guerra preventiva".

Mas, se a questão agora é esta — como se vê na prática —, menos ainda podemos ter a ilusão de superar tal desafio com processos sumários e fuzilamentos fulminantes. Sinto repulsa por aqueles novíssimos cárceres de Guantânamo, nos quais não mais existe sequer a proteção, o recolhimento em si mesmo que a escuridão da cela propicia. Mas como posso combater as alucinações de Guantânamo se recorro à pena capital contra fugitivos recapturados e já com os pulsos algemados?

A batalha contra Bush e contra a doutrina da "guerra preventiva" pede outros caminhos: novos e diferentes. E se nutre de pacifismo, não de cárceres e algemas até absurdas, e de carrascos manchados de sangue.

Um intelectual, grande amigo de Cuba — o Nobel Saramago —, declarou a sua discordância. É uma escolha que reclama a coragem da verdade, e só Deus sabe se é preciso coragem diante dos desafios abertos no mundo.

Autor: Pietro Ingrao, figura histórica do comunismo italiano, escreveu este texto para Il Manifesto , 15 abr. 2003. Um dos seus livros está disponível em português — As massas e o poder (Trad. Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980) — e é momento fundamental da reflexão sobre democracia política e socialismo.

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