quinta-feira, 3 de setembro de 2009

SOCIALISMO COM LIBERDADE E DEMOCRACIA



"O melhor terreno para mudanças consistentes é o terreno da democracia. Em condições autoritárias, o objetivo fundamental da mudança passa a ser a própria democracia. Outras demandas, a luta pela igualdade social, por exemplo, ficam obscurecidas, subordinadas. Conquistada a democracia, trata-se de aprofunda-la, basicamente, em dois planos: no plano institucional, de aperfeiçoamento do jogo democrático, e no plano da conquista da igualdade, do progressivo desenvolvimento social em todos os níveis. A democracia é um valor estratégico, universal, meio e fim." (José Genoíno, deputado federal do PT/SP)

O socialismo precisa ser refundado, tendo por base a defesa da democracia como valor universal. A história nos mostrou que igualdade sem democracia é uma miragem. Sempre que a liberdade é sacrificada, privilégios velhos e novos ganham força. A igualdade é irmã gemêa da liberdade.

Homens como Alexander Dubcek, Salvador Allende, Enrico Berlinguer, Mikhail Gorbachev, Chico Mendes, e tantos outros, enriqueceram o campo da esquerda ao defender o socialismo com democracia, demonstrando que socialismo não pode ser sinonimo de totalitarismo, ditadura de partido único, burocracia, violações de direitos humanos, e demais barbaridades que a fracassada experiência do "socialismo real" acabou promovendo. Recordando a revolucionária Rosa Luxemburgo:

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês". (Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")

Já em 1918, Rosa alertava para os riscos do autoritarismo bolchevique, que ela sempre criticou, e deixou claro que ditadura do proletariado não era ausência de democracia, muito menos obra de uma minoria agindo em nome da classe trabalhadora. Entretanto é preciso ter consciência das mudanças ocorridas desde aquela época, basta observar o fato dos trabalhadores terem conquistado cidadania plena, através da legalização dos partidos operários e dos sindicatos, da conquista do pleno direito de greve, da jornada de trabalho de 8 horas diárias, de férias remuneradas de trinta dias, do seguro desemprego, de salários decentes e condições de trabalho humanitarias, do voto secreto e universal, etc. Até mesmo as mulheres conquistaram cidadania, não somente através da conquista do direito de voto, mas também com a conquista da participação cada vez maior no mercado de trabalho, licença maternidade, legalização do divórcio, etc. Portanto é loucura ainda hoje falar em ditadura do proletariado, uma vez que o capitalismo se democratizou em virtude dessas conquistas que os trabalhadores, tanto homens como mulheres, obtiveram em virtude de sua organização e luta. A democracia é um valor universal, e a refundação do socialismo passa pelo reconhecimento dessa questão.

A refundação do socialismo exije o abandono de toda herança oriunda da tradição bolchevique, assim como a revisão do próprio pensamento marxista. A esquerda não pode ser dogmatica, até porque a história mostrou que é evidente a existência de inúmeros equívocos no marxismo, como inclusive demonstra o historiador Jacob Gorender em "Marxismo sem utopia".

"Marx era um determinista utópico. Queria algo que a realidade não confirmou. Previu que, com o avanço das forças produtivas, a humanidade gozaria de fartura plena. A produtividade não teria limites. Não é verdade. Apesar dos avanços tecnológicos, há o limite ecológico para a produtividade. Não se pode crescer a ponto de deteriorar o ambiente em que o homem vive. Isso Marx não pensou. Outra previsão equivocada foi a do desaparecimento do Estado. Como não haveria mais classes sociais na evolução marxista, então o Estado seria desnecessário. Haveria uma espécie de autogoverno das comunidades. Impossível. As sociedades necessitam do Estado, até porque há prioridades a definir. Que meios de transportes usar? Qual a produção industrial? Serviços de saúde, educação, quem vai decidir sobre isso? Só pode ser o Estado, democrático e de direito." (Jacob Gorender; em entrevista publicada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 19/02/2006)

Os socialistas defendiam até recentemente o fim do capitalismo, o que significava a abolição da propriedade privada dos meios de produção, distribuição e troca, com a estatização dessa propriedade em nome de sua socialização e a substituição do mercado por uma economia planificada. Entretanto a fracassada experiência do chamado "socialismo real", assim como o sucesso incontestável do "socialismo de mercado" na China e no Vietnã, demonstram claramente que a esquerda precisa repensar essa questão. Não que os socialistas devam renunciar a luta pelo fim do capitalismo e a favor da construção de uma sociedade mais humana, justa e igualitária. Mas é evidente que a propriedade privada e o mercado não podem ser abolidos, ao menos não da noite para o dia. Será um processo longo, onde o socialismo irá conviver com o mercado e com a propriedade privada por um bom tempo. É preciso seguir o exemplo bem sucedido do "socialismo de mercado", tanto que até mesmo os cubanos, apesar de faze-lo de forma extremamente timida, começam a promover reformas nesse sentido. Na Venezuela, apesar de todo discurso socialista do presidente Hugo Chávez, também não se pensa em estatizar toda propriedade dos meios de produção, distribuição e troca, mas apenas aqueles setores que são estratégicos.

O sucesso do governo Lula, por exemplo, se deve ao abandono da concepção estatista que a esquerda possuia, até porque nem todas as privatizações promovidas pelo governo FHC foram lesivas aos interesses populares, basta observar por exemplo o setor de telefonia, onde a privatização garantiu o acesso das classes trabalhadoras a telefonia fixa e celular. É loucura a posição da chamada "oposição de esquerda", que defende a reestatização das empresas privatizadas e até mesmo a estatização do sistema financeiro. Esse pessoal do PSOL e das "seitas" aliadas a esse partido, representam a mentalidade da velha esquerda. O socialismo não se estabelece por decreto, será construido processualmente por um periodo de tempo bem longo.

"O socialismo não pode, nem deve eliminar o mercado de imediato. Precisará conviver com o mercado e tirar proveito dele durante um tempo certamente longo. Só que, para ser compatível com o socialismo, precisará ser um mercado regulado, direcionado pelo planejamento do Estado e refreado no que se refere aos aspectos socialmente negativos." (Jacob Gorender; em Teoria e Debate nº 16)

Até mesmo o historiador Eric Hobsbawn, um dos maiores nomes do marxismo na Europa, reconhece a necessidade da existência do mercado no socialismo.

"Sigo na esquerda, sem dúvida com mais interesse em Marx do que em Lênin. Porque sejamos sinceros, o socialismo soviético fracassou. (...) A crise global que começou no ano passado é, para a economia de mercado, equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim em 1989. Por isso Marx segue me interessando. Como o capitalismo segue existindo, a análise marxista ainda é uma boa ferramenta para analisá-lo. Ao mesmo tempo, está claro que não só não é possível como não é desejável uma economia socialista sem mercado nem uma economia em geral sem Estado." (Eric Hobsbawn)

Como socialistas precisamos estar abertos aos novos paradigmas que a história nos coloca, abrindo mão do dogmatismo que havia transformado a filosofia marxista em uma espécie de religião. Precisamos ter coragem para refundar o socialismo, tendo por base uma ética humanista e uma profunda consciência democrática, pois afinal sabemos que sem liberdade, não pode existir socialismo.

"A esquerda do século XXI deve se basear na democracia como valor universal. Nenhuma conquista, nenhum objetivo estratégico, nenhuma revolução, se justifica fora dos marcos radicais da democracia." (Roberto Freire)

Na Itália, esse processo de refundação do socialismo está em curso. Os socialistas de Unire La Sinistra(http://www.unirelasinistra.net/), do Movimento per la Sinistra(http://www.movimentoperlasinistra.it/), e da Sinistra Democratica(http://www.sinistra-democratica.it/), se aliaram aos ecologistas da Federazione dei Verdi(http://www.verdi.it/), e aos social-democratas do Partito Socialista(http://www.partitosocialista.it/), formando a coalizão Sinistra e Libertà(http://www.sinistraeliberta.it/)

Essa coalizão é o embrião de uma nova esquerda, radicalmente democrática, ecológica e humanista, que visa refundar o socialismo, consolidando assim o processo iniciado por Enrico Berlinguer ao lançar a tese da democracia como valor universal.

Sinistra e Libertà deve servir de exemplo para os socialistas brasileiros e latino-americanos.

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