quinta-feira, 22 de outubro de 2009

MARXISMO

"A história da sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes".
(Karl Marx e Friedrich Engels; Manifesto do Partido Comunista)


Os filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels foram os fundadores do "socialismo científico". Receberam a influência dos economistas clássicos ingleses(Adam Smith e David Ricardo), e dos filósofos alemães Hegel e Ludwig Feuerbach.

Marx e Engels afirmavam que a história de todas as sociedades humanas é movida pela luta de classes, e na atual sociedade capitalista essa luta é travada pelas classes dominadas(proletariado e campesinato) contra a classe dominante(burguesia). Essa luta acabará resultando em uma revolução socialista, onde o proletariado vai assumir o poder e se tornar a classe dominante, impondo a sua ditadura sobre os elementos pertencentes a antiga classe dominante, enquanto houver burgueses que buscando fazer uma contra-revolução.

Eram internacionalistas, afirmando que o proletariado não possui nação, fazendo uma convocação revolucionária aos trabalhadores de todo mundo para se unirem e assim fazer a revolução.

"Proletários de todos os países, uni-vos!"
(Karl Marx e Friedrich Engels; Manifesto do Partido Comunista)


A DITADURA DO PROLETARIADO SEGUNDO MARX E ENGELS

Quando Marx e Engels escreveram o Manifesto do Partido Comunista, em dezembro de 1847, a classe trabalhadora vivia em estado de semi-escravidão. A jornada de trabalho era acima das 14 horas diárias, não havia férias e os trabalhadores ganhavam apenas o mínimo necessário para sobreviver. O voto era censitário, ou seja, apenas quem tinha propriedade e pagava impostos podia votar, portanto os trabalhadores estavam completamente excluidos do processo político. Havia então uma verdadeira "ditadura da burguesia".

"Marx partiu do reconhecimento da realidade da ditadura da burguesia sobre e contra o proletariado no início da industrialização européia. Ditadura brutal, opressora, escravizadora e alienadora, que Lenin chamou de ditadura da burguesia ou dos proprietários do capital. E partiu também da experiência inovadora e trágica da Comuna de Paris. O ato emancipador dos oprimidos, segundo Marx, não é possível sem que haja ruptura. Ruptura não necessariamente cruenta, mas certamente epistemológica, isto é, de paradigma e de práxis do poder (visão e sua prática, conceito e sua implementação). A experiência de Marx e Engels em relação à burguesia do seu tempo lhes deu a convicção de que esta ruptura não poderia ser senão violenta."

(Marcos Arruda; em "Nota sobre a polêmica em torno da democracia e da ditadura do proletariado")


Ao defender a ruptura revolucionária, Marx e Engels afirmavam que os trabalhadores após tomarem o poder, deveriam construir a ditadura do proletariado. Entretanto ao contrário do que ocorreu nas fracassadas experiências socialistas do século passado, essa ditadura não deveria ser um regime totalitario de partido único, mas sim um regime temporário de transição, no intuito de eliminar toda infraestrutura e superestrutura capitalista, impedindo uma contra-revolução. Esse regime deveria garantir a mais ampla democracia para os trabalhadores.

"A ditadura do proletariado constitui-se na transição para atingir uma sociedade sem classes." (Karl Marx; em carta para Joseph Weydemeyer - 15 de março de 1852)

Com o desenvolvimento do socialismo, a propriedade dos meios de produção, distribuição e troca seriam socializadas, passando a pertencer a todos os produtores, eliminando assim a propriedade privada. Nesse processo, as classes sociais também iriam desaparecer, incluindo o proletariado, e quando isso acontecesse, o Estado seria dissolvido, pois segundo a filosofia marxista, o Estado existe para garantir o domínio da classe dominante. Sem classe dominante, não é mais necessário a existência do Estado, pois todos são iguais e vivem livre e fraternalmente.

"Elemento essencial da compreensão do conceito de transformação do Estado, em Marx, são as fases deste processo. Primeira fase, tomada do poder do Estado pela classe proletária - hoje, pelo conjunto das classes que vivem do seu trabalho, saber e criatividade. Segunda fase, instalação de um aparelho de Estado a serviço da emancipação, desalienação e empoderamento das classes trabalhadoras; entenda-se, no contexto atual, a serviço da reconquista da soberania nacional e popular, por meio da edificação da democracia integral, direta, eficaz e efetiva, de uma relação solidária e irmã com outros povos e com o meio natural. Terceira, a superação do Estado e do seu aparelho por um modo de representação capaz de orquestrar a diversidade sem feri-la nem eliminá-la, e superando toda forma patriarcal e hierárquica de poder.

Os elementos básicos da 'ditadura do proletariado' são sua transitoriedade, a demolição jurídica do sistema de propriedade e o estabelecimento de uma ordem em que "os produtores governam a si próprios". Portanto, uma revolução política que tem seu fundamento numa revolução econômica e jurídica. (...)

A verdadeira chave da visão de Marx, e também de Engels, é o estabelecimento de "uma constituição democrática" e uma realidade socioeconômica coerente com ela (1); isto implica, passageiramente, a hegemonia, inclusive político-militar, da classe social das trabalhadoras/es sobre a antiga classe dominante. Implica igualmente um processo, que eu entendo como gradual, de autoempoderamento do mundo do trabalho e de sua emancipação do trabalho, saber e criatividade humanos, através da posse compartilhada dos bens e recursos produtivos: a cooperação. Portanto, democracia econômica como fundamento da democracia política. Democracia do mundo do trabalho como a face positiva da 'ditadura revolucionária do proletariado', enquanto capitalistas houver que tentem reconquistar seus privilégios e seu status de opressores. Não é legítimo, portanto, entender o conceito de ditadura do proletariado fora do seu contexto histórico e da semântica que lhe atribui Marx."

(Marcos Arruda; em "Nota sobre a polêmica em torno da democracia e da ditadura do proletariado")


O marxismo não defende políticas terroristas como fizeram os bolcheviques, ditadura de partido único e outros desvios promovidos pelo modelo bolchevique, desvios que acabaram originando o totalitarismo stalinista.

"Das muitas leituras de Marx que tenho feito ao longo da vida, extraí a convicção de que para ele democracia se aprende fazendo. Não é um partido de tipo leninista ou stalinista que vai poder 'ensinar' democracia a ninguém. Nem é um Estado centralizador e opaco."

(Marcos Arruda; em "Nota sobre a polêmica em torno da democracia e da ditadura do proletariado")


(1)"... o primeiro passo na revolução operária é a ascensão do proletariado à categoria de classe dominante, a conquista da democracia" (Marx, 1848: 181). "Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de transformação revolucionária de uma para a outra. A este período corresponde também uma fase de transição política, em que o Estado não será outra coisa senão a ditadura revolucionária do proletariado." Marx se exprime com esta veemência marcado pela memória tragicamente inspiradora da Comuna de Paris. Eleita por sufrágio universal, a Comuna era o "governo dos produtores por eles próprios", a "forma política enfim encontrada que permitiria realizar a emancipação econômica do Trabalho", o "fermento para extirpar as bases econômicas sobre as quais se funda a existência das classes e, portanto, a dominação de classe." (Marx, 1875: 1429) "Seu projeto era substituir o sistema do capital pela produção cooperativa, regida por um plano comum", diz na nota seu comentarista, Maximilien Rubel (p. 1722). E Marx prossegue: "Desde já, o partido (operário alemão) não devia esquecer o essencial, isto é: todas estas belas coisinhas implicam o reconhecimento do que se chama a soberania popular, e não estão no seu lugar senão numa República Democrática." (Marx, 1875: 1430).

(Nota encontrada no texto "Nota sobre a polêmica em torno da democracia e da ditadura do proletariado")


O socialismo marxista hoje

O mundo mudou, não vivemos mais no século XIX. Desde a publicação do Manifesto Comunista, em fevereiro de 1848, os trabalhadores se organizaram e lutaram por seus direitos, conquistando vitórias que promoveram a democratização do capitalismo. O voto tornou-se universal, os partidos operários e sindicatos foram legalizados, foi conquistado o direito de greve, férias remuneradas, jornada de trabalho de 8 horas diárias, seguro desemprego, licença maternidade para as mães trabalhadoras, melhores salários e condições humanas de trabalho, etc. Junto a isso, ocorreram mudanças estruturais no capitalismo, como Marx já havia teorizado no Livro 1 de O Capital. Portanto mudaram os paradigmas da luta de classes, motivo pelo qual não faz mais o menor sentido a esquerda continuar defendendo a ditadura do proletariado, inclusive o cientista político Carlos Nelson Coutinho, um dos mais importantes intelectuais marxistas de nosso país, afirmou que "ditadura do proletariado foi um dos termos menos felizes de Marx", o que concordo plenamente. O historiador Jacob Gorender, também afirmou praticamente o mesmo, em entrevista publicada na Teoria e Debate nº43: "o conceito de ditadura se presta a tantas confusões, que não vale a pena insistir nele".

"Por um lado, a progressiva passagem da exploração do trabalho através da mais-valia absoluta (da redução do salário e do aumento da jornada de trabalho) para a exploração através da mais-valia relativa (do aumento da produtividade) - uma passagem amplamente teorizada por Marx no Livro 1 de O Capital, publicado em 1867 - alterou as condições em que se trava a luta de classes: ela não mais ocorre num quadro em que a acumulação do capital leva necessariamente ao empobrecimento absoluto do trabalhador, mas torna possível um aumento simultâneo de salários e lucros; com isso, a luta de classes pode assumir formas mais institucionalizadas, que não podem ser equiparadas a uma "guerra civil". E, por outro lado, em estreita correlação com essa alteração infra-estrutural, ocorreu uma crescente "socialização da política" (conquista do sufrágio universal, criação de sindicatos e partidos operários de massa), a qual forçou o Estado capitalista a se abrir para outros interesses que não os da classe dominante, com o que - sem deixar de ser um Estado de classe - ele não mais pode ser definido como um mero "comitê executivo" da burguesia. Ao lado da coerção, gestaram-se também mecanismos de tipo consensual. Tudo isso, finalmente, motivou uma nova concepção da revolução socialista: essa pode agora ser imaginada não mais sob a forma de uma "explosão violenta" concentrada num curto lapso de tempo, como ainda o faz o Manifesto, mas sim de um movimento processual, de longa duração, que opera nos espaços progressivamente abertos pelas instituições liberal-democráticas (as quais, de resto, resultam em grande parte das lutas dos trabalhadores)."

(Carlos Nelson Coutinho; em "Grandezas e Limites do Manifesto Comunista")


Entretanto foi o dirigente comunista italiano Enrico Berlinguer, falecido em 1984, o primeiro a defender a tese da democracia como valor universal, originando o chamado "eurocomunismo". Partindo das reflexões de Antonio Gramsci sobre a revolução no Ocidente como revolução que arde em 'fogo lento', Enrico Berlinguer concluiu que a luta pela hegemonia torna possível que o socialismo seja construido pela via democrática, através de uma revolução processual. O socialismo portanto não somente deve ser radicalmente democrático, mas também construido pela via democrática.

"Herdeiro das melhores tradições do comunismo italiano de Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti, Enrico Berlinguer (1922-1984) engajou-se, do início dos anos setenta até a sua morte em 1984, na defesa de um projeto de socialismo entendido como o ápice das conquistas democráticas nas esferas socio-econômica e político-ideológica, um projeto capaz de recuperar a liberdade perdida no decorrer das experiências revolucionárias socialistas do século XX. Um momento marcante da luta do então secretário-geral do Partido Comunista Italiano (PCI) deu-se no ano de 1977, em Moscou, durante as comemorações dos sessenta anos da Revolução Russa, quando, diante de centenas de dirigentes comunistas da URSS e de todas as partes do mundo, Berlinguer fala da necessidade de se pensar a "democracia como um valor universal". (Marco Mondaini)

O eurocomunismo fez do PCI, o maior partido comunista do Ocidente, o que acabou promovendo a mobilização do terror de extrema-direita e até mesmo de extrema-esquerda, contra a possibilidade real dos comunistas chegarem ao poder pela via democrática, através do voto. Por isso o assassinato de Aldo Moro, um político centrista que estava buscando junto com os comunistas, construir uma aliança que unindo os democratas cristãos e o PCI, levasse a Itália ao progresso social e a plena democracia, o que abriria o caminho para uma revolução processual rumo ao socialismo com liberdade.

Os eurocomunistas nunca chegaram ao poder, mas iniciaram uma nova cultura política na esquerda, não somente na Europa. Influenciaram os sandinistas na Nicarágua, e os petistas aqui no Brasil. E na URSS, influenciaram Mikhail Gorbachev na realização de reformas que deveriam promover a completa desestalinização do socialismo soviético. Infelizmente essas reformas fracassaram, uma vez que o socialismo soviético já estava degenerado demais, não suportando mais nenhuma possibilidade de reforma. Aquela porcaria, oriunda dos graves erros do bolchevismo, só poderia mesmo desabar, como acabou desabando.

Em entrevista a revista Teoria e Debate nº 51, o cientista político Carlos Nelson Coutinho, um dos mais importantes intelectuais marxistas de nosso país, e um dos responsáveis pela divulgação da obra de Gramsci e de Lukács aqui no Brasil, fundador e dirigente do PSOL - Partido Socialismo e Liberdade, respondeu a seguinte pergunta: "Há algo anacrônico na perspectiva expressa no Manifesto Comunista?"

Carlos Nelson Coutinho: "Há duas coisas: as teorias do Estado e da revolução. A teoria do Estado como simplesmente o comitê executivo da burguesia, que se vale apenas da opressão como recurso de poder; e a idéia da revolução como uma guerra civil oculta que explode violentamente. Em 1848, a maior parte da Europa ainda estava sob o absolutismo; e, onde havia liberalismo, havia voto censitário, ou seja, os parlamentos eram eleitos apenas pelos proprietários. Era então correto dizer que o Estado não passava de um comitê executivo da burguesia. Mas, já na segunda parte do século XIX, começou a se dar uma socialização da política: o sufrágio tornou-se cada vez mais universal, foram criados partidos políticos de massa, os sindicatos puderam se organizar legalmente. No prefácio que escreveu em 1895 para a reedição de ' Luta de Classes na França' de Marx, Engels – no ano de sua morte – já revela ter se dado conta desta socialização da política e, portanto, da necessidade de rever os conceitos que ele e Marx haviam formulado por volta de 1848.

Mas foi Gramsci, em seus 'Cadernos do Cárcere', quem efetivamente elevou a conceito esta nova constelação histórica. Gramsci chama de "sociedade civil" as organizações que resultam desta socialização da política: sindicatos, partidos, associações em geral etc. E, em função disso, reelaborou a teoria marxista do Estado. Gramsci criou uma nova teoria marxista do Estado. Ela é marxista porque continua dizendo que o Estado é, em última instância, ainda que não mais em primeira, um Estado de classe. Mas o modo pelo qual ele hoje é um Estado de classe é diferente. O Estado se tornou um Estado ampliado: é obrigado a levar em conta, enquanto momento da constituição das relações de poder na sociedade, os organismos da sociedade civil. A forma pela qual o Estado opera hoje não é mais só por meio da violência, mas também da persuasão e do consenso."


É necessário portanto construir um novo projeto socialista, de conteúdo ético-humanista e cuja base teórico-filosófica atenda às enormes possibilidades criadoras do homem. Um socialismo radicalmente democrático, onde a satisfação das necessidades seja apenas o meio para atingir nosso objetivo principal: a liberdade.

Nenhum comentário: