quinta-feira, 22 de outubro de 2009

REVOLUÇÃO RUSSA



A Rússia do tempo dos czares era um país semi-feudal, onde 80% da população era constituida por camponeses, que viviam em estado de extrema pobreza, assim como os trabalhadores das cidades. Enquanto isso, a nobreza e a burguesia vivia na extrema riqueza, e os czares eram autocratas, governando como monarcas absolutistas. E isso em pleno século XX.

"O czar era considerado dono de toda a Rússia, e todos os seus súditos deviam servi-lo. Não bastasse isso, havia um argumento religioso para justificar a autoridade do czar, e o poder deste era considerado sagrado. Como não existia separação entre Igreja e Estado, os sacerdotes da Igreja Ortodoxa (a religião oficial) eram pagos com o dinheiro dos impostos. Ou seja, dinheiro que em grande parte vinha do trabalho dos camponeses e operários.

Como se vê, o czar tinha mais em comum com os antigos reis absolutistas (como Luís XIV) do que com os soberanos das monarquias parlamentares (como a que existe hoje na Inglaterra). Apesar disso, ele era muito popular. O povo, mesmo quando se rebelava, punha a culpa dos problemas do país nos nobres, nos ministros, nos funcionários públicos, nos latifundiários ou (com muita freqüência, sendo nisso apoiados pela propaganda oficial) até nos judeus. A figura do czar era sempre poupada, pois se achava que ele era bondoso e que seus assessores não o deixavam saber da verdadeira situação."

(Tulio Vilela; em "Domingo sangrento, bolcheviques e mencheviques)


Se não bastasse isso, em 9 de janeiro de 1905, uma manifestação pacífica organizada por um padre ortodoxo, foi brutalmente reprimida pela Guarda Imperial. Os manifestantes carregavam imagens religiosas e cantavam "Deus salve o Czar", exigindo melhores salários e redução da jornada de trabalho. Foram massacrados pelos soldados czaristas, no que ficou conhecido como "Domingo Sangrento". E além disso, o exército e a marinha da Rússia estavam condenados ao atraso, motivo pelo qual os russos perderam a guerra para os japoneses(1904-1905) e também estavam sendo derrotados pelos alemães e seus aliados austro-hungaros durante a Primeira Guerra Mundial.

Era evidente que diante desse quadro de atraso, injustiça social e ausência de democracia, uma revolução era inevitável. Então, em 22 de fevereiro de 1917(segundo o calendário juliano), eclodiu espontaneamente em Petrogrado, capital da Rússia naquela época, uma revolução popular que logo recebeu adesão dos soldados e sub-oficiais aquartelados na cidade. Formou-se então o soviete de soldados e trabalhadores de Petrogrado, que assumiu o controle da capital. Outros sovietes foram surgindo pela Rússia, e o Czar Nicolau II abdicou ao trono em 27 de fevereiro. Foi formado um governo provisório, composto por liberais, socialistas revolucionários e pelos mencheviques. Esse governo garantiu as liberdades democráticas que acabaram possibiltando o retorno de Lenin e de Trotsky do exílio.

Ao retornar do exílio, Lenin ordenou aos bolcheviques fazerem oposição a esse governo, que já sofria também a oposição dos anarquistas. E defendeu a radicalização, ao afirmar a necessidade de uma revolução socialista, com a palavra de ordem "Todo Poder aos Sovietes". E como o Exército era controlado pelo soviete e não pelo governo provisório, a situação se desestabilizou.

Entre os mencheviques, onde já havia uma divisão entre os que se opunham a Primeira Guerra Mundial, mantendo lealdade aos principios socialistas de que se tratava de uma guerra imperialista(os internacionalistas, liderados por Yuri Martov), e aqueles que foram favoráveis a guerra, assumindo o "social-chauvinismo"(a substituição da luta internacional do proletariado pelos interesses desse ou daquele Estado Nacional), surgiu uma nova e definitiva divisão quando Martov retornou do exílio. Ele defendia a oposição ao governo provisório, pelo fato deste manter a Rússia na guerra, mas a maioria decidiu manter o apoio ao governo provisório, pois isso era necessário para salvar a revolução, assim como a permanência na guerra até ser possível uma paz sem anexações. Essa divisão fez os mencheviques perderem toda a influência que possuiam sobre os sovietes.

A ESQUERDA RUSSA

Os bolcheviques eram marxistas e defendiam uma revolução socialista na Rússia, que segundo eles seria o estopim de uma revolução socialista no restante da Europa. Liderados por Lenin, se opuseram a Primeira Guerra Mundial, e reinterpretaram a ditadura do proletariado como ditadura do partido comunista, dando início a degeneração do marxismo.

Os mencheviques eram marxistas, mas ao contrário dos bolcheviques que defendiam uma revolução socialista na Rússia, os mencheviques afirmavam que deveria ocorrer uma revolução democrática que possibilitasse o desenvolvimento do capitalismo no país, e apenas após isso ocorrer é que poderia haver uma revolução socialista. Se baseavam na filosofia marxista, que afirmava claramente que a revolução socialista só poderia ocorrer em países capitalistas desenvolvidos. E ao contrário dos bolcheviques, os mencheviques não defendiam um partido centralizado, mas sim um partido de massas que garantisse a mais ampla liberdade a seus filiados. Entre os mencheviques havia a ala direita, que havia apoiado a participação russa na Primeira Guerra Mundial, e a ala esquerda, que se opunha a guerra e era liderada por Yuri Martov.

Os anarquistas eram anti-capitalistas e defendiam o socialismo, mas eram contrários ao marxismo, uma vez que se opunham a ditadura do proletariado, defendendo a abolição do Estado logo após a vitória da revolução. Se opunham a luta de classes como o único motor que move a história.

Os socialistas revolucionários defendiam o campesinato, e apesar de serem socialistas, não eram marxistas. Eram contrários a eliminação de toda a propriedade privada, defendendo a socialização dos grandes meios de produção e a reforma agrária. Representavam uma espécie de populismo de esquerda. Entre eles também ocorreu uma divisão, pois descontentes com a recusa do governo provisório em desapropriar as terras e entrega-las aos camponeses, uma parte do partido radicalizou e passou a fazer oposição ao governo provisório, que era liderado desde julho pelo socialista revolucionário Alexander Kerensky. Esses que se radicalizaram passaram a se denominar socialistas revolucionários de esquerda, enquanto a outra ala, que defendia a reforma agrária apenas após uma Assembléia Constituinte, continuaram se denominando como socialistas revolucionários.

O GOVERNO PROVISÓRIO

O governo provisório manteve a Rússia na guerra, assim como não promoveu a reforma agrária, afirmando que apenas após o estabelecimento de uma Assembléia Constituinte, poderia ser realizada a reforma agrária e outras medidas de cunho social. Recebeu a oposição dos bolcheviques, dos anarquistas, dos socialistas revolucionários de esquerda e da ala internacionalista dos mencheviques. O apoio popular a esse governo também era nulo, uma vez que os trabalhadores exigiam o fim da guerra, e os camponeses exigiam a reforma agrária, inclusive já estavam realizando na marra, promovendo invasões de terra e o assassinato de latifundiários. Em agosto de 1918, o comandante do Exército Russo, general Kornilov, tentou dar um golpe e derrubar o governo provisório, pois acreditava que o país estava um caos e era necessário restabelecer a ordem, acabando com os sovietes, restabelecendo a disciplina militar entre as tropas, e executando Lenin e demais "espiões alemães". Caso o golpe tivesse triunfado, a Rússia teria se tornado uma ditadura militar e muito provavelmente caminhasse em direção ao fascismo. Felizmente o lider do governo provisório, Alexander Kerensky, decidiu armar os trabalhadores para defender a revolução, incluindo os anarquistas e os bolcheviques. Em setembro, o general Kornilov foi derrotado e preso, com os bolcheviques assumindo a direção dos sovietes.

Graças a isso os bolcheviques conquistaram a hegemonia na sociedade, uma vez que participaram ativamente da luta contra Kornilov, defendiam a retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial, e a reforma agrária(ao retornar do exílio, Lenin prometeu ao povo "Pão, Paz e Terra"), além de serem bem melhor organizados do que os anarquistas e outras forças da esquerda contrárias ao governo provisório.

A REVOLUÇÃO SOCIALISTA DE OUTUBRO

Em 25 de outubro de 1917(segundo o calendário juliano), os bolcheviques realizaram a primeira revolução socialista da história. Na manhã desse dia, revolucionários bolcheviques armados e comandados por Leon Trotsky, ocuparam os principais prédios públicos da capital russa naquela época, a cidade de Petrogrado. A tarde, tropas bolcheviques atacaram o Palácio de Inverno, sede do governo provisório, encontrando pouca resistência. O lider desse governo, Alexander Karensky, conseguiu fugir. O governo provisório foi deposto. A noite, em reunião do Congresso de Sovietes de toda Rússia, foi anunciado o estabelecimento da Rússia Soviética, com a formação do governo socialista liderado pelo Conselho de Comissários do Povo, que era presidido por Lenin. A Duma, ou seja, o "parlamento burguês" foi dissolvido e o poder passou para as mãos do Congresso de Sovietes de Toda Rússia, que era dominado pelos bolcheviques. Ou seja, o poder passou a ser do conselho presidido por Lenin.

Os bolcheviques excluiram a participação de Martov e da ala internacionalista dos mencheviques, desse governo estabelecido pela Revolução de Outubro. Apenas os socialistas revolucionários de esquerda, que haviam apoiado o golpe revolucionário dos bolcheviques, participaram desse governo, ocupando posição claramente minoritária.

Em 3 de Novembro, o governo bolchevique promulgou o Decreto sobre o Controle Operário. Esse documento instituía a autogestão em todas as empresas com 5 ou mais empregados. Isto acelerou a tomada do controle de todas as esferas da economia por parte dos conselhos operários, e provocou um caos generalizado, ao mesmo tempo que acelerou ainda mais a fuga dos proprietários para o exterior. Durante os meses que se seguiram, o governo bolchevique procurou então submeter os vários conselhos operários ao controle estatal, por meio da criação de um Conselho Pan-Russo de Gestão Operária. Os anarquistas se opuseram a isto, mas foram voto vencido.

O governo bolchevique tomou uma série de medidas de impacto entre novembro de 1917 e março de 1918, como por exemplo.

Pedido de paz imediata: em março de 1918, foi assinado, com a Alemanha, o Tratado de Brest-Litovski, que tirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial. Segundo esse tratado, a Rússia abriu mão do controle sobre a Finlândia, Países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), Polônia, Bielorússia e Ucrânia, bem como de alguns distritos turcos e georgianos antes sob seu domínio.

Confisco de propriedades privadas: grandes propriedades foram tomadas dos aristocratas e da Igreja Ortodoxa, para serem distribuídas entre o povo.

Declaração do direito nacional dos povos: o novo governo comprometeu-se a acabar com a dominação exercida pelo governo russo sobre regiões tais como a Finlândia, a Geórgia ou a Armênia.

Estatização da economia: o novo governo passou a intervir diretamente na vida econômica, nacionalizando diversas empresas.


O GOLPE CONTRA A CONSTITUINTE

Era consenso entre todos os partidos políticos da esquerda russa, incluindo o Partido Bolchevique, de que seria necessária a criação de uma Assembléia Constituinte. As eleições para essa assembléia ocorreram em 25 de Novembro de 1917, e à exceção dos liberais do Partido Constitucional Democrata, que representava a burguesia e por isso foi proibido pelo governo bolchevique, todos os outros partidos puderam participar livremente. Mesmo perseguidos, os liberais conseguiram eleger 17 deputados, conquistando 4,8% dos votos. Os Socialistas Revolucionários receberam 41% dos votos, elegendo 380 deputados, enquanto os bolcheviques só conseguiram 25% dos dos votos, elegendo 168 deputados. Os mencheviques e demais partidos restantes receberam muito poucos votos.

Em 26 de Dezembro, Lênin publicou suas Teses sobre a Assembléia Constituinte, onde ele defendia os sovietes como uma forma de democracia superior à Assembléia Constituinte.

Em 5 de janeiro de 1918, a Assembléia Constituinte se reuniu pela primeira e única vez, pois a noite foi dissolvida pelo governo bolchevique. Essa dissolução se deu sem a aprovação dos sovietes, portanto foi claramente um golpe de estado. E pior, a partir disso os bolcheviques passaram a perseguir os socialistas revolucionários, os mencheviques e os anarquistas, tornando os sovietes uma correia de transmissão do Partido Comunista da Rússia, novo nome do Partido Bolchevique.

A PAZ COM A ALEMANHA E SEUS ALIADOS AUSTRO-HÚNGAROS E TURCOS

Uma das promessas dos bolcheviques era fazer a paz e tirar a Rússia da Primeira Guerra Mundial, o que começaram a fazer logo após a vitória da revolução. Em 1º de dezembro de 1917, iniciaram as negociações visando um cessar fogo, que foi obtido em 16 de dezembro. Todas as hostilidades foram suspensas e teve início as negociações de paz.

Os bolcheviques haviam prometido fazer a paz, sem anexações, ou seja, sem que a Rússia fosse obrigada a fazer concessões territoriais, o que era impossível. Então apesar da pressão popular pelo fim da guerra, um acordo de paz com certeza acabaria dando argumentos a propaganda anti-comunista dos contra-revolucionários brancos.

Após a vitória da revolução, forças leais ao governo provisório tentaram restabelece-lo no poder, sem sucesso algum, sendo derrotadas em menos de duas semanas. O problema é que o general Kornilov, aproveitando da situação, escapou da prisão domiciliar ao qual havia sido condenado, e foi para a região de Rostov, no sul da Rússia, onde junto com o general Mikhail Alekseyev, formou o Exército Voluntário, formado por soldados e oficiais czaristas, assim como pelos cossacos, liberais e por camponeses. Esse Exército foi formado em dezembro de 1917, e representou o início do Exército Branco. Contribuiu para sua formação as negociações de paz que os bolcheviques realizavam, pois além de anti-comunistas ferrenhos, os brancos também eram nacionalistas e se opunham a perda de territórios, condição imposta pelos alemães e seus aliados para firmarem um tratado de paz. Usando desse discurso nacionalista, foram capazes de recrutar elementos do antigo Exército e Marinha Russo, assim como entre os camponeses.

Mesmo os bolcheviques estavam divididos com relação a paz com os alemães e seus aliados, pois uma ala liderada por Nikolai Bukharin defendia que as negociações deveriam ter o objetivo de ganhar tempo, até que o Exército Vermelho formado pelos bolcheviques para combater a contra-revolução, se fortalecesse. Ao mesmo tempo esperava que as exigências territoriais dos alemães e de seus aliados, levasse os trabalhadores da Europa a se rebelarem contra seus governos burgueses e aderindo a causa socialista, promovesse uma revolução mundial. Até porque segundo Bukharin, não poderia haver paz entre um país socialista e outro capitalista. Outra ala, representada por Leon Trotsky, que era o comissário do povo para assuntos exteriores, era menos utópica e defendia que também se arrastasse as negociações de paz, ganhando tempo até que eclodisse uma revolução socialista na Alemanha e demais países das chamadas Potências Centrais, ou seja, os aliados dos alemães, para dessa forma o tratado de paz ser firmado entre países socialistas. Trotsky acreditava ser possível atrasar as negociações, até que os alemães dessem um ultimato, que seria recusado pelo governo bolchevique, o que levaria os trabalhadores alemães se rebelarem por não querer participar de uma guerra por conquistas territoriais contra uma nação socialista. Era menos utópica, pois não havia a menor condição de se realizar uma revolução nos países aliados, ou seja, na Grã Bretanha, França, e Itália. Mas na Alemanha e no Império Austro-Húngaro, era forte a presença do movimento operário e dos socialistas, portanto partiria daquela região a esperança de expansão do socialismo, no começo de uma revolução mundial que não seria tão fácil como supunha a corrente de Bukharin.

Entretanto muito mais realista e essa sim sem nenhuma utopia esquerdista, era a ala liderada por Lenin. Defendia que a paz fosse concretizada imediatamente, mesmo com o preço de uma humilhante perda territorial para os alemães e seus aliados. Isso porque mesmo acreditando que fosse iminente uma revolução na Alemanha, Lenin sabia que o governo do Kaiser Guilherme II ainda era forte, e portanto apesar de iminente, a revolução não aconteceria tão rapida assim, e a Rússia corria o risco de sofrer uma invasão alemã e com isso ocorrer a queda do governo bolchevique. Lenin afirmava que a futura revolução na Alemanha e demais potencias centrais, permitiria aos russos recuperar os territórios perdidos.

Incapaz de continuar ganhando tempo, Trotsky retirou a Rússia das mesas de negociações em 10 de fevereiro de 1918, recusando as exigenciais territoriais impostas pelos alemães e seus aliados, que imediatamente anunciaram que o cessar fogo terminaria em 17 de fevereiro, respeitando os acordos firmados em dezembro de avisar ao inimigo sobre o término do cessar fogo, uma semana antes do reinicio das hostilidades.

Lenin então falou para Trotsky, que o governo bolchevique havia feito de tudo para explicar a situação aos trabalhadores europeus, e que portanto era necessário firmar logo o tratado de paz, pois era evidente que nenhuma revolução ocorreria naquele momento na Alemanha. Trotsky não aceitou a realidade e recusou firmar a paz, pois ainda acreditava que os trabalhadores e/ou soldados alemães se rebelariam.

Em 18 de fevereiro de 1918, teve reinicio as hostilidades. As tropas czaristas haviam abandonado o front e marchavam para o sul da Rússia, no objetivo de se unir as forças contra-revolucionárias do general Mikhail Alekseyev e do general Kornilov. As tropas leais a revolução não tinham força suficiente para deter o ataque alemão e de seus aliados, e em menos de cinco dias, as tropas alemães haviam avançado mais do que haviam avançado nos últimos três anos. Trotsky então se convenceu que estava errado e o comite central bolchevique aprovou o tratado de paz imediato.

Como era de se esperar, as condições para a paz que os alemães e seus aliados exigiam, tornaram-se ainda mais duras, mas sem outra alternativa, os bolcheviques cederam.

Em 3 de março de 1918, foi assinado o Tratado de Paz de Brest-Litovsk, onde a Russia se rendia aos alemães e a seus aliados. Os russos foram obrigados a ceder a Polónia e a Bielo-Rússia para os alemães e para os austro-húngaros, assim como reconhecer a independência da Ucrânia, Letônia, Estônia, e Finlándia, que se tornariam Estados fantoches da Alemanha. E mais, teve que ceder a Lituânia para a Alemanha, e ceder as cidades de Batum, Kars, e Ardahan para os turcos.

Terminava assim a participação russa na Primeira Guerra Mundial, mas tinha início a Guerra Civil Russa.

A GUERRA CIVIL

Apesar de ter começado em dezembro de 1917, a guerra civil pegou fogo mesmo após o tratado de paz que tirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial, uma vez que tropas que estavam no front e eram contrárias a paz, e também contrárias ao socialismo, aderiram ao Exército Branco, que passou a ser comandado pelo almirante Aleksandr Kolchak. Também aderiram aos contra-revolucionários brancos nessa época, as forças militares das potências imperialistas que estavam em guerra contra os alemães e seus aliados austro-húngaros e turcos, ou seja EUA, Grã Bretanha, França, Itália, Japão, etc, que contrárias a saida da Rússia da guerra contra seus inimigos, interviram em favor da contra-revolução. E mais, os socialistas revolucionários e a ala direita dos mencheviques(que era minoritaria), também aderiram aos contra-revolucionários brancos, não somente por serem contrários a revolução socialista, mas principalmente devido a dissolução da Assembléia Constituinte e ao Tratado de Paz de Brest-Litovsk.

O governo bolchevique ampliou então sua política autoritária, ampliando a perseguição contra aqueles que se opunham a eles, mesmo que fossem socialistas e não tivessem a menor participação na contra-revolução branca. Foi o caso dos anarquistas, da ala internacionalista ou de esquerda dos mencheviques, liderada por Yuri Martov, e até mesmo os socialistas revolucionários de esquerda, que romperam com o governo bolchevique por não aceitarem as perdas territoriais que a Rússia teve com o Tratado de Paz de Brest-Litovsk. Os sovietes e os sindicatos se tornaram correias de transmissão do Partido Bolchevique, que foi rebatizado como Partido Comunista da Rússia.

Em 4 de julho de 1918, teve início o 5º Congresso de Sovietes de Toda Rússia, com um total de 1132 delegados, sendo 745 bolcheviques e 352 socialistas revolucionários de esquerda. Nesse congresso, os socialistas revolucionários de esquerda denunciaram o Tratado de Paz de Brest-Litovsk, assim como a perseguição imposta pelos bolcheviques contra seus oponentes de esquerda. Defenderam então a formação de um novo governo, composto por todos os partidos socialistas, e a retomada da guerra contra a Alemanha para recuperar os territórios perdidos. Foram derrotados e então no dia 6 de julho, promoveram o assassinato do embaixador alemão, Conde Wilhelm von Mirbach. Eles acreditavam que este assassinato conduziria a uma revolta popular generalizada em apoio dos seus objetivos. Isso não aconteceu, mas mesmo assim os socialistas revolucionários de esquerda decidiram promover uma rebelião, com um destacamento da Cheka(a policia política dos bolcheviques), comandado pelo socialista revolucionário de esquerda DI Popov, liderando a insurreição. Os rebeldes tomaram as centrais telefonicas e de telégrafo, e atacaram o Kremlin com artilharia. Durante os dois dias que permaneceram no controle das centrais telefonicas e de telégrafo, enviaram vários manifestos, boletins e telegramas em nome do Comite Central dos socialistas revolucionários de esquerda, declarando que haviam assumido o poder e que sua ação foi saudada por todo o povo.

Então socialistas revolucionários de esquerda, com apoio de alguns anarquistas, deram início a rebelião em Petrogrado e em outras cidades russas. O coronel Mikhail Muravyov, comandante da frente oriental do Exército Vermelho, ao receber informações sobre a rebelião em Moscou, decidiu aderir e levar suas tropas para Moscou. Entretanto Muravyov não conseguiu convencer os soldados, e sem o apoio da tropa acabou sendo preso, e como resistiu a prisão, foi morto pelos bolcheviques.

Os socialistas revolucionários de esquerda alegaram estar promovendo uma revolta contra a paz com a Alemanha, e não contra o poder soviético. Mesmo assim o 5º Congresso dos Sovietes instruiu o governo a reprimir a insurreição de uma só vez, e o grupo de socialistas revolucionários de esquerda no Congresso foi preso. Em dois dias, os rebeldes em Moscou foram derrotados. Em Petrogrado e nas outras cidades, a rebelião custou a ser controlada, mas em agosto os bolcheviques conseguiram derrotar os revoltosos.

Como resultado dessa revolta, somado ao acirramento da Guerra Civil, em julho de 1918, todos os partidos foram proibidos, com excessão do Partido Comunista da Rússia. Então em 30 de agosto de 1918, a socialista revolucionária de esquerda Fanny Kaplan, tentou assassinar o lider bolchevique Vladimir Lenin, dando três tiros a queima roupa que causaram os ferimentos que resultariam em sua invalidez, menos de cinco anos depois. Kaplan foi presa e executada dois dias depois, e o que é pior, esse atentado serviu de pretexto para a política terrorista dos bolcheviques conhecida como "terror vermelho", quando a Cheka(policia política) assassinou milhares de pessoas acusadas de promover a contra-revolução, e usando de extrema violência, o Exército Vermelho(bolchevique, ou seja, comunista), combateu impiedosamente os contra-revolucionários do Exército Branco, que tinham o apoio de tropas estrangeiras(EUA, Grã Bretenha, França, Itália, Grecia, Japão, etc). Massacres foram promovidos até mesmo contra civis, apesar que os contra-revolucionários brancos também promoveram o mesmo tipo de política, o chamado "terror branco", o que fez a Rússia se tornar um verdadeiro inferno, com carnificinas sendo promovidas por ambos os exércitos em luta.

Um dos lideres do Partido Comunista da Rússia, o revolucionário Grigory Zinoviev, declarou em setembro de 1918, que "para superar os nossos inimigos, devemos ter o nosso próprio militarismo socialista. Temos de levar junto conosco 90 milhões dos 100 milhões da população soviética da Rússia. Quanto ao resto, não temos nada para lhes dizer. Devem ser aniquilados."

O general Kornilov, um dos primeiros lideres do Exército Branco, afirmou que os objetivos de suas forças deveria ser cumprido mesmo se fosse necessário "incendiar metade do país e derramar o sangue de três quartos de todos os russos."

O terror promovido por ambos os lados demonstra que extrema-direita e extrema-esquerda não são tão diferentes na hora de promover crimes hediondos contra a humanidade.

Agora o mais grave mesmo é que os vermelhos não combateram apenas os contra-revolucionários brancos e seus aliados estrangeiros, mas também combateram os revolucionários do Exército Makhnovista ou Negro(anarquistas), guerrilha formada por camponeses, que haviam desapropriado a burguesia no sul da Ucrânia e promovido a reforma agrária na região. Os revolucionários anarquistas do Exército Makhnovista contribuiram decididamente para a derrota dos contra-revolucionários brancos liderados pelo general Denikin. E mesmo assim foram massacrados pelos vermelhos.

Entre dezembro de 1917 e janeiro de 1918, as guerrilhas camponesas organizadas pelos anarquistas, expulsaram os grandes proprietários de terras e promoveram a reforma agrária, no sul da Ucrânia. Os guerrilheiros eram comandados por Nestor Makhno, que havia sido eleito presidente do soviet de Gulai-Polé, em agosto de 1917. Entretanto, como resultado do Tratado de Paz de Brest Litovsk, os alemães e seus aliados austro-húngaros ocuparam a Ucrânia, estabelecendo um governo fantoche liderado pelo general Pavló Skoropadski. Este promoveu uma impiedosa repressão contra os anarquistas, restituindo as terras aos seus antigos proprietários burgueses.

Makhno conseguiu escapar, caindo na clandestinidade. Vai a Moscou em junho de 1918, onde se encontra com o revolucionário anarquista Pyotr Kropotkin, e com o lider bolchevique Vladimir Lenin. Retorna então para Gulai-Polé, no intuito de reiniciar a revolução socialista na região.

Liderados por Nestor Makhno, presidente do soviet de Gulai-Polé, os anarquistas se reorganizaram e formaram uma nova guerrilha camponesa em julho de 1918, o famoso Exército Makhnovista, também chamado de Exército Negro, que inicia a luta contra os invasores alemães e austro-húngaros, e seus aliados do governo fantoche de Skoropadski. Com o armistício de Novembro de 1918, que encerrou a Primeira Guerra Mundial, as tropas estrangeiras retiraram-se da Ucrânia, e os nacionalistas ucranianos liderados por Symon Petliura derrubam o governo de Skoropadski. Os makhnovistas passam a combater as forças ucranianas leais a Petliura, e voltam a promover a reforma agrária na região de Gulai-Polé.

Em dezembro de 1918, o Exército Vermelho avança pelo norte da Ucrânia, unindo-se aos bolcheviques ucranianos em sua luta contra os nacionalistas de Petliura, ao mesmo tempo que o Exército Branco, comandado pelo general Anton Denikin, sucessor do general Kornilov(morto em combate contra os vermelhos em abril de 1918), avança pelo sul da Ucrânia. Os makhnovistas se aliam aos bolcheviques, para juntos combater os contra-revolucionários brancos de Denikin.

Enquanto vermelhos e brancos lutavam pela posse da Ucrânia, a região de Gulai-Polé ficou sob o domínio dos Makhnovistas, pois nenhuma outra facção era forte o suficiente para atacá-los. Makhno aproveitou a calmaria para convocar congressos de camponeses com a finalidade de reformar a sociedade com vistas a implantar o comunismo libertário.

Entretanto, as discussões se voltaram principalmente para a defesa da região contra outros exércitos, já que havia uma guerra civil. O poder real permaneceu com o grupo de Makhno. Atos de anti-semitismo, muito comuns na época, passaram a ser punidos com a pena de morte. Aconteceram esforços para se criar uma economia de trocas livres entre o campo (Gulai-Polé, Aleksandrovsk) e a cidade (Kiev, Moscou, Petrogrado).

A calmaria terminou em 15 de Junho de 1919, quando, após atritos menores entre Makhnovistas e Vermelhos, o IV Congresso Regional de Gulai-Polé convidou os soldados da base do Exército Vermelho a enviar representantes. Isto foi um desafio direto à hierarquia de comando Comunista, já que aquele exército não funcionava, como o Makhnovista, em regime de democracia direta. Em 4 de Julho um decreto do governo comunista proibiu o congresso e tornou o movimento Makhnovista ilegal. As tropas comunistas atacaram Gulai-Polé e dissolveram as comunas criadas na região. Poucos dias depois as forças de Denikin chegaram à região, obrigando a ambas facções a aliarem-se novamente.

Durante os meses de Agosto e Setembro, Denikin avancou a passo firme em direção a Moscou, enquanto Makhnovistas e comunistas eram obrigados a retroceder, chegando até as fronteiras ocidentais da Ucrânia. Então, em Setembro de 1919, Makhno surpreende Denikin lançando um ataque vitorioso à aldeia de Peregonovka, perto da cidade de Uman, cortando as linhas de abastecimento do general branco e semeando pânico e desordem na retaguarda. Este foi o primeiro revés sério sofrido por Denikin em sua campanha, e ao final do ano o Exército Vermelho o forçaria a bater em retirada até as margens do Mar Negro.

"O clímax da Revolução Ucraniana aconteceu nos meses que se seguiram à vitória em Peregonovka. Durante os meses de Outubro e Novembro, Makhno se viu em poder das cidades de Ekaterinoslav e Aleksandrovsk, e esta foi sua primeira oportunidade de aplicar a concepção anarquista em ambiente urbano. O primeiro ato de Makhno após entrar nessas cidades (após esvaziar as prisões) foi (...) colocar cartazes anunciando aos cidadãos que a partir deste momento eram livres para organizarem suas vidas conforme preferissem, e que o Exército Insurgente "não lhes ditaria nem ordenaria nada". Se proclamaram a liberdade de imprensa, palavra e reunião, e em Ekaterinoslav surgiram imediatamente meia dezena de periódicos que representavam uma ampla gama de tendências políticas. Mas Makhno, embora fomentasse a liberdade de expressão, não estava disposto a tolerar aquelas organizações políticas que tratavam de impôr sua autoridade sobre o povo. Portanto dissolveu os "comitês revolucionários" dos Bolcheviques em Ekaterinoslav e Aleksandrovsk, aconselhando seus membros a se dedicarem a "algum trabalho honesto"". (Paul Avrich; em "Os Anarquistas Russos )

Entretanto, a classe operária urbana não respondeu ao movimento Makhnovista com o mesmo entusiasmo dos camponeses, e ao final de 1919, as relações com o governo comunista voltaram a azedar. Ao negar-se a abandonar o território ucraniano por ordem de Trotsky, o movimento Makhnovista foi novamente declarado ilegal. O Exército Vermelho então voltou a combatê-los, e durante os oito meses que se seguiram ambos os lados sofreram pesadas baixas. Então, em Outubro de 1920, o barão Wrangel, sucessor de Denikin no Sul, lançou uma importante ofensiva, partindo da Criméia rumo ao Norte. Novamente o Exército Vermelho solicitou a ajuda dos Makhnovistas, e novamente a frágil aliança se refez. Menos de um mês mais tarde, já com a guerra civil ganha, a aliança foi desfeita. Em 25 de Novembro, os líderes do exército de Makhno, reunidos na Criméia por ocasião da vitória sobre Wrangel, foram presos e executados sumariamente. No dia seguinte, por ordem de Trotsky, Gulai-Polé foi atacada e os Makhnovistas presos ou executados. Makhno conseguiu fugir e se exilar na França.

Nestor Makhno morreu no exilio em Paris, vitimado pela tuberculose adquirida nas prisões czaristas, em 27 de julho de 1934. Pierre Berland, correspondente de Le Temps - ancestral de Le Monde - escreveu o seguinte após a morte de Makhno:

"Os periódicos soviéticos não encontraram um espaço para consagrar ao líder anarquista um artigo necrológico, nem sequer uma linha ao pé de suas sessenta páginas para anunciar sua morte... Sem embargo, é uma figura bem especial este Nestor Makhno e nenhuma conspiração de silêncio poderá fazer esquecer o papel importante que o popular "Batko" teve durante a revolução russa, em particular na luta contra Denikine. Seu programa político Anarquista, querendo outorgar aos camponeses a terra, aos operários as fábricas, com toda propriedade e lhes aconselhou organizar-se em federações de comunas livres. Viu seus inimigos nos generais brancos que queriam o retorno dos grandes proprietários rurais(...). Se aliou várias vezes com os bolcheviques, que considerava por um momento um mal menor(...).

Os atos de pilhagem, de terror ou de antisemitismo eram severamente castigados por Makhno e seus companheiros(...) e tratou de realizar algumas de suas "utopias": a supressão de prisões, a organização da vida comunal, as "comunas livres", os "sovietes operários" do qual não excluía nenhuma categoria social. A liberdade de imprensa foi completa, e se permitiu tanto a publicação de periódicos socialistas revolucionários de direita e de esquerda, como de orgãos bolcheviques junto a publicações anarquistas(...). Esta fora de dúvida que a derrota de Denikine se explica pelas insurreições camponesas que armaram a bandeira negra de Makhno, mais que pelos êxitos do exércio regular de Trotsky. As seções de partidários do "Batko" inclinaram a balança a favor dos vermelhos, e se Moscou queres hoje em dia esquece-lo, a história imparcial tomará conta de lembra-ló."


O FIM DA GUERRA

Nos países capitalistas cujas tropas participavam da Guerra Civil Russa, em apoio aos contra-revolucionários brancos, a oposição a participação nessa guerra, acabou obrigando a se retirarem do Norte da Rússia e da Sibéria, em 1920. No entanto, os japoneses ocuparam partes da Sibéria até 1922.

Com o fim do apoio das potencias capitalistas, o Exército Vermelho foi capaz de infligir derrotas ao Exército Branco, levando à seu eventual colapso. A guerra chegou ao fim no final de 1922. Durante a intervenção das nações capitalistas, a presença de tropas estrangeiras foi usada eficazmente como propaganda patriótica pelos bolcheviques.

Grande parte dos brancos exilados, acabaram por retornar a Rússia durante a invasão alemã em 1941, colaborando com os nazistas no intuito de derrubar o comunismo.

A DITADURA BOLCHEVIQUE

Yuri Martov era o lider da ala internacionalista dos mencheviques, que se opôs à Primeira Guerra Mundial. Após a Revolução de Fevereiro, em 1917, Martov retornou à Rússia, mas era tarde demais para impedir a adesão de alguns mencheviques ao Governo Provisório. Ele criticou duramente os mencheviques que faziam parte do governo e apoiavam o esforço de guerra, como Irakli Tsereteli e Dan Fedor. No entanto, em uma conferência realizada em 18 de junho de 1917, ele não conseguiu obter o apoio dos delegados para uma política de negociações de paz imediata com as Potências Centrais.

Quando os bolcheviques chegaram ao poder na sequência da Revolução de Outubro de 1917, Martov se tornou politicamente marginalizado. Por um tempo Martov liderou o pequeno grupo de oposição menchevique na Assembléia Constituinte, até que os bolcheviques a aboliram. Os mencheviques foram banidos junto com outros partidos políticos pelo governo soviético durante a Guerra Civil Russa. Martov e os mencheviques sobre sua liderança, apoiaram o Exército Vermelho contra o Exército Branco durante a Guerra Civil, no entanto, denunciavam a perseguição dos jornais anarquistas, dos democratas e dos socialistas revolucionários.

Em 1920, Martov foi legalmente autorizado a viajar para a Alemanha. Ele não tinha a intenção de permanecer no exílio na Alemanha, e só o fez por causa da repressão comunista contra os mencheviques.

Agora vejam, os mencheviques liderados por Martov eram marxistas, não apoiavam os contra-revolucionários brancos, mas se opunham ao governo bolchevique pelo fato da filosofia marxista afirmar que a revolução socialista deveria acontecer em países capitalistas desenvolvidos, e não em um país que ainda era semi-feudal como a Rússia. Portanto defendiam uma revolução democrática, que possibilitasse o desenvolvimento do país, para no futuro caminhar em direção ao socialismo, que não deveria ser ditadorial e desumano como o dos bolcheviques. Portanto não estavam errados, pelo contrário, mas assim mesmo foram banidos por quem dizia defender a ditadura do proletariado, mas na verdade estabeleceram uma ditadura sobre o proletariado, como comprova a perseguição contra Martov e os mencheviques internacionalistas, e contra os anarquistas. Mas a prova definitiva é a repressão brutal que os bolcheviques promoveram contra camponeses e operários que se rebelavam contra a absurda política do "comunismo de guerra".

"Em 16 de março de 1919, tropas da Cheka invadiram a fábrica Putilov. Mais de 900 trabalhadores que estavam em greve foram presos. Mais de 200 deles foram executados sem julgamento. Na primavera de 1919, ocorreram vários ataques nas cidades de Tula, Orel, Tver, Ivanovo e Astrakhan. Os trabalhadores famintos tentavam obter rações alimentares semelhantes às dos soldados do Exército Vermelho. Eles também exigiram a eliminação de privilégios para os comunistas, a liberdade de imprensa e eleições livres. Todos os ataques foram impiedosamente reprimida pela Cheka com prisões e execuções.

Na cidade de Astrakhan, os grevistas e os soldados do Exército Vermelho que se juntaram a eles foram carregados em barcaças, e em seguida, jogados no Volga com pedras em torno de seus pescoços. Entre 2000 e 4000 foram assassinados entre 12 e 14 de março de 1919." (O Livro Negro do Comunismo)


Depois ainda tem gente que não enxerga que antes da ascenção do stalinismo, já havia uma ditadura totalitaria na Rússia, que fatalmente resultaria em algo ainda pior, como comprova a história com o surgimento do stalinismo.

A revolucionária marxista polaco-alemã Rosa Luxemburgo, que em hipótese alguma pode ser considerada uma "revisionista" ou "oportunista", sempre criticou Lenin e o bolchevismo, tanto que no clássico "Questões de organização da social-democracia russa", escrito em 1904, criticou o modelo autoritario de partido defendido por Lenin. Apesar de ter apoiado a Revolução de Outubro, inclusive se solidarizando com os bolcheviques, Rosa alertou para os riscos desse autoritarismo doentio promovido por Lenin e pelos bolcheviques.

Ao contrário de muita gente na esquerda, Rosa Luxemburgo não se deixou levar por uma visão acritica, beata, e de sacristia sobre esse processo revolucionário. Pelo contrário, manteve sua critica ao que achava errado no bolchevismo, e no clássico "A Revolução Russa", escrito em 1918, Rosa Luxemburgo criticou os desvios autoritários promovidos pelos bolcheviques, alertando para as suas consequências.

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


Segundo o cientista social Michael Löwy, um dos mais importantes teóricos do marxismo na atualidade: "Constatando a impossibilidade, nas circunstâncias dramáticas da guerra civil e da intervenção estrangeira, de criar "como que por magia, a mais bela das democracias", Rosa não deixa de chamar a atenção para o perigo de um certo deslizamento autoritário e reafirma alguns princípios fundamentais da democracia revolucionária. É difícil não reconhecer o alcance profético desta advertência. Alguns anos mais tarde a burocracia apropriou-se da totalidade do poder, excluiu progressivamente os revolucionários de Outubro de 1917 - antes de, no correr dos anos 30, eliminá-los sem piedade." ( Michael Löwy; em "Rosa Luxemburgo: um comunismo para o século XXI")

O filósofo marxista Pietro Ingrao, figura histórica do comunismo italiano, fez autocritica e reconheceu ter sido Lenin quem assinou o decreto criando o primeiro campo de concentração na Europa, para aqueles que não compartilhavam suas idéias. Portanto, os gulags de Stalin já nascem com a Revolução de Outubro.

"Já Lenin afirmava a construção violenta do Estado e do poder político, e não se tratava só de uma resposta revolucionária ao sangue do capitalismo. Era uma idéia errada, erradíssima, de abuso e de esmagamento, que também atingiria, cedo ou tarde, uma parte do movimento operário. Tal como ocorreu, precisamente, em Budapeste, em 1956. E não só. Os massacres estavam fadados a se voltarem contra os próprios militantes, os próprios filhos. Os tanques na Hungria nos abriam os olhos para uma violência que devíamos recusar, e no entanto foi apregoada e inscrita nas nossas bandeiras. (...)

Antes nos iludíamos dizendo que havia uma diferença substancial entre os dois personagens centrais da história do comunismo e considerávamos Stalin o traidor dos ideais de Lenin. Não era verdade. Hoje, por sabermos a verdade, podemos captar melhor as diferenças entre Lenin e Stalin, a partir daquela que considero a mais significativa. Lenin, com sua revolução, teve em mente o poder dos sovietes e do partido, conquistado e defendido com a violência. Em vez disso, Stalin, com métodos ainda mais ferozes em relação a Lenin, tem em mente só o poder pessoal e do seu clã." (Pietro Ingrao; Em depoimento dado a Antonio Galdo, intitulado "Il compagno disarmato" [Milão, 2004])


A autocrítica de Ingrao é radical, assinala a natureza, as raízes da ideologia comunista, e a investigação do erro não se reduz à leitura do passado, mas se torna um instrumento para olhar adiante. Mesmo que, noventa anos depois, a conta da verdade seja muito alta.

"Os gulags não foram uma fábula, mas não vejo por que hoje deveria assumi-los no meu patrimônio, no meu sentimento de comunista, agora que não tenho nem mesmo o álibi de ‘não saber’. Ao lado desta derivação, o movimento comunista no século XX arrastou classes sociais inteiras para a luta política e social, e grande parte do crescimento da democracia, pelo menos na Europa, está ligada a esta participação, a esta batalha. Por que não deveria revisitar e reexaminar nossa história, ver as luzes e as sombras? Enfraqueço-me? Penso exatamente o contrário: a autocrítica me reforça. O arrependimento é uma palavra que não pertence à minha linguagem, tem um sabor de sacristia. Mas, se arrepender-se significa reconhecer os erros, então não tenho medo desta palavra. Tentar compreender onde erramos me ajuda a viver, a me sentir mais forte, a olhar para a frente. A reconstruir o passado para dar uma indicação sobre o futuro: pode-se aprender com os erros. E no horizonte futuro resta a necessidade de uma resposta às exigências, decisivas, de sentido da vida, de horizonte, num mundo vergado como então, como em todo o século XX, pela maldição de uma guerra. Passei uma vida batendo-me por coisas essenciais: o direito de se alimentar, crescer, se instruir, se cuidar, ser criativo no próprio trabalho. O movimento operário, no curso de um século, cresceu no contexto da reivindicação de necessidades fundamentais, a começar pelo grande tema do resgate do trabalho, e da exigência destas coisas nasceu a ideologia comunista, com seus erros, suas culpas, seus delitos. A violência armada, infelizmente, teve um lugar na história e na ideologia do movimento comunista. Em nome desta violência, o homem foi posto sob cadeias, quando nós o queríamos livre. Nossa derrota nasceu também daqui. Mas aquelas exigências permanecem presentes, continuam a ser atuais, e alguém terá de responder a elas..." (Pietro Ingrao; Em depoimento dado a Antonio Galdo, intitulado "Il compagno disarmato" [Milão, 2004])

O historiador marxista Jacob Gorender, também fez uma critica feroz ao leninismo, ou seja, ao bolchevismo, em "Marxismo sem utopia", reconhecendo a culpa desse modelo no surgimento da bestialidade stalinista.

"O que deixei claro é que não se deve ter um modelo como o do Partido Bolchevique: uma direção de revolucionários profissionais apoiada numa rede de células, organizações e pessoas que não são profissionais, que estão na vida comum, e que se tornam militantes do partido. Esta concepção altamente centralizadora é indissociável do partido único, do autoritarismo e do arbítrio, como ocorreu na União Soviética. O partido único ditatorial já estava implícito na lógica do Partido Bolchevique desde o momento em que ele se propôs a tomada do poder. Rosa Luxemburgo percebeu isso, embora o dissesse de maneira muito simplificada. Da minha parte, militei em partidos inspirados por este modelo e vivi suas contradições.

O modelo bolchevique incorporou, em sua visão da ação política, um centralismo enorme, bem como a idéia de que poderia dirigir sozinho a sociedade. Tomemos, por exemplo, a questão da dissolução da assembléia constituinte na Revolução Russa: o problema não foi tê-la dissolvido, mas não se ter nenhuma proposta democrática alternativa. Os sovietes, desde a tomada do poder, passaram a ser uma correia de transmissão do partido e terminaram esvaziados. Em seguida, os sindicatos e as outras organizações de massa foram se tornando o que Lenin tinha em vista: correias de transmissão do partido único. Quando, em 1921, as tendências foram proibidas dentro do partido bolchevique, a idéia era de que isto seria temporário; mas o temporário se tornou permanente. Essas coisas práticas, mais do que as declarações, formam aquilo que chamo de modelo bolchevique. É isto que deve ser evitado." (Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 43)


O regime bolchevique preparou o terreno para o verdadeiro totalitarismo dos grandes campos de trabalho forçado e do genocidio da era stalinista. Citando o filósofo marxista Ruy Fausto: "Não que eu suponha uma simples continuidade entre bolchevismo e stalinismo. Mas afirmo sim que o totalitarismo stalinista é impensável sem o bolchevismo, e que há linhas reais de continuidade entre os dois". (EM TORNO DA PRÉ-HISTÓRIA INTELECTUAL DO TOTALITARISMO IGUALITARISTA)

COMUNISMO DE GUERRA

O Comunismo de Guerra foi a política economica adotada pelos bolcheviques russos durante a guerra civil. O Comunismo de Guerra se pautava na premissa de que todas as forças produtivas do país deveriam se orientar no sentido de combater os inimigos do povo, ou seja, os Russos Brancos e as tropas de ocupação estrangeiras.

Pode-se dizer que o comunismo de guerra foi um desastre no ponto de vista da organização da produção. Com o confisco dos cereais dos camponeses pelo governo, passou-se a produzir visando apenas a subsistência, o que levou a uma crise no suprimento de grãos sem precedentes. Grandes centros urbanos entraram em crise causando o êxodo rural e a morte de milhões, configurando-se assim uma das maiores tragédias da Rússia.

A REBELIÃO DE TAMBOV

A rebelião de Tambov foi uma das maiores rebeliões do campesinato russo contra o governo bolchevique durante a Guerra Civil. Foi dirigida por um antigo membro do Partido Socialista Revolucionário, Alexander Antonov, que havia apoido a Revolução de Outubro em 1917, mas rompeu com o governo bolchevique em abril de 1918, devido a política de requisições forçadas ao campesinato imposta pelo "Comunismo de guerra".

A revolta teve inicio em 19/08/1920, e foi organizada pela União dos Trabalhadores Camponeses, dirigida por Antonov. O governo bolchevique foi abolido na região de Tambov, e foi convocada uma Assembléia Constituinte, que decidiu retomar as terras para os camponeses.

30 mil soldados do Exército Vermelho, comandados pelo marechal Mikhail Tukhachevsky, foram enviados para combater a revolta. Os bolcheviques usaram artilharia pesada contra os camponeses rebelados, e pior, a partir de junho de 1921, com autorização do governo bolchevique, o Exército Vermelho passou a usar armas quimicas contra os camponeses, que eram chamados de "bandidos" pelos bolcheviques. Sete campos de concentração foram criados pelos bolcheviques, para aprisionar os rebeldes presos(50 mil prisioneiros passaram por esses campos, a maioria mulheres e crianças).

A revolta chegou ao fim no final de 1921, e cerca de 200 mil camponeses foram mortos. Em 24/06/1922, Alexander Antonov foi assassinado pela Cheka, a policia política dos bolcheviques.

(Sobre a Rebelião de Tambov, procurem na wikipédia em espanhol, o verbete Rebelión de Tambov)

A REVOLTA DE KRONSTADT

Em fevereiro de 1921, eclodiu uma greve em Petrogrado. O motivo era a fome, causada pelo fracasso da desastrosa política do "Comunismo de Guerra". Então no mês seguinte, o soviet dos marinheiros de Kronstadt se rebelou, em apoio a greve de Petrogrado.

Os marinheiros do porto de Kronstadt - revolucionários de primeira hora, chamados por Trotsky de "honra e glória" da Revolução - se amotinaram contra o governo bolchevique. Uma de suas manifestações, o documento "Por que nós combatemos", dá uma idéia de como os princípios da revolução operária tinham sido traídos:

"Ao fazer a Revolução de Outubro, a classe operária esperava obter sua emancipação. Mas o resultado foi uma escravidão ainda maior da individualidade humana. O poder da monarquia policialesca passou à mão dos usurpadores - os comunistas - que, em lugar de dar liberdade ao povo, reservou-lhe o medo dos cárceres da Tcheka, cujos horrores ultrapassam em muito os métodos da gendarmeria czarista. [...] Tornou-se cada vez mais claro, e hoje torna-se evidente, que o Partido Comunista não é, como fingiu ser, o defensor dos trabalhadores. Os interesses da classe operária lhes são estranhos. Depois de haver conquistado o poder, há apenas uma preocupação: não perdê-lo."

Sublevados, em março de 1921, os marinheiros de Kronstadt estavam prontos para pegar em armas contra os comunistas, declarando: "Aqui [em Kronstadt] foi içada a bandeira da revolta contra a tirania dos três últimos anos, contra a opressão da autocracia comunista que fez empalidecer os três séculos de jugo monarquista. [...] É aqui em Kronstadt que foi lançada a pedra fundamental da Terceira Revolução, que romperá as últimas amarras do trabalhador e lhe abrirá o novo e grande caminho da edificação socialista".

Ironicamente, essa terceira Revolução foi massacrada por Trotsky, que era o comandante supremo do Exército Vermelho e assinou a ordem para reprimir os revoltosos. Entretanto a ironia da História é que anos mais tarde, em 1927, ele também iria se rebelar contra a ditadura do Partido Comunista. Como os marinheiros de Kronstadt, ele também seria massacrado treze anos depois, em 1940, quando foi assassinado por um agente stalinista no México, onde encontrava-se exilado.

(Sobre esse heróico levante socialista contra a tirânia bolchevique, vejam http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_de_Kronstadt)

A NOVA POLÍTICA ECONOMICA

"O socialismo não pode ser imposto por decreto: é um processo em desenvolvimento". (Salvador Allende)

Felizmente os bolcheviques corrigiram esse erro ao estabelecer a Nova Política Economica, cuja sigla em inglês é NEP. Uma economia mista, onde o mercado e a planificação economia coexistem, com a propriedade coletiva estatal sendo implementada nos setores estratégicos, enquanto a pequena e média propriedade privada continuam funcionando em outros setores, especialmente na agricultura, sobre a regulação do Estado.

Mas infelizmente a burocracia já existente e a própria cultura do bolchevismo não permitiram que essa política fosse consolidada. Então em 1928, Stalin promoveu uma 'guinada esquerdista', adotando a coletivização forçada no campo, restabelecendo dessa forma a política equivocada de construção do socialismo por decreto, promovendo assim a ruptura da aliança operário-camponesa, o que levou a burocracia ao poder absoluto. Esses dois fatores, ausência de democracia e completa estatização da economia, constituem a base da burocratização do Estado soviético, e consequentemente dos demais Estados que seguiram esse modelo, o que levou a derrota da primeira experiência de construção do socialismo.

O socialismo não pode ser construido por decreto, precisa ser construido processualmente, como a própria história comprova ao observarmos o sucesso da Nova Política Economica, adotada entre 1921 e 1928. Uma economia mista, onde o mercado e a planificação democrática da economia coexistem, com a propriedade coletiva(e não somente estatal) sendo implementada nos setores estratégicos, enquanto a pequena e média propriedade privada continuam funcionando em outros setores, sobre a regulação do Estado.

"O socialismo não pode, nem deve eliminar o mercado de imediato. Precisará conviver com o mercado e tirar proveito dele durante um tempo certamente longo. Só que, para ser compatível com o socialismo, precisará ser um mercado regulado, direcionado pelo planejamento do Estado e refreado no que se refere aos aspectos socialmente negativos." (Jacob Gorender; em Teoria e Debate nº 16)

O socialismo precisa ser refundado, com a esquerda eliminando toda herança autoritária oriunda da cultura bolchevique. Devemos ter consciência que socialismo sem liberdade, não é socialismo.

"Se sem democracia não há socialismo, tampouco há democracia plena e consolidada sem socialismo, ou seja, sem a superação da sociedade de classes, fundada na exploração e na alienação. O socialismo não é um abstrato "conjunto de valores" que orientaria a utópica tarefa de "melhorar" o capitalismo: o socialismo — ou, mais precisamente, o comunismo — é uma nova e inédita ordem social, na qual, "no lugar da velha sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classe, surge uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é pressuposto para o livre desenvolvimento de todos". De resto, continuo convencido de que o necessário reexame da herança do "leninismo" e do bolchevismo não deve se confundir de nenhum modo com o abandono do marxismo, confusão e abandono, infelizmente, também hoje em moda." (Carlos Nelson Coutinho; in "Contra a corrente")

Nenhum comentário: