quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Tropa de elite: denúncia ou estetização da violência?



Tropa de elite: denúncia ou estetização da violência?
Julian Rodrigues*

Pra começar, uma constatação: Tropa de elite, o filme, é um fenômeno. Senão por suas qualidades estéticas, pelo menos pelo impacto que causou no morno cenário de cinema nacional. O filme se transformou em fato social, mesmo antes estrear nas telonas. No mínimo, rende um bom debate sobre direito autoral, "marketing viral", cultura de massa, novas tecnologias, financiamento da produção cultural, acesso...

Outra coisa: o filme é bom. Excelente fotografia, interpretações fortes (destaque para o show de Wagner Moura), roteiro impactante. No mais, o filme tem o mérito de fazer o cinema nacional voltar a ter alguma relevância, provocando debates acalorados e servindo de veículo para a discussão de temas fundamentais.

Do ponto de vista da esquerda ou dos militantes pelos direitos humanos o filme serve para mostrar a face dura e cruel do "combate ao crime organizado". Nada mais, nada menos do que a denúncia de que tortura institucionalizada e as execuções sumárias são absolutamente banais no cotidiano da ação policial.

Mais do que isso: para nós, petistas, socialistas, militantes de esquerda, que pensamos conhecer as mazelas dos mecanismos de repressão estatal e da corrupção enraizada, o filme é uma verdadeira aula. Exibir os detalhes da corrupção e dos mecanismos de funcionamento da verdadeira simbiose entre polícia e crime já justificariam, por si só, o filme.

Todavia, Tropa de Elite causa mal-estar. Ao optar por construir a narrativa sob a perspectiva do capitão Nascimento, o incorruptível e assassino comandante do BOPE, o diretor José Padilha abriu uma brecha para que o conservadorismo se apropriasse do filme e enxergasse ali –nas práticas de execução sumária e tortura –um caminho para o combate eficaz ao narcotráfico.

Pior: ao dar espaço para a tese conservadora de que a culpa pela violência na periferia é dos milhões de consumidores de drogas "ilícitas", o filme compactua com um ponto de vista caro, por exemplo, ao Cesar Maia (DEM-RJ) e a toda a direita que enxerga o problema apenas pela ótica da repressão e não da desigualdade social, da falta de emprego, da ausência de Estado nas favelas.

A questão do narcotráfico e da conflagração social armada nas periferias urbanas são por demais complexas para serem reduzidas a uma condenação moral dos jovens de classe média que fumam maconha.

Primeiro, porque o tráfico só tomou a dimensão atual porque foram décadas de produção de miseráveis pelo modelo de desenvolvimento capitalista adotado no Brasil. Décadas onde se concentrou renda e se abandonou a idéia de políticas públicas integrais e universalizantes: saúde, educação, transporte, previdência.

Segundo, porque o proibicionismo é um discurso moralista e hipócrita que só serve aos milionários narcotraficantes. Não serve aos jovens negros da periferia que estão engolidos por esse sistema por falta de opção.

Afinal, se a pinga é legal, por que a maconha não o é? Se beber uma dose de uísque é sinal de status porque cheirar uma carreira de pó é sinônimo de degradação? Por que o lexotan é vendido em farmácia e as pílulas de ecstasy proibidas?

O capitalismo prefere colocar algumas substâncias no mercado informal porque assim tem lucros maiores e fugir da tributação. E, depois, opera toda uma engrenagem para respaldar social e juridicamente a prescrição de algumas drogas, enquanto lucra no mercado formal com outras. Do ponto de vista da saúde pública, o tabagismo e o alcoolismo causam estragos muito maiores que outras drogas. No entanto, cigarro (agora menos) e o álcool são drogas legais, cujo consumo é tolerado e incentivado pela mídia. Se existe demanda, existirá oferta. O resto é moralismo e cinismo...

Voltando ao filme: alguns setores da sociedade vibram com a tortura e com as execuções sumárias. Um belo exemplo é Luciano Huck, freqüentador da Ilha de Caras, que turbina seu Ibope exibindo mazelas , chamando pelo capitão Nascimento em pleno jornal dos Frias. Motivo nobre: teve seu rolex roubado nos Jardins!

Ao mesmo tempo, críticos rotulam o filme de fascista, ou, no mínimo, de direita porque estetiza os assassinatos e acaba por justificar as práticas do BOPE ao vender a idéia de que policial bom é policial assassino/torturador, porém honesto. Ou ao vender a idéia de que todos policiais do BOPE são incorruptíveis: uma ilha de virtuosos, mesmo que brutalizados. Afinal, tudo se justifica em uma guerra...

A violência urbana, a execução de milhares de jovens (a maioria negros), a degradação das condições de vida nas favelas são problemas cruciais, que precisam ser enfrentados. Um debate sobre essas questões é sempre salutar. Tropa de Elite tem o mérito de tocar nessa ferida.


*Julian Rodrigues é membro do Diretório Estadual do PT-SP e do setorial nacional GLBT do PT.

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