quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Os 50 anos da Revolução Cubana




Cuba era uma colônia espanhola, mas foi conquistada pelos EUA em 1898, quando os estadunidenses derrotaram os espanhois na Guerra Hispanico-Americana. Cuba permaneceu ocupada pelos EUA até 1902, sendo liberada depois da aprovação de uma emenda à Constituição cubana que dava o direito, aos EUA, de invadir Cuba a qualquer momento em que os interesses econômicos dos EUA fossem ameaçados. A chamada Emenda Platt permaneceu mantendo Cuba um protetorado estadunidense até 1933.

Fulgêncio Batista, um militar mulato, assumiu o poder após liderar um golpe militar em 1933, e governou o país até 1944. A corrupção tomava conta de Cuba, e o capital proveniente do submundo ítalo-americano (a máfia dos EUA) financiava grande parte da economia cubana. Em 1952, o general Fulgêncio Batista liderou um novo golpe militar e reassumiu o poder, estabelecendo uma ditadura que era submissa aos interesses estadunidenses, inclusive 40% da produção açucareira da ilha era controlado diretamente pelo capital yankee. Isso gerou um grande sentimento de anti-americanismo na população cubana, e no dia 26 de julho de 1953, Fidel Castro - um advogado membro do Partido Ortodoxo - liderou um ataque ao quartel de Moncada. Frustada a tentativa, os rebeldes foram para a prisão e, em maio de 1955, depois de anistiados, foram para o exílio no México.

Cuba era uma espécie de "bordel" dos EUA, inclusive em 1958, havia um total de 500 prostitutas em Havana, sendo a indústria da prostituição a mais rentável da ilha. A prostituição, a corrupção e negociatas caracterizaram a era Batista, e, pouco a pouco, a classe média afastou-se do regime.

Fora de Cuba, Fidel e seu irmão, Raul Castro, conheceram o médico argentino Ernesto "Che" Guevara, e juntos organizaram o movimento 26 de julho, com o claro objetivo de voltar a Cuba a derrubar a ditadura de Batista. Compraram o iate Granma, que partindo do México com cerca de 80 revolucionários, dirigiu-se a Cuba para iniciar a revolução em 2/12/1956.

O desembarque dos revolucionários do iate Granma estava sendo esperado pelas tropas de Fulgênio Batista(o ditador cubano que era "capacho" dos EUA), e marcou-se por uma sangrenta luta que levou à morte a maior parte dos integrantes do movimento.

Fidel, Raul e "Che" conseguiram chegar à Sierra Maestra, de onde passaram a organizar os camponeses para a luta armada. Ao mesmo tempo, os rebeldes buscavam o apoio de setores da burguesia contrário à ditadura de Fulgêncio Batista e que acreditavam em um projeto nacionalista para Cuba, dentro do respeito à propriedade privada. Era assinado, então, o Manifesto de Sierra Maestra, que no ano seguinte, 1958, foi ampliado pela formação da Frente Cívico-Revolucionária Democrática, no qual a burguesia cubana concordava com a luta armada para depor Fulgêncio Batista.

Em outubro de 1958 teve início a "Marcha sobre Havana", que cai em mãos dos rebeldes em 1º de janeiro de 1959. Com a fuga do ditador, montou-se o Governo Provisório, tendo à frente o presidente Manuel Urrutia e o primeiro-ministro Miró Cardona, que no início era apenas reformista. O comandante Fidel Castro substituiu Miró Cardona no cargo de primeiro-ministro em 16 de fevereiro de 1959, e Miró Cardona tornou-se o embaixador de Cuba na Espanha.

São nacionalizadas empresas norte-americanas de petróleo e transporte, reformuladas as políticas de educação e saúde pública, suprimidos os latifúndios e realizada a reforma agrária.

A tensão entre a burguesia e as camadas populares se ampliam na medida em que essas consideravam as reformas precárias em relação às suas necessidades. Logo, o presidente Manuel Urrutia é substituído por Osvaldo Dorticós, o que levou à preponderância dos anseios populares.

As medidas reformistas foram suficientes para provocar o descontentamento norte-americano, que foi impondo uma série de medidas restritivas - como por exemplo o boicote ao açúcar cubano. No final de 1960, Miró Cardona e os setores da burguesia que haviam apoiado a revolução, se unem aos americanos no objetivo de derrubar o governo Fidel Castro. Os anticastristas liderados por Cardona são armados e treinados pela CIA(agência de inteligencia americana), e realizam em abril de 1961, a tentativa de invasão ao território cubano no malogrado desembarque à Baía dos Porcos.

As pressões norte-americanas, em meio à Guerra Fria, culminaram com a expulsão de Cuba da OEA, em 1962. Desse episódio, a URSS aproveita-se para enfraquecer as posições dos Estados Unidos e prometem instalar uma base de mísseis em Cuba, gerando um dos episódios mais tensos da Guerra Fria, quando navios americanos impedem a frota russa de chegar à ilha, em outubro de 1962.

Em troca de pretensa paz mundial, Estados Unidos e URSS assinam um acordo em que a URSS se compromete a não instalar bases de mísseis em Cuba e os Estados Unidos a não tentar invadir novamente a ilha. A partir de então, Cuba passa a vivenciar a primeira experiência socialista da América Latina.

Em 1963, foi criado o Partido Unificado da Revolução Socialista que, em 1965, foi substituído pelo Partido Comunista Cubano.

As conquistas sociais da revolução

A educação é controlada pelo Estado e a Constituição de Cuba determina que o ensino fundamental, médio e superior devem ser gratuitos a todos os cidadãos cubanos.

Em 1958, antes do triunfo da revolução, 23,6% da população cubana era analfabeta e, entre a população rural, os analfabetos eram 41,7%. Após a vitória da revolução, se realiza uma campanha nacional para alfabetizar a população e Cuba torna-se o primeiro país do mundo a erradicar o analfabetismo (Segundo dados do próprio governo). Hoje não há mais analfabetos em Cuba. Segundo o The World Factbook 2007 (1), publicado pela CIA, 99.8% da população cubana, acima de 15 anos, sabe ler e escrever. De acordo com os resultados obtidos nos testes de avaliação de estudantes latino-americanos, conduzidos pelo painel da Unesco, Cuba lidera, por larga margem de vantagem, nos resultados obtidos pelas terceiras e quartas séries em matemática e compreensão de linguagem. "Mesmo os integrantes do quartil mais baixo dentre os estudantes cubanos se desempenharam acima da média regional", disse o painel (2).

Em Cuba a prestação de serviços relacionados à saúde é totalmente gratuito, o que se espelha em seus indicadores padrão. A taxa de mortalidade infantil abaixo de 5 (probaliblidade de morrer antes dos 5 anos) em Cuba é 7, (índice só superado nas Américas pelo Canadá, onde é de 6; nos Estados Unidos é 8, e no Brasil é 33) (3) . A expectativa de vida ao nascer em Cuba é de 75 anos para os homens e de 79 para as mulheres; nos Estados Unidos é de 75/80 (4).

(1) The World Factbook — Cuba
(2) MARQUIS, Christofer. Cuba Leads Latin America in Primary Education, Study Finds. The New York Times, 14 de dezembro de 2001
(3) Probability of dying (per 1 000 live births) under five years of age (under-5 mortality rate) , 2005. Organização Mundial da Saúde
(4) Life expectancy at birth (years), 2005. Organização Mundial da Saúde

Entretanto é preciso lembrar que essas conquistas sociais da revolução não podem servir de máscara para esconder o fato de Cuba, ser uma ditadura burocratica de partido único, onde não existe liberdade de expressão, e muito menos liberdade de imprensa. Em Cuba quem pensa diferente do governo pode perder o emprego e pior, ser preso. Se não bastasse isso, o regime castrista executa quem tenta fugir do país(como ocorreu em 2003, quando três sequestradores de um barco que tentavam fugir para os EUA, foram executados apenas duas semanas após serem presos. Mesmo dentro do capitalismo não se condenam seqüestradores à morte, especialmente se não houve mortes, e os prazos de defesa em geral são maiores).

Mesmo na educação, onde Cuba consegue indices invejados por nós, como ter erradicado o analfabetismo e garantir um ensino gratuito e de qualidade do nível fundamental ao nível superior, a discriminação educativa por razões políticas é um fato que ainda se mantém e deve ser condenado.

O historiador marxista Jacob Gorender, um dos mais importantes intelectuais da esquerda brasileira, deixa claro sua oposição ao regime de partido unico em Cuba.

"O regime ideal para Cuba não é o do partido único, como não o é para nenhum país socialista." (Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 16)

Ditadura de partido unico, regimes totalitarios e burocratizados, não fazem parte daquilo que a filosofia marxista defende. Essas aberrações são oriundas do leninismo, também conhecido como bolchevismo, ou seja, são oriundas da concepção socialista desenvolvida por V.Lenin e demais revolucionários russos de "Outubro de 1917", que deu inicio a degeneração do marxismo e abriu caminho para o surgimento da bestialidade stalinista, originando o finado "socialismo real", do qual a ditadura castrista é herdeira.

Sou defensor de um socialismo renovado, um socialismo com liberdade e democracia, por isso me oponho a ditadura castrista em Cuba. Me oponho aqueles que defendem acriticamente o regime castrista, confundindo a defesa da Revolução Cubana com a defesa do regime liderado por Fidel e seu irmão, Raúl Castro.

A esquerda precisa apoiar com todo empenho a Revolução Cubana, a sua luta contra o imperialismo, as suas conquistas sociais, sem contudo confundir isso com apoio a ditadura de partido unico existente em Cuba.

A renúncia de Fidel Castro em fevereiro abriu claras perspectivas de reforma no socialismo cubano. No dia 28/02, o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Felipe Pérez Roque, assinou na sede da ONU, em Nova York, dois tratados internacionais que ampliam as garantias de respeito aos direitos humanos no país. O governo de Raúl Castro suspendeu a proibição da venda de diversos artigos eletrônicos na ilha, como computadores e aparelhos de DVD, além de ter liberado o acesso a telefonia celular. Além disso, na Assembléia Nacional de Cuba está em discussão um projeto de lei que estabelece os direitos civis para homossexuais, bissexuais e transgenêros.

O governo cubano também decidiu ceder terras estatais ociosas a cooperativas e produtores privados, em medida destinada a impulsionar a produção de alimentos, café e fumo. Além disso, o governo cubano anunciou, no começo de junho, o prazo para a eliminação do igualitarismo salarial e a substituição do atual sistema por uma gestão na qual o pagamento é feito com base no rendimento e produtividade.

BBC Brasil - 31 julho, 2008

Raúl Castro marca dois anos no poder com reformas em Cuba



O presidente Raúl Castro completa dois anos à frente do governo de Cuba, um período que começou com o irmão do líder Fidel Castro conseguindo manter a estabilidade no país.

Raúl assumiu o cargo em 31 de agosto de 2006 e foi eleito pela Assembléia Nacional do Poder Popular (o Parlamento cubano) no dia 24 de fevereiro deste ano, assumindo oficialmente o cargo de presidente.

Entretanto, desde agosto de 2006, Raúl Castro conseguiu manter os rumos políticos do país, a população tranqüila no momento de transição, os americanos quietos com uma proposta de diálogo com os Estados Unidos e o próprio país funcionando.

Para conseguir tudo isto, Raúl Castro contou com o apoio de seu irmão e com sua própria habilidade para dividir responsabilidades.

Bases

Ao compreender que sua permanência no cargo de presidente não seria temporária, Raúl Castro começou a lançar as bases de seu governo.

O primeiro passo foi pedir aos secretários provinciais do Partido Comunista Cubano (PCC) a aos dirigentes de grandes empresas que enviassem suas críticas ao funcionamento do sistema em suas respectivas áreas de trabalho. E propostas concretas para a solução destes problemas.

Castro recebeu de volta uma avalanche de opiniões que refletiam as incoerências de um sistema econômico dirigido por critérios políticos, estruturado sobre a base de um modelo ideológico.

As mudanças teriam que ser profundas e, no dia 26 de julho de 2007, Castro fez o anúncio destas mudanças, pouco antes de iniciar um debate nacional que tornou públicas as críticas da população e proporcionou o apoio político que precisava para iniciar as transformações.

Mesmo com os mais ortodoxos tentando limitar o debate, Castro foi à televisão para avisar que não havia tema proibido.

A partir daí, toda a população começou a pedir mudanças. Surgiram protestos contra salários baixos, problemas de transportes, falta de moradias e a necessidade de centros de lazer.

No total, Raúl Castro recebeu 1,2 milhão de críticas, a maioria pedindo reformas econômicas que poderiam ser feitas dentro de um socialismo reformulado.

Reformas

Assim, Raúl Castro chegou ao dia 24 de fevereiro de 2008, quando foi eleito à Presidência pelo Parlamento, pronto para fazer as mudanças pedidas pelo povo: reforma agrária, melhorias salariais e a eliminação das proibições.

A reforma de maior alcance será a agrária. O plano é distribuir entre os cubanos 50% das terras cultiváveis e também haverá a mudança na estrutura da organização agrária do país.

Até hoje esta estrutura é baseada em propriedades estatais e 80% das terras cultiváveis de Cuba estão nas mãos destas propriedades.
Quando o processo de reforma chegar ao ponto máximo, 70% do total das terras estarão nas mãos de cooperativas e pequenos agricultores, alguns proprietários e outros usufruindo gratuitamente.

Além da entrega de terras, agências de notícias de outros países também relatam que foram abertas linhas de crédito para o início, ampliação ou continuidade da semeadura de lavouras.

E, com o fim da igualdade salarial - princípio pelo qual, por mais que se trabalhasse, o empregado não poderia ganhar mais - deve começar a recuperação do poder aquisitivo dos salários.

Redefinição

A justiça social que se pretendia com a política de teto salarial acabou diminuindo os incentivos ao trabalhador e, segundo Raúl Castro, beneficiou os "preguiçosos".

"Socialismo é igualdade de direitos e de oportunidades, não de renda", disse Castro.

Com este reconhecimento das diferenças, Castro desencadeou também outra medida: a eliminação de proibições como posse de celulares e eletrodomésticos, e de estadias em hotéis. Com isso, milhares de celulares, motos e aparelhos de DVD foram vendidos e 10 mil quartos de hotel foram reservados.

Isto significa mais renda para o Estado, que pode utilizar no setor de habitação e transportes.

E o transporte é o setor em que o governo conseguiu sua grande vitória. Centenas de novos ônibus foram comprados apenas para Havana, aumentando o número de passageiros diários de 450 mil para 846 mil.

Burocracia

Para todas estas reformas, Raúl Castro deve tentar neutralizar seus piores inimigos no momento: burocracia e ortodoxia.

O próximo grande passo - planejado para 2009 - deve ser o Congresso do PCC que, em sua qualidade constitucional de "órgão governante da sociedade", deverá avaliar e, portanto, institucionalizar, as reformas.

Além disso, Raúl Castro também enfrenta outros problemas como a apatia crescente da população e a imigração de jovens profissionais. E Cuba também está sendo prejudicada pelo aumento mundial no preço dos alimentos.

Sejam quais forem as soluções, deverão ser aplicadas com rapidez, para que a expectativa do povo não se transforme em desânimo.

"Se há algo que aprendemos bem é que o tempo passa depressa. Desperdiçá-lo com inércia ou indecisão é uma negligência imperdoável", disse Castro.

Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/07/080731_raulcastrodoisanosfn.shtml


A esquerda socialista e democrática precisa apoiar essas reformas, fazendo pressão para que essas reformas sejam ampliadas e promovam uma renovação completa do socialismo cubano, uma renovação que promova o estabelecimento de um Estado democrático e socialista de direito, com pluripartidarismo, sindicatos livres, direito de greve, imprensa livre, eleições livres, maior liberdade religiosa, etc. Cuba precisa se tornar uma democracia socialista, afinal, como disse a revolucionária Rosa Luxemburgo:

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês [...]". (Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


Leia os textos abaixo e reflita

A revolução cubana e as esquerdas brasileiras

Daniel Aarão Reis Filho

Quando se tornou vitoriosa, há exatamente quarenta anos, a revolução cubana, assim como todas as autênticas revoluções, surpreendeu a América Latina e o mundo. No entanto, apesar do estupor inicial, quase ninguém ousava questionar seus princípios e programa.


Tratava-se de derrubar uma das ditaduras mais abomináveis do Caribe, conhecida pela truculência e corrupção, a de Fulgencio Batista. Neste sentido, os revolucionários apresentavam-se como, e de fato eram, em sua enorme maioria, jovens lideranças democráticas. Por outro lado, havia também a proposta de afirmar a autonomia de uma nação, recuperando a dignidade perdida numa história que convertera Cuba num paraíso de jogatinas e tráficos, um bordel do Grande Irmão do Norte.


Quem ousaria, publicamente, declarar-se contra tão nobres e elevados propósitos?


Assim, desde fins de 1958, os próprios representantes diplomáticos dos Estados Unidos começaram a sinalizar para o ditador que seu tempo chegara ao fim. Nesta altura os barbudos, como eram então chamados os guerrilheiros, de barbas grandes e desleixadas, gozavam de extraordinária popularidade no país e de grande simpatia na opinião pública internacional. Não gratuitamente eram apoiados por forças liberal-democráticas na América Latina e, principalmente, nos Estados Unidos.


Foi portanto num clima de congraçamento e de confraternização quase universais que se deu a entrada em Havana do Exército Rebelde. Um tempo de festa e de euforia, de unanimidade, representado pela Cuba Libre, onde se misturavam simbolicamente o rum cubano e a coca-cola norte-americana.


As esquerdas brasileiras, formalmente, saudaram, como todo o mundo, o triunfo da revolução. Entretanto, segundo seus vários matizes, alimentaram desconfianças, dúvidas e esperanças.


O Partido Comunista Brasileiro (PCB) desconfiava, e tinha suas razões. Com efeito, se a vitória da revolução cubana e do seu programa nacional-democrático, de um certo ângulo, podia ser analisada como a concretização da chamada primeira etapa da revolução latino-americana, preconizada há décadas pelo movimento comunista internacional para o continente, por outro lado, os comunistas cubanos não haviam jogado um papel de destaque no processo e só tardiamente tinham despertado para a força e, sobretudo, para o apelo popular dos guerrilheiros. Além disso, não havia naqueles barbudos nada que os assemelhase a lideranças burguesas, cuja presença era prevista e desejada na tão decantada primeira etapa da revolução.


Entre as esquerdas comunistas que se opunham ao PCB, e que se queriam revolucionárias, em contraposição à moderação reformista do partido de Prestes, havia dúvidas quanto à consistência daqueles revolucionários, considerados pequeno-burgueses, ou seja, por natureza instáveis, incoerentes, em suma, vacilantes. Eram homens de grandes ousadias, mas seriam capazes de assumir as tarefas revolucionárias com a consequência devida?


Por estas mesmas razões, foi entre os nacionalistas radicais e os católicos com propósitos de justiça social que a revolução cubana suscitou mais esperanças. Exatamente porque não fora dirigida pelos comunistas, quem sabe, aquele processo não poderia desembocar numa terceira via, renovadora, combinando radicalidade de métodos e objetivos sociais e democráticos, longe das tradições encarnadas pelas revoluções socialistas vitoriosas?


Entre incertezas e esperanças, a revolução cubana acelerou os ritmos. Parecia que os líderes revolucionários estavam levando a sério a realização de seu programa.

O Estado norte-americano e as grandes empresas não entendiam o que estava se passando. Afinal, até onde iriam aqueles cucarachas? Começou um jogo pesado de pressões e de intimidações. O cerco, o bloqueio, o apoio explícito às organizações contra-revolucionárias, a preparação e o desencadeamento, em 1961, de uma invasão -- frustrada -- para derrubar o poder revolucionário.


Os revolucionários respondiam no taco a taco: reforma agrária radical, nacionalização dos setores econômicos estratégicos, mobilização e armamento da população. E, assim, num trânsito mal definido, pouco explícito, uma revolução nacional-democrática transformou-se numa revolução socialista. A crise dos foguetes, em outubro de 1962, quando o mundo se viu à beira do desastre de uma guerra nuclear, consolidou o processo e as opções: Cuba tornou-se um país socialista, firmemente ancorado no bloco soviético.


O furacão cubano, como assinalou J. P. Sartre, recorrendo à metáfora da catástrofe natural, dava conta de um profundo processo de transformação social. Uma revolução plebiscitada por um povo em armas, mobilizado em comícios, ouvindo e aprovando com os fuzis no alto as caudalosas arengas e os decretos revolucionários de Fidel Castro, não raro assinados em praça pública.


As esquerdas brasileiras viveram então uma conjuntura de crise política e de intensas lutas sociais. De agosto de 1961 (renúncia de Jânio Quadros) a abril de 1964 (instauração da ditadura), foram quase três anos de agitação permanente em torno da necessidade (ou não) de promover no país um conjunto de reformas sociais, econômicas e políticas, as chamadas reformas de base. Um movimento, até então, inédito na história republicana brasileira, envolvendo operários, camponeses e escalões inferiores das forças armadas. Um medo pânico tomou as elites sociais e políticas e as classes médias, que passaram a se preparar para enfrentamentos decisivos.


Neste quadro a radicalização da revolução cubana entusiasmava as esquerdas, autorizando e legitimando todos os sonhos. Os comunistas de diversas filiações atenuaram suas críticas. Os do PCB passaram a apostar que a aliança com a União Soviética haveria de enquadrar os delírios dos barbudos. Os dissidentes e alternativos esqueciam antigos dogmas para se aterem aos avanços concretos da revolução. Entre os nacionalistas alimentava-se a expectativa de que Leonel Brizola poderia se tornar um Fidel Castro brasileiro. Também em nosso país uma revolução nacional radical poderia abrir horizontes imprevistos. O ecletismo da revolução cubana, seu descompromisso com tradições revolucionárias consagradas, sua surpreendente consequência prática, ensejavam a possibilidade de múltiplos apoios, cada um lia o que queria naquele processo rico e multifacetado.


Foram tempos heróicos, em que tudo parecia permitido, desde que realizado com audácia. Iniciou-se um fluxo ininterrupto de revolucionários brasileiros à Ilha vermelha do Caribe do qual até hoje muito pouco se sabe: militantes das Ligas Camponesas, da Ação Popular, do Movimento Nacionalista Revolucionário, todos queriam conhecer o primeiro território livre de América, como então, orgulhosamente, se auto-intitulava a Cuba revolucionária.


A grande questão era saber como Cuba sobreviveria ao cerco empreendido pelos Estados Unidos. Uma saída era disseminar a revolução pela América Latina, o que, ao mesmo tempo, aliviaria a pressão norte-americana sobre o Vietnã. No contexto da formação de organizações revolucionárias internacionais -- a Tri-Continental e a Organização Latino-Americana de Solidariedade -- a OLAS --, preparou-se um projeto de guerrilha continental, com uma sede inicial -- a Bolívia -- e um comandante -- o próprio Che, cada vez mais descrente da aliança soviética e da sobrevivência isolada da revolução cubana.


Nesta altura, em nosso país, um movimento civil-militar instaurara a ditadura militar. Em contraposição, Cuba jogou, por um certo tempo, a carta do nacionalismo revolucionário, apoiando Brizola enquanto este comprometeu-se com o enfrentamento armado (guerrilha de Caparaó). Quando fracassou esta alternativa, passou a auxiliar os movimentos comunistas dissidentes adeptos da luta armada e da teoria do foco guerrilheiro em particular.


A morte do Che na Bolívia, em outubro de 1967, não arrefeceu esta política. Centenas de revolucionários brasileiros (da Ação de Libertação Nacional/ALN, da Vanguarda Popular Revolucionária/VPR e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro/MR-8, entre outros) passaram então a realizar treinamentos de guerrilha urbana e rural em Cuba. Trabalho acadêmico recente (Denise Rollemberg) começou a desvendar este ainda obscuro processo, equivalente, nas palavras de um então revolucionário brasileiro, a um vestibular para o cemitério. Os cubanos não se limitavam a apoiar material e moralmente as tentativas guerrilheiras. Como os russos e chineses, antes deles, tratavam de conseguir influência e controlar direções políticas e organizações revolucionárias brasileiras.

Foi um tempo de tensões -- como Cuba revolucionária iria sobreviver sem revolução no continente latino-americano? O governo de Unidade Popular no Chile pareceu abrir, enquanto durou, uma brecha. Sua derrota, em setembro de 1973, a fechou. Para quebrar o isolamento, Cuba passou a namorar governos nacional-estatistas, quase sempre ditaduras militares (Alvarado no Peru, Torrijos no Panamá, Torres na Bolívia). Aquilo era uma decantação. Ainda seria possível associar Cuba com a utopia revolucionária?

Apesar de realizações incontestáveis, entre as quais se destacaria a generalização de sistemas de saúde e educação públicos, de qualidade excepcional, a revolução cubana esbarrava em limites que pareciam intransponíveis. O isolamento em terras americanas, asfixiante. A aliança com os soviéticos, impondo moldes e padrões ditatoriais, dificultando e mesmo impedindo a eclosão da originalidade e do imprevisto que tinham sido as grandes características de seus tempos heróicos. E a falta de tradições de auto-organização na sociedade, inviabilizando o controle social do poder, permitindo o desenvolvimento de aspectos às vezes caricaturais, como a permanência indefinida de Fidel Castro no centro do poder, como se fosse um monarca.

Enquanto isto, as esquerdas brasileiras, liquidada a alternativa armada, na primeira metade dos anos 70, seguiam evolução oposta: redescobriam os valores democráticos e as virtudes da auto-organização da sociedade, e aderiam, em larga medida, à crítica do socialismo realmente existente. Além disso, desde fins da década, a ditadura militar, em boa ordem, metamorfoseava-se em regime democrático e pluralista.

Como conciliar os antigos credos com as novas convicções?

Nas circunstâncias dos anos 80, frente à grande ofensiva do mal chamado neoliberalismo, e, sobretudo, frente à desagregação fulminante do socialismo soviético e de suas adjacências na Europa Central, a revolução cubana pareceu adernar. Progressivamente, e no desespero, engavetou antigos dogmas igualitaristas e nacionalistas e se abriu para o turismo e para o capital internacional, mantendo, porém, a centralização política e o partido único. Para as esquerdas brasileiras, envolvidas em lutas institucionais democráticas, tornou-se cada vez mais dificíl lidar com a revolução cubana.

Exercitou-se o turismo ideológico, de solidariedade, suscitando entre críticos impiedosos a maldosa asserção de que Cuba transformara-se na Disneylândia das esquerdas. Pequenos grupos ativos ainda tentam manter a chama, organizando eventos e atos públicos de apoio, mas uma grande parte observa com constrangimento as últimas evoluções da política do Estado cubano e as viagens de seu Líder Máximo.

Na luta desigual entre Golias (EUA) e David (Cuba), é quase insuportável não olhar o pequeno com simpatia. Pode ser uma atitude generosa, mas já não tem nada a ver com o internacionalismo revolucionário de antanho.

E assim, nas relações entre as esquerdas brasileiras e a revolução cubana, tão marcadas em outros tempos pelo heroísmo e pela idéia da revolução, sobrou uma certa melancolia. E uma atmosfera de naufrágio.


Autor:Daniel Aarão Reis Filho é professor de História Contemporânea da UFF.

Fonte: Jornal da Tarde, 9 jan. 1999.



As prisões de Cuba
Pietro Ingrao - Abril 2003

As notícias que chegam de Cuba são alarmantes e não permitem o silêncio. Em 3 de abril, ocorreram em diversos lugares da ilha processos contra 78 "dissidentes" ou — para usar palavras mais diretas — opositores do regime castrista. Somando as várias condenações infligidas a estes opositores, chega-se a centenas e centenas de anos de cárcere. São cifras espantosas. E, no caso destes processos, falar de rito sumário é um eufemismo um pouco ridículo.

Também não podemos nos enganar: é impossível que, nestes verdadeiros processos-relâmpago, tenham sido garantidos direitos de defesa elementares e tenha havido aquela prudência elementar, necessária, que, no entanto, é o tempero obrigatório quando se decide sobre a liberdade ou o encarceramento dos indivíduos e dos grupos.

Eram os acusados opositores do regime castrista e até — usemos a palavra forte — conspiravam contra o regime? E o que mais podiam fazer, visto que em Cuba faltam direitos essenciais de palavra, de organização, de luta política pública e reconhecida? E isso ainda hoje, quarenta anos depois da insurreição armada e da emergência revolucionária. E, além disso, onde está escrito que, até mesmo aos conspiradores algemados — quando não estão em condições de causar danos —, não devam ser concedidos elementares direitos e instrumentos de defesa? A justiça — esta palavra tão nobre e solene — carece, como do pão, do contraditório público e prolongado. Sem isso, o recinto do tribunal se torna uma farsa, um engano feroz.

Ainda no início de abril — numa conexão alucinante —, realizou-se em Cuba um outro processo, que levou à condenação à morte de três jovens que haviam seqüestrado uma balsa para alcançar o litoral dos Estados Unidos. Quem escreve aprendeu, em sua vida, a odiar a condenação à morte — este assombroso poder de matar aquele que já está algemado e confinado nas paredes de um cárcere. Mas aquela condenação à morte que se consuma e se realiza quase como um raio, e não permite apelação, e recusa até um momento de hesitação na hora de matar o indefeso — é verdadeiramente algo repugnante. E é enganosa: tem-se a ilusão de cancelar, com a mão do carrasco, os problemas políticos e humanos que não se sabe resolver.

Dir-se-á: tudo isso é necessário a Fidel para se proteger dos complôs americanos. Eu receio, ao contrário, que isso ajude Bush a dizer: vejam como é indispensável a superpotência americana...

Este é o quadro amargo. Eu não esqueço aquilo que, da insurreição cubana, veio como esperança e símbolo para um terceiro mundo sufocado pelo imperialismo e até para a difícil luta da esquerda anticapitalista no Ocidente avançado. Embora, pessoalmente, tenha tido dúvidas, muitas, realmente muitas — desde o início —, naquela segunda metade do século XX, quando pusemos o retrato do "Che" sobre um móvel da casa e cantamos nas manifestações a canção inesquecível. E acredito perceber, compreender o quanto ainda hoje Cuba represente uma esperança: antes de mais nada, para o continente centro-americano em busca de resgate, e também para outros lugares. Tanto mais agora, quando a superpotência americana proclamou — diante do mundo — o advento da era da "guerra preventiva".

Mas, se a questão agora é esta — como se vê na prática —, menos ainda podemos ter a ilusão de superar tal desafio com processos sumários e fuzilamentos fulminantes. Sinto repulsa por aqueles novíssimos cárceres de Guantânamo, nos quais não mais existe sequer a proteção, o recolhimento em si mesmo que a escuridão da cela propicia. Mas como posso combater as alucinações de Guantânamo se recorro à pena capital contra fugitivos recapturados e já com os pulsos algemados?

A batalha contra Bush e contra a doutrina da "guerra preventiva" pede outros caminhos: novos e diferentes. E se nutre de pacifismo, não de cárceres e algemas até absurdas, e de carrascos manchados de sangue.

Um intelectual, grande amigo de Cuba — o Nobel Saramago —, declarou a sua discordância. É uma escolha que reclama a coragem da verdade, e só Deus sabe se é preciso coragem diante dos desafios abertos no mundo.

Autor: Pietro Ingrao, figura histórica do comunismo italiano, escreveu este texto para Il Manifesto , 15 abr. 2003. Um dos seus livros está disponível em português — As massas e o poder (Trad. Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980) — e é momento fundamental da reflexão sobre democracia política e socialismo.

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