quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A critica de Rosa Luxemburgo ao bolchevismo



"Se sem democracia não há socialismo, tampouco há democracia plena e consolidada sem socialismo, ou seja, sem a superação da sociedade de classes, fundada na exploração e na alienação. O socialismo não é um abstrato "conjunto de valores" que orientaria a utópica tarefa de "melhorar" o capitalismo: o socialismo — ou, mais precisamente, o comunismo — é uma nova e inédita ordem social, na qual, "no lugar da velha sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classe, surge uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é pressuposto para o livre desenvolvimento de todos". De resto, continuo convencido de que o necessário reexame da herança do "leninismo" e do bolchevismo não deve se confundir de nenhum modo com o abandono do marxismo, confusão e abandono, infelizmente, também hoje em moda." (Carlos Nelson Coutinho; in "Contra a corrente")

A esquerda precisa fazer um reexame da herança do bolchevismo, abandonando a visão acritica que impede o reconhecimento dos graves erros desse modelo, erros que acabaram por gerar o totalitarismo stalinista.

O bolchevismo ou leninismo foi o grande responsável pelo surgimento da bestialidade stalinista, uma vez que não defende a ditadura do proletariado conforme haviam estabelecido Marx e Engels, e sim a ditadura de uma "elite de revolucionários profissionais", que se julga a "vanguarda" do proletariado, ou seja, defende a ditadura do Partido Comunista.

Segundo Marx e Engels, em toda a história humana as classes dominantes sempre usaram da violência para defender seus privilégios. Os patrícios de Roma, os barões feudais, os gentlemem ingleses, os escravistas, todos derramaram rios de sangue contra aqueles que os enfrentaram. Por isso, para assegurar seu poder e defender os interesses da maioria, as classes trabalhadoras têm todo o direito de usar a ditadura contra as classes reacionárias minoritárias. Mas este não pode ser mais que um regime curto e transitório até que o poder esteja consolidado. Não pode ser uma ditadura permanente sobre a maioria, como se deu na ex-URSS, mas sim a ditadura da imensa maioria, para a qual deve existir ampla democracia. E como afirmou Rosa Luxemburgo, "esta ditadura precisa ser obra da classe e não de uma pequena minoria que dirige em nome da classe..." (Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")

A ditadura defendida por Lenin e pelos bolcheviques se fundamenta nas concepções blanquistas e não na filosofia marxista. Vinculava-se no século XIX a Louis-August Blanqui, conspirador revolucionário francês, o segmento do proletariado que entendia como necessária a conquista do poder político por uma minoria decidida, que, conduzindo a massa mediante sua experiência e atividade, poderia manter o poder através duma estreita centralização. A doutrina bolchevique da minoria revolucionária, da ditadura de partido único, é portanto uma clara influência do blanquismo.

A ditadura bolchevique, ou seja, a ditadura do Partido Comunista, acaba originando um regime extremamente autoritario, assim como uma economia burocratizada, estruturas que possibilitam o surgimento de regimes totalitarios como o stalinismo e o maoismo, que acabaram degenerando o socialismo a um extremo tão grande que acabou se assemelhando ao nazi-fascismo em muitos aspectos.

A revolucionária marxista Rosa Luxemburgo(que já havia criticado Lenin em seu clássico "Questões de orgnização da social-democracia russa" , escrito em 1904), mesmo apoiando a Revolução Bolchevique, que derrubou o governo provisório e introduziu o socialismo na Rússia, não se deixou levar por uma visão acritica, beata, de sacristia, e manteve sua posição critica contra Lenin e contra o bolchevismo, alertando para os riscos que representaria para o futuro da revolução, a manutenção da ditadura bolchevique de partido unico.

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês [...]".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


Rosa foi profetica e seis anos após escrever o clássico "A Revolução Russa", Josef Stalin ascendia a liderança de um governo que não contava com nenhuma participação popular. O povo e as próprias bases do PCUS - Partido Comunista da URSS, apenas diziam amém para as decisões tomadas pelo Comitê Central, ou seja, pela burocracia do partido. Tanto é verdade que a carta de Lenin ao XIII Congresso do PCUS, onde fazia criticas a Stalin e a Trotsky, jamais chegou ao conhecimento dos delegados desse congresso ou das bases do partido, muito menos ao conhecimento do povo soviético. Quem mandava era o Comitê Central, e depois da ascenção de Stalin, quem mandava era o secretário geral do partido. A história portanto confirmou a critica de Rosa Luxemburgo, que se fundamentava em Marx e Engels, ao contrário de Lenin, que mesmo sendo marxista, se fundamentava claramente em Blanqui ao conceber o modelo bolchevique.

A esquerda precisa romper com a herança leninista, precisa resgatar a critica de Rosa Luxemburgo aos deslizes autoritarios que deturparam o marxismo, precisa resgatar a sua firme convicção na defesa da democracia socialista. Não é possível socialismo sem democracia, assim como só é possível uma democracia plena com socialismo.

"O sistema social socialista não deve e não pode ser senão um produto histórico, nascido da própria escola da experiência, nascido na hora da sua realização, resultando do fazer-se da história viva que, exatamente como a natureza orgânica, da qual faz parte em última análise, tem o belo hábito de produzir sempre , junto com uma necessidade social real, os meios de satisfazê-la, ao mesmo tempo que a tarefa a realizar, a sua solução. E assim sendo, é claro que o socialismo, por sua própria natureza, não pode ser outorgado nem introduzido por decreto... Só a experiência é capaz de corrigir e de abrir novos caminhos. Apenas uma vida fervilhante e sem entraves chega a mil formas novas, improvisações, mantém a força criadora, corrige ela mesma todos os seus erros. Se a vida pública dos Estados de liberdade limitada é tão medíocre, tão miserável, tão esquemática, tão infecunda, é justamente porque, excluindo a democracia, ela obstrui a fonte viva de toda riqueza e de progresso intelectual".

(Rosa Luxemburgo; em "A revolução russa")



EU RECOMENDO A LEITURA DOS LIVROS ABAIXO:

Questão de Organização da Social-Democracia Russa; de Rosa Luxemburgo. Escrito em 1904.

A Revolução Russa; de Rosa Luxemburgo. Escrito em 1918.

Rosa Luxemburgo - Os Dilemas da Ação Revolucionária; de Isabel Maria Loureiro. Editora Unesp, Editora Fundação Perseu Abramo e Fundação Rosa Luxemburgo. 2003, 346 páginas

Nenhum comentário: