sábado, 24 de outubro de 2009

Quatro aniversários - Cristovam Buarque

Quatro aniversários
Cristovam Buarque

Comemoramos dois aniversários no mesmo dia 16 de julho. Nos Estados Unidos, os 40 anos da partida dos primeiros humanos em direção à Lua; no Brasil, o primeiro aniversário da sanção da Lei do Piso Salarial Nacional para os professores. Ao pisar o solo lunar, o primeiro astronauta disse que dava um pequeno passo para ele, mas um grande salto para a humanidade. De fato, para aquele passo ser dado, foram necessários séculos de educação e pesquisas científicas e tecnológicas.


Foram a ciência e a tecnologia norte-americanas que levaram os primeiros homens à Lua, em consequência de séculos de investimentos em educação. Enquanto os EUA investiam em educação desde os primeiros colonizadores, o Brasil seguiu na direção contrária. Quarenta anos depois da conquista da Lua e das viagens espaciais além do sistema solar, o Brasil ainda não tem suas crianças em escolas com a qualidade necessária. Em consequência, não tem um nível científico e tecnológico capaz de concorrer internacionalmente.

Só em 2008, décadas depois da conquista da Lua, o governo brasileiro criou um piso salarial para os professores e, mesmo assim, esse piso ainda não é cumprido, porque cinco governadores entraram na Justiça para que fosse declarado inconstitucional.

Pouco se fez pela educação no país desde a colonização. Aumentou-se o número de matrículas — mas não de frequência — conclusão, assistência, aprendizado e permanência. Foram criados fundos como o Fundef e o Fundeb, mas o investimento anual na escola pública continua de R$ 1,5 mil por aluno. Criou-se, há um ano, o piso, mas com o valor de R$ 950, quando deveria ser entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, por mês. Foram construídas escolas, mas elas não foram equipadas — 20 mil delas nem luz e água têm. Nesses 40 anos, a economia brasileira saltou de um país pobre a uma potência com R$ 2,889 trilhões de renda nacional, mas o Brasil continuou como um dos últimos países do mundo em educação.

Nesse ritmo, vamos comemorar os 100 anos da chegada do homem à Lua antes de termos todas as nossas crianças em escolas bonitas, bem equipadas, que funcionem em horário integral e os professores entre as mais bem remuneradas e respeitadas categorias profissionais.

Sem o piso satisfatório, o bom salário e a boa formação para os professores, não será possível a escola com qualidade. E, sem isso, não vamos ter um bom sistema universitário e, consequentemente, não teremos a ciência e a tecnologia de que o país precisa para alcançar o desenvolvimento.

Trinta anos atrás, a Índia e a China estavam em posição inferior ao Brasil no que se refere ao potencial econômico e às possibilidades de desenvolvimento científico e tecnológico. Hoje, a China já colocou homens no espaço e a Índia já enviou uma nave não tripulada até a órbita da Lua.

Neste mês também comemoramos 15 anos do Plano Real. Poucos acreditaram, em 1994, que o país ia parar uma inflação que durava décadas. Mas um bom plano e o envolvimento da população fizeram com que o Brasil vencesse a inflação.

O Brasil vai comemorar o cinquentenário de Brasília em 2010. Outros países, inclusive os EUA, criaram capitais, mas nenhum outro conseguiu construir a capital tão distante dos centros já habitados, nem fazê-la crescer na velocidade com que o Brasil conseguiu.

Quando os norte-americanos colocaram os primeiros homens na Lua, Brasília tinha 9 anos, era ainda um projeto em construção. Nesses quarenta anos, saímos de um povoado sobre um desenho urbanístico e construímos uma metrópole. Do ponto de vista do esforço físico e econômico, a consolidação de Brasília não é um feito menor do que enviar um homem à Lua, mas, do ponto de vista do esforço intelectual, não há comparação entre os dois feitos.

Qualquer país com vontade coletiva pode fazer uma nova capital em poucas décadas, como Turquia, Nigéria, Cazaquistão. Mas para realizar o desenvolvimento científico e tecnológico do envio de uma nave tripulada até a Lua é preciso o esforço intelectual que começa com a educação de qualidade de todas as crianças. O Brasil ainda não quis dar esse salto.

Ficamos para trás porque até hoje não manifestamos com vigor a vontade de fazer uma revolução na educação de base e fazer os investimentos necessários em ciência e tecnologia. Nesse ritmo, vamos continuar apenas assistindo, de longe, às comemorações dos outros países que, por terem investido em educação, conquistaram a Lua.

Cristovam Buarque é senador pelo PDT/DF

artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 25/7/2009

Nenhum comentário: