quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O AI-5

Autor: Lúcio Flávio Pinto - editor do Jornal Pessoal, de Belém

O Ato Institucional nº 5 completou 39 anos no dia 13 de dezembro último. É importante nunca deixar a data passar em branco. Foi um dos acontecimentos mais tristes e desgastantes da história republicana brasileira. É preciso renovar suas terríveis lições. O AI-5 transformou o governo estabelecido pelo golpe militar de 1964 num monstro. Até então ele fora uma criatura híbrida, que tentava conciliar seus pruridos legalistas com seus instrumentos de força. Depois dele, o que ficou para trás se tornou um paraíso democrático.

Os defensores do AI-5, inclusive — e sobretudo — os que o subscreveram, como o coronel Jarbas Passarinho, alegaram em sua defesa que ele se tornou necessário porque a esquerda já estava na luta armada. A cronologia a respeito é controversa. Admita-se, porém, que a esquerda tenha pegado primeiro na arma para combater o governo militar, que ocupou ilegalmente o poder. Os mecanismos de exceção à disposição do governo lhe permitiam imobilizar os adversários sem derrapar para a barbárie total do AI-5. Se ele foi concebido como remédio, seu efeito foi muito pior do que o problema para o qual foi receitado.

Uma das mais brilhantes gerações brasileiras, incapaz de aceitar a barbárie, procurou uma forma de expressar sua ânsia de liberdade. Um dos canais foi um espetáculo musical-teatral de protesto típico desse período. Começou com Opinião, prosseguiu com Liberdade, Liberdade e alcançou seu apogeu com Arena Conta Zumbi e Morte e Vida Severina, pulsações de uma criatividade como poucas vezes houve no país, uma concentração de talentos nunca mais reeditada em tal proporção. Ao invés de reconhecer a legitimidade da reação através da inteligência, o governo a reprimiu como um possesso. Até hoje os efeitos dessa repressão ainda se manifestam.

Uma década depois da edição do AI-5 não havia mais esquerda armada no Brasil, mas os atos de violência de direita, que culminaram na tentativa de executar o maior atentado terrorista no país, contra o espetáculo no Riocentro, em 1981, recrudesceram. O objetivo era impedir a redemocratização, desejo de quase todo o país, inclusive de grupos que ajudaram a implantar o regime militar, que acabaram convergindo na campanha pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente da República.

O AI-5 foi uma das piores criaturas da história do Brasil. Quem a defende passa a se assemelhar a esse monstro. Ambos devem ser repudiados para que nunca mais esse lamentável episódio se repita.

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