quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O SOCIALISMO NO SÉCULO XXI

O mundo mudou, não vivemos mais no século XIX. Quando foi escrito o Manifesto Comunista, havia uma "ditadura da burguesia", uma vez que o voto era censitário, ou seja, só votava quem tinha propriedade. A classe trabalhadora vivia em estado de semi-escravidão, e a questão social era considerada caso de policia. Mas desde a segunda metade do século XIX, graças as lutas heróicas dos movimentos operários e populares, vem ocorrendo uma "socialização da política", com o estabelecimento do voto secreto e universal, legalização dos partidos operários e dos sindicatos, reconhecimento do direito de greve, adoção de uma série de direitos trabalhistas(jornada diária de 8 horas, férias remuneradas de 30 dias, salário mínimo), etc. Com isso a classe trabalhadora conquistou a cidadania, o que ocasionou a democratização do capitalismo, que deixou de ser uma "ditadura da burguesia", motivo pelo qual a esquerda precisa abandonar a defesa da ditadura do proletariado, assumindo em seu lugar a defesa da democracia como valor universal.

Foram os eurocomunistas, principalmente o dirigente eurocomunista italiano Enrico Benlinguer, os primeiros a defender a tese da democracia como valor universal.

"Herdeiro das melhores tradições do comunismo italiano de Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti, Enrico Berlinguer (1922-1984) engajou-se, do início dos anos setenta até a sua morte em 1984, na defesa de um projeto de socialismo entendido como o ápice das conquistas democráticas nas esferas socio-econômica e político-ideológica, um projeto capaz de recuperar a liberdade perdida no decorrer das experiências revolucionárias socialistas do século XX. Um momento marcante da luta do então secretário-geral do Partido Comunista Italiano (PCI) deu-se no ano de 1977, em Moscou, durante as comemorações dos sessenta anos da Revolução Russa, quando, diante de centenas de dirigentes comunistas da URSS e de todas as partes do mundo, Berlinguer fala da necessidade de se pensar a "democracia como um valor universal". (Marco Mondaini)

O cientista político Carlos Nelson Coutinho, professor da UFRJ, é um dos mais importantes intelectuais marxistas de nosso país. Foi o principal responsável pela divulgação da obra de Gramsci e de Luckacs aqui no Brasil, e foi um dos fundadores do PSOL - Partido Socialismo e Liberdade. Foi também um dos primeiros intelectuais marxistas em nosso país, a defender a necessidade urgente de conciliar socialismo e democracia. Escreveu em 1979, o clássico "A Democracia Como Valor Universal".

"Em 1979 publiquei um artigo, A democracia como valor universal. Até hoje me fascina que aquele ensaio, primeiro, tenha provocado reações tão fortes. Mas, segundo, e mais preocupante, que tenha sido lido por muita gente de maneira tão equivocada. Em nenhum momento proponho lá substituir o socialismo pela democracia. Coloco a democracia como caminho para o socialismo. Nunca separei a democracia de socialismo e nem reduzi a democracia ao liberalismo. A democracia que nós, socialistas, queremos construir tem instituições que não fazem parte nem do arcabouço teórico nem da realidade dos regimes puramente liberais.

Hoje, se reescrevesse aquele ensaio, teria posto como título "A democratização como valor universal". O que é valor universal não são as formas concretas que a democracia assume institucionalmente em dado momento, mas o processo pelo qual a política se socializa e, progressivamente propõe novas formas de socialização do poder. Entendo democratização, no limite, como algo que implica a plena socialização do poder – o que, aliás, é um momento fundamental da concepção marxiana do socialismo. Não apenas socialização da propriedade, mas do poder. Exatamente aquilo que o "chamado socialismo real" não fez. E por isso, aliás, ele fracassou.

Vejo, na contra-reforma neoliberal de hoje, fortes tendências no sentido de reduzir a amplitude da democracia e a participação crescente no poder. Há toda uma corrente de pensamento político, numa linha que se inicia com Schumpeter, que reduz a democracia a um método de escolha: por meio de eleições periódicas você escolhe entre diferentes elites, mas quem faz política é a elite. Isso nada tem a ver com democracia. Democracia é algo substantivo, não só no terreno econômico-social, mas no sentido político, pois temos de construir mecanismos que permitam a participação crescente das massas organizadas na gestão do poder. Isso foi tornado possível pelo que eu chamo, com os marxistas italianos, de socialização da política. A socialização do poder tem como pressuposto a socialização da participação política. O fato de conseguirmos o sufrágio universal, de você se organizar em sindicatos, partidos, associações, nesse conjunto que forma a sociedade civil, é o que permite imaginar que, no lugar de um poder de cima para baixo, cada vez mais se coloquem, como efetivos instrumentos de poder, esses organismos constituídos no âmbito da sociedade civil, de baixo para cima.

Nesse sentido, a democracia no Brasil continua a ser, para nós, socialistas, um desafio e uma tarefa: embora seja evidente que elementos de democracia foram conquistados, há ainda muito por realizar. E, no horizonte, devemos ter claro que só há plena democracia no socialismo, porque a divisão da sociedade em classes cria déficits de cidadania, de participação política.(...) Uma das tarefas fundamentais do socialismo do século XXI é recolocar essa clara dimensão democrática. Não há socialismo sem democracia, sem dúvida, mas tampouco há democracia sem socialismo.

Gramsci nos fornece instrumentos decisivos para que repensemos esse momento democrático, o momento de consenso, da hegemonia, como fundamental na construção do socialismo. Nossa tarefa é: onde está a coerção devemos colocar cada vez mais o consenso, participação livre e autônoma das pessoas. Onde está mercado, que é uma forma de coerção, colocar o planejamento econômico democrático, fundado no consenso. E onde está o Estado, entendido como poder coercitivo e autoritário, colocar a participação consensual, o autogoverno. Habermas não está errado quando propõe um espaço de comunicação livre de coerção. Está errado ao achar que isso pode ser feito no capitalismo. Comunicação livre só pode existir no comunismo, numa sociedade sem classes."

(Carlos Nelson Coutinho; em Teoria e Debate nº 51)


Infelizmente muita gente na esquerda é dogmatica, motivo pelo qual não conseguem compreender que o Manifesto Comunista e toda obra de Marx e Engels foram escritas para analisar a realidade do capitalismo existente no século XIX, que não era democrático como é o capitalismo de nossos dias, e por isso continuam a defender a ditadura do proletariado. Mas isso é um erro grave que precisa ser corrigido.

Em entrevista publicada na revista Teoria e Debate nº 51, o cientista político Carlos Nelson Coutinho respondeu a seguinte pergunta: Há algo anacrônico na perspectiva expressa no Manifesto Comunista?

Carlos Nelson Coutinho: "Há duas coisas: as teorias do Estado e da revolução. A teoria do Estado como simplesmente o comitê executivo da burguesia, que se vale apenas da opressão como recurso de poder; e a idéia da revolução como uma guerra civil oculta que explode violentamente. Em 1848, a maior parte da Europa ainda estava sob o absolutismo; e, onde havia liberalismo, havia voto censitário, ou seja, os parlamentos eram eleitos apenas pelos proprietários. Era então correto dizer que o Estado não passava de um comitê executivo da burguesia. Mas, já na segunda parte do século XIX, começou a se dar uma socialização da política: o sufrágio tornou-se cada vez mais universal, foram criados partidos políticos de massa, os sindicatos puderam se organizar legalmente. No prefácio que escreveu em 1895 para a reedição de ' Luta de Classes na França' de Marx, Engels – no ano de sua morte – já revela ter se dado conta desta socialização da política e, portanto, da necessidade de rever os conceitos que ele e Marx haviam formulado por volta de 1848.

Mas foi Gramsci, em seus 'Cadernos do Cárcere', quem efetivamente elevou a conceito esta nova constelação histórica. Gramsci chama de "sociedade civil" as organizações que resultam desta socialização da política: sindicatos, partidos, associações em geral etc. E, em função disso, reelaborou a teoria marxista do Estado. Gramsci criou uma nova teoria marxista do Estado. Ela é marxista porque continua dizendo que o Estado é, em última instância, ainda que não mais em primeira, um Estado de classe. Mas o modo pelo qual ele hoje é um Estado de classe é diferente. O Estado se tornou um Estado ampliado: é obrigado a levar em conta, enquanto momento da constituição das relações de poder na sociedade, os organismos da sociedade civil. A forma pela qual o Estado opera hoje não é mais só por meio da violência, mas também da persuasão e do consenso."

(Carlos Nelson Coutinho; em Teoria e Debate nº 51)


A esquerda precisa assumir a defesa da democracia como valor universal, assim como precisa assumir uma consciência ecológica, promovendo a conciliação do socialismo com a ecologia política, como vem fazendo os chamados "ecossocialistas".

O que é o ecossocialismo?

O ecossocialismo é uma corrente de opinião que atua no interior do movimento ambientalista, tanto no terreno nacional como internacional. Ele é parte do movimento sócio-ambiental, mas se define claramente como anti-capitalista, ao unir a luta ecológica à causa socialista, a partir do marxismo. Assim, o ecossocialismo demarca tanto com os socialistas que não consideram a importância estratégica da luta ecológica, quanto com os ecologistas que não atuam na perspectiva do socialismo.

No Brasil, o ecossocialismo iniciou-se na luta dos trabalhadores da Amazônia, principalmente através de Chico Mendes e do movimento dos seringueiros, que souberam associar a defesa da floresta e a defesa dos direitos dos trabalhadores e dos povos que habitam a Amazônia, ao mesmo tempo em que defendiam uma nova sociedade.

Hoje, o ecossocialismo tem conseguido cada vez mais adesões nos movimentos sociais e na esquerda brasileira. Na Europa e no mundo, ele vem se desenvolvendo, nos últimos trinta anos, a partir da contribuição teórica de marxistas não dogmaticos, cuja critica ao "socialismo real" somada a tomada de consciência ecológica, tem constituido a base para um pensamento socialista, radicalmente democrático e ecológico.

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