quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Socialismo e liberdade

A esquerda parece não ver nenhuma relação entre as concepções teórico-políticas de Lenin e toda evolução posterior das experiências pós-revolucionárias. Não fosse o maldito Stalin, certamente estaríamos no paraíso socialista.

Ora, ninguém pode subestimar o papel nefasto que Stalin cumpriu na história, mas atribuir a ele esta importância é, no mínimo, um simplismo que exige uma grande dose de boa vontade para convencer a nós mesmos. Stalin jamais poderia ter sido o que foi se a maioria dos socialistas na Rússia e no mundo não o tivessem apoiado entusiasticamente. E todos eram comunistas teoricamente referenciados no marxismo-leninismo (ou não?).

Mesmo aqueles que se opuseram ao stalinismo, como foi o caso de Leon Trotsky, na verdade defendiam o mesmo modelo totalitario e burocratico de socialismo. A oposição baseava-se no fato de Trotsky defender a exportação da revolução para a Europa Ocidental, enquanto Stalin defendia que o socialismo deveria ser construido primeiramente na Rússia. Fora isso, era apenas um duelo de egos. Tanto é verdade que as mesmas políticas adotadas por Stalin à partir de 1928, quando estabeleceu a completa estatização da economia, com a coletivização forçada no campo e a rápida industrialização nas cidades, acompanhada pela militarização do trabalho e estatização dos sindicatos, eram as mesmas políticas que Trotsky também defendia.

"A discussão em torno do papel do Estado, sua relação com os sindicatos, a autonomia da classe operária nada disso fora palavrório oco. Lênin, com a NEP, propunha agora um outro caminho, com maior liberdade para a cidade e o campo, recuperando o papel do mercado, compreendendo que o capitalismo ainda tinha fôlego para se desenvolver numa sociedade que ele acreditava estar caminhando para o socialismo. Trotsky tinha outra visão, que mais tarde, ironicamente, será integralmente adotada por seu mais visceral inimigo, Stalin. Está certo Deutscher quando afirma não haver praticamente nenhum aspecto do programa sugerido por Trotsky em 1920-21 que Stalin não tenha usado durante a industrialização acelerada da década de 1930. Adotou o recrutamento forçado, subordinou os sindicatos, estimulou a disputa de produção entre os trabalhadores, na linha do taylorismo soviético defendido por Trotsky."

(Emiliano José; em "Trotsky: do pomar para a Revolução")


A crise do socialismo é bem mais profunda do que a maioria da esquerda admite. Assumir a gravidade desta crise é o primeiro passo necessário para superarmos o impasse.

O que fracassou no Leste Europeu, e nos outros países do chamado 'socialismo real', foi um determinado tipo de socialismo, cujos pressupostos teórico-filosóficos estavam contidos no marxismo-leninismo.

A crítica de Rosa Luxemburgo ao leninismo

Frei Betto enfatiza a importância de se levar em conta a subjetividade das pessoas para constituir uma sociedade socialista onde elas se sintam satisfeitas. Vejo como fundamentais as elaborações neste sentido, pois uma grande parte da esquerda continua raciocinando em cima de esquemas mecanicistas e objetivistas, como se a especificidade humana não existisse. Frei Betto conclui que houve "desvios do burocratismo e do stalinismo" em relação às concepções de democracia em Marx e Lenin.

É verdade que o stalinismo teve desvios em relação às concepções leninistas. Mas o que deve ser discutido é se as concepções de democracia em Lenin eram corretas, se não permitiram o desenvolvimento desses desvios.

Dentro do marxismo clássico - e também em Lenin -, a classe operária é portadora do universal, porque quando se emancipa, está emancipando o conjunto da sociedade. O problema é que Lenin não acredita na capacidade da classe operária para exercer o poder na fase inicial de construção do socialismo. Os trabalhadores, segundo Lenin, "não se desembaraçarão facilmente de seus preconceitos pequeno-burgueses", precisando ser "reeducados sobre a base da ditadura do proletariado". Este poder deveria ser exercido pela vanguarda da classe - já livre da ideologia burguesa -, isto é, pelo partido desta classe. Assim, a fórmula leninista da ditadura do proletariado acaba resultando na ditadura do partido do proletariado, pois os interesses históricos de partido e classe são os mesmos, com a diferença de que o conjunto da classe ainda não descobriu sua "missão histórica", a ser revelada pelo partido.

Neste ponto, é importante frisar, não houve um desvio do stalinismo em relação ao leninismo, mas sim sua continuidade, com todos os agravantes da personalidade autoritária de Stalin.

O stalinismo portanto não foi resultado de nenhuma "contra-revolução burocratica", e sim resultado dos graves erros existentes no modelo marxista-leninista, conhecido como bolchevique, ou seja, no modelo socialista desenvolvido por Vladimir Lenin.

A revolucionária marxista Rosa Luxemburgo sempre criticou Lenin e o bolchevismo. No clássico "Questões de organização da social-democracia russa", Rosa criticou o modelo autoritario de partido defendido por Lenin.

"Num artigo famoso de 1904, intitulado 'Questões de organização da social-democracia russa', Rosa Luxemburgo critica a concepção leninista do partido como uma vanguarda centralizada e disciplinada de revolucionários profissionais, separada da grande massa dos trabalhadores, que teria por função dirigi-los. Contra Lenin, para quem a consciência de classe é levada de fora aos trabalhadores por essa vanguarda de revolucionários profissionais (já que para ele os próprios trabalhadores não têm condições por si sós de irem além de seus interesses imediatos, corporativos), Rosa defende a idéia de que a consciência nasce na própria luta, na ação. Para ela não pode haver separação entre o elemento espontâneo e o consciente, a organização e as tarefas a realizar se formam no decorrer da própria luta de classes, não previamente. Ou seja, não são as organizações que desencadeiam o processo revolucionário, mas é a situação revolucionária, a qual depende da conjugação de uma complexa série de fatores econômicos, políticos e sociais, gerais e locais, materiais e psíquicos, que leva à formação do elemento consciente."

(Isabel Loureiro; em "Vida e obra de Rosa Luxemburgo")


O autoritarismo bolchevique se explicitou logo nos acontecimentos relacionados à Assembléia Constituinte. Nas eleições de seus deputados, os bolcheviques só conseguiram 25%, dos 36 milhões de votos. Uma vez que eram absoluta minoria, dissolveram a Assembléia que só se reuniu em uma única sessão, em janeiro de 1918.

Com a eclosão da Guerra Civil em 1918, todos os partidos foram proibidos(com excessão do Partido Bolchevique, rebatizado como Partido Comunista da Rússia). E pior, o Exército Vermelho(bolchevique, ou seja, comunista), combateu não apenas o contra-revolucionário Exército Branco, constituido por oficiais e soldados czaristas, e que tinha o apoio das potências imperialistas(EUA, Grã Bretenha, França, Japão, etc). Combateu também os revolucionários do Exército Makhnovista(anarquistas), formado por camponeses, que haviam desapropriado a burguesia no sul da Ucrânia e promovido a reforma agrária na região. Os revolucionários anarquistas do Exército Makhnovista contribuiram decididamente para a derrota dos contra-revolucionários brancos liderados pelo general Denikin. E mesmo assim foram massacrados pelos vermelhos.

O Exército Vermelho também reprimiu brutalmente levantes camponeses e a revolta do soviet de Kronstadt, ocorrida em março de 1921.

O regime de partido unico, e pior, o totalitarismo, nasceram justamente nesse momento e não após a ascenção de Stalin ao poder. Inclusive Lenin argumenta em "A revolução proletária e o renegado Kautsky", escrito em 1918, que "A ditadura revolucionária do proletariado é um poder conquistado e mantido pela violência, que o proletariado exerce sobre a burguesia, poder que não está preso por nenhuma lei."

Oras, um poder que não está preso por nenhuma lei é um poder totalitario, e pode portanto promover genocidios, como acabou promovendo na era stalinista.

Mesmo apoiando a Revolução de Outubro, inclusive se solidarizando com os bolcheviques, Rosa Luxemburgo não se deixou levar por uma visão acritica, beata, de sacristia, sobre esse processo revolucionário. Pelo contrário, manteve sua critica ao que achava errado no bolchevismo e alertou para os riscos que esse autoritarismo existente na prática dos bolcheviques representava para o futuro da revolução, e dessa forma acabou prevendo o surgimento do stalinismo.

No clássico "A Revolução Russa", escrito em 1918, Rosa Luxemburgo criticou os desvios autoritários promovidos pelos bolcheviques após a vitória da revolução, ocorrida em outubro de 1917, alertando para as consequências desses desvios.

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês [...]".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


Segundo o cientista social Michael Löwy, um dos mais importantes teóricos do marxismo na atualidade: "É difícil não reconhecer o alcance profético desta advertência. Alguns anos mais tarde a burocracia apropriou-se da totalidade do poder, excluiu progressivamente os revolucionários de Outubro de 1917 - antes de, no correr dos anos 30, eliminá-los sem piedade." ( Michael Löwy; em "Rosa Luxemburgo: um comunismo para o século XXI")

Rosa Luxemburgo deixou claro em "A Revolução Russa", que ditadura do proletariado não é a ausência de democracia, muito menos que seja obra de uma minoria agindo em nome da classe trabalhadora.

"A democracia socialista começa com a destruição da dominação de classe e a construção do socialismo. (...) Ela nada mais é que a ditadura do proletariado. Perfeitamente: ditadura! Mas esta ditadura consiste na maneira de aplicar a democracia, não na sua supressão. (...) esta ditadura precisa ser obra da classe e não de uma pequena minoria que dirige em nome da classe..."

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


É evidente portanto que o stalinismo é resultado dos graves erros existentes no próprio bolchevismo. O erro mais grave foi a defesa da ditadura do partido do proletariado(o Partido Comunista) no lugar da ditadura do proletariado, defendida por Karl Marx e por Friedrich Engels.

Outro erro foi a manutenção da "prisão dos povos", que era o Império Czarista. O isolamento da URSS não se explica somente pelo fracasso da revolução na Europa Ocidental, mas principalmente devido a manutenção da "prisão dos povos" em uma união soviética forçada.

Outro erro foi a tentativa de construir o socialismo por decreto, estabelecendo a completa estatização da economia e o sistema de requisições forçadas de todo excedente agricola. O chamado "Comunismo de Guerra" acabou promovendo a ruptura da aliança operário-camponesa, contribuindo ainda mais para a burocratização do estado soviético e para a consolidação do regime autoritário.

"Até certo ponto, era inevitável que, uma vez refluída a primeira vaga revolucionária na Europa ocidental, a burguesia ganhasse um período de respiro. Mas, provavelmente, não era inevitável que um processo autodestrutivo começasse a atingir a Revolução Russa a partir de 1918. E a verdade é que já nesse ano os bolcheviques começam a falhar em dois pontos, que todos esperavam que a revolução fosse resolver: o desmantelamento da prisão dos povos, que era o império czarista, e a realização de uma aliança operário-camponesa, questão importantíssima numa época em que o campesinato ainda tinha grande peso em muitas regiões do mundo.

A prisão dos povos foi mantida contra as nações islâmicas do ex-império czarista e contra os povos do Cáucaso em geral. Isso destruiu os movimentos islâmicos favoráveis aos bolcheviques ; e, com isso, o Império Britânico ficou com suas mãos livres para prosseguir sua política colonial no Oriente Médio e na Índia. Parte do famoso isolamento da Revolução russa veio daí, e não apenas dos acontecimentos na Europa.

Por outro lado, a aliança operário-componesa foi arruinada pelo sistema de requisições forçadas, imposto aos camponeses russos. Estes estavam dispostos a pagar um tributo à revolução (em percentagem da colheita), porque não queriam perder suas terras, permitindo uma restauração czarista, mas não queriam entregar todo o excedente agrícola, arbitrado segundo critérios extorsivos pelos agentes do poder soviético vindos da cidade.

Não é possível examinar aqui em detalhes as circunstâncias que deram origem a tais políticas desastrosas. No entanto, para entender a evolução posterior da URSS — e do movimento socialista — não se pode deixar de levar em conta que, desde o comunismo de guerra (o período entre 1918 e 1921), foram assentadas as bases da tendência à evolução não-democrática do processo político na URSS. Os camponeses constituíam 80 por cento da população russa. Não há democracia possível em conflito com tão grande parte da população; assim como não era possível que a manutenção da prisão dos povos através de uma união soviética forçada, deixasse de levar à russificação do novo Estado."

(Vitor Letízia; em "A era do retrocesso: as esquerdas e as guerras no século XX")



A DITADURA DO PROLETARIADO SEGUNDO MARX E ENGELS

Quando Marx e Engels escreveram o Manifesto do Partido Comunista, em 1848, a classe trabalhadora vivia em estado de semi-escravidão. A jornada de trabalho era de até 16 horas diárias, não havia férias e os trabalhadores ganhavam apenas o necessário para sobreviver. O voto era censitário, ou seja, apenas quem tinha propriedade podia votar e ser eleito, portanto os trabalhadores estavam completamente excluidos do processo político. Havia então uma verdadeira "ditadura da burguesia".

"Marx partiu do reconhecimento da realidade da ditadura da burguesia sobre e contra o proletariado no início da industrialização européia. Ditadura brutal, opressora, escravizadora e alienadora, que Lenin chamou de ditadura da burguesia ou dos proprietários do capital. E partiu também da experiência inovadora e trágica da Comuna de Paris. O ato emancipador dos oprimidos, segundo Marx, não é possível sem que haja ruptura. Ruptura não necessariamente cruenta, mas certamente epistemológica, isto é, de paradigma e de práxis do poder (visão e sua prática, conceito e sua implementação). A experiência de Marx e Engels em relação à burguesia do seu tempo lhes deu a convicção de que esta ruptura não poderia ser senão violenta."

(Marcos Arruda; em "Nota sobre a polêmica em torno da democracia e da ditadura do proletariado")


Ao defenderem a ruptura revolucionária, Marx e Engels afirmaram que os trabalhadores após tomarem o poder, deveriam construir a ditadura do proletariado. Ao contrário do que ocorreu nas fracassadas experiências socialistas do século passado, essa ditadura não deveria ser um regime totalitario de partido único, mas sim um regime democrático para os trabalhadores.

A concepção leninista é que deu início a degeneração do marxismo, transformando a ditadura do proletariado em ditadura do partido comunista.

"Elemento essencial da compreensão do conceito de transformação do Estado, em Marx, são as fases deste processo. Primeira fase, tomada do poder do Estado pela classe proletária - hoje, pelo conjunto das classes que vivem do seu trabalho, saber e criatividade. Segunda fase, instalação de um aparelho de Estado a serviço da emancipação, desalienação e empoderamento das classes trabalhadoras; entenda-se, no contexto atual, a serviço da reconquista da soberania nacional e popular, por meio da edificação da democracia integral, direta, eficaz e efetiva, de uma relação solidária e irmã com outros povos e com o meio natural. Terceira, a superação do Estado e do seu aparelho por um modo de representação capaz de orquestrar a diversidade sem feri-la nem eliminá-la, e superando toda forma patriarcal e hierárquica de poder.

Os elementos básicos da 'ditadura do proletariado' são sua transitoriedade, a demolição jurídica do sistema de propriedade e o estabelecimento de uma ordem em que "os produtores governam a si próprios". Portanto, uma revolução política que tem seu fundamento numa revolução econômica e jurídica. (...)

A verdadeira chave da visão de Marx, e também de Engels, é o estabelecimento de "uma constituição democrática" e uma realidade socioeconômica coerente com ela (1); isto implica, passageiramente, a hegemonia, inclusive político-militar, da classe social das trabalhadoras/es sobre a antiga classe dominante. Implica igualmente um processo, que eu entendo como gradual, de autoempoderamento do mundo do trabalho e de sua emancipação do trabalho, saber e criatividade humanos, através da posse compartilhada dos bens e recursos produtivos: a cooperação. Portanto, democracia econômica como fundamento da democracia política. Democracia do mundo do trabalho como a face positiva da 'ditadura revolucionária do proletariado', enquanto capitalistas houver que tentem reconquistar seus privilégios e seu status de opressores. Não é legítimo, portanto, entender o conceito de ditadura do proletariado fora do seu contexto histórico e da semântica que lhe atribui Marx."

(Marcos Arruda; em "Nota sobre a polêmica em torno da democracia e da ditadura do proletariado")


Portanto não basta ser anti-stalinista, é preciso ser opor ao modelo bolchevique. O leninismo deu inicio a degeneração do marxismo, e a esquerda precisa romper com o leninismo, resgatando o melhor do pensamento marxista e de outras tradições socialistas, na luta por um socialismo renovado, um socialismo com liberdade e democracia.

O historiador marxista Jacob Gorender, um dos maiores intelectuais da esquerda brasileira, condena o bolchevismo e reconhece nos graves erros deste modelo, a causa que originou a bestialidade stalinista.

"O que deixei claro é que não se deve ter um modelo como o do Partido Bolchevique: uma direção de revolucionários profissionais apoiada numa rede de células, organizações e pessoas que não são profissionais, que estão na vida comum, e que se tornam militantes do partido. Esta concepção altamente centralizadora é indissociável do partido único, do autoritarismo e do arbítrio, como ocorreu na União Soviética. O partido único ditatorial já estava implícito na lógica do Partido Bolchevique desde o momento em que ele se propôs a tomada do poder. Rosa Luxemburgo percebeu isso, embora o dissesse de maneira muito simplificada. Da minha parte, militei em partidos inspirados por este modelo e vivi suas contradições.

O modelo bolchevique incorporou, em sua visão da ação política, um centralismo enorme, bem como a idéia de que poderia dirigir sozinho a sociedade. Tomemos, por exemplo, a questão da dissolução da assembléia constituinte na Revolução Russa: o problema não foi tê-la dissolvido, mas não se ter nenhuma proposta democrática alternativa. Os sovietes, desde a tomada do poder, passaram a ser uma correia de transmissão do partido e terminaram esvaziados. Em seguida, os sindicatos e as outras organizações de massa foram se tornando o que Lenin tinha em vista: correias de transmissão do partido único. Quando, em 1921, as tendências foram proibidas dentro do partido bolchevique, a idéia era de que isto seria temporário; mas o temporário se tornou permanente. Essas coisas práticas, mais do que as declarações, formam aquilo que chamo de modelo bolchevique. É isto que deve ser evitado."

(Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 43, onde fala sobre os temas abordados em "Marxismo sem utopia")


A esquerda precisa fazer uma auto-crítica urgente e romper com toda herança oriunda da tradição bolchevique, assumindo a defesa da democracia como valor universal e resgatando o melhor do pensamento marxista, no processo de refundação do ideal socialista.

É necessário construir um novo projeto socialista de conteúdo ético-humanista e cuja base teórico-filosófica atenda às enormes possibilidades criadoras do homem. Um socialismo radicalmente democrático, onde a satisfação das necessidades seja apenas o meio para atingir nosso objetivo principal: a liberdade.

"Das muitas leituras de Marx que tenho feito ao longo da vida, extraí a convicção de que para ele democracia se aprende fazendo. Não é um partido de tipo leninista ou stalinista que vai poder 'ensinar' democracia a ninguém. Nem é um Estado centralizador e opaco."

(Marcos Arruda; em "Nota sobre a polêmica em torno da democracia e da ditadura do proletariado")



(1)"... o primeiro passo na revolução operária é a ascensão do proletariado à categoria de classe dominante, a conquista da democracia" (Marx, 1848: 181). "Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de transformação revolucionária de uma para a outra. A este período corresponde também uma fase de transição política, em que o Estado não será outra coisa senão a ditadura revolucionária do proletariado." Marx se exprime com esta veemência marcado pela memória tragicamente inspiradora da Comuna de Paris. Eleita por sufrágio universal, a Comuna era o "governo dos produtores por eles próprios", a "forma política enfim encontrada que permitiria realizar a emancipação econômica do Trabalho", o "fermento para extirpar as bases econômicas sobre as quais se funda a existência das classes e, portanto, a dominação de classe." (Marx, 1875: 1429) "Seu projeto era substituir o sistema do capital pela produção cooperativa, regida por um plano comum", diz na nota seu comentarista, Maximilien Rubel (p. 1722). E Marx prossegue: "Desde já, o partido (operário alemão) não devia esquecer o essencial, isto é: todas estas belas coisinhas implicam o reconhecimento do que se chama a soberania popular, e não estão no seu lugar senão numa República Democrática." (Marx, 1875: 1430).

(Nota encontrada no texto "Nota sobre a polêmica em torno da democracia e da ditadura do proletariado")

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