segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Uma nova crítica teológica para um novo tempo

Uma nova crítica teológica para um novo tempo
Jung Mo Sung *

De uma forma ou de outra, setores - muitas vezes minoritários - das Igrejas cristãs sempre expressaram críticas às situações econômicas e sociais injustos e opressivos. Geralmente essas críticas eram feitas a partir dos valores éticos e teológicos ou em nome de algum texto ou ensinamento bíblico.

A grande novidade da Teologia da Libertação não foi, portanto, as críticas sociais em nome da fé cristã, mas sim a crítica às estruturas sociais que geravam as situações de injustiça social e dominação. Isto é, a TL foi para além das críticas às situações concretas e mostrou que essas situações não eram resultados somente de problemas éticos individuais ou de grupos, mas da própria lógica de funcionamento das estruturas econômicas, sociais e políticas.

No final dos anos 1960 e na década de 70, a TL dialogou com a teoria da dependência de inspiração marxista para explicar e criticar a situação social opressiva que predominava na AL e elaborou a noção de pecado social, que depois evoluiu para a noção de pecado estrutural. A partir da década de 80, a teoria da dependência entrou em profunda crise, ao mesmo tempo em que se fortalecia no cenário internacional a ideologia neoliberal, com as eleições de Margaret Tatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos da América. Diante desta nova configuração do capitalismo internacional, os discursos teológicos críticos elaborados em diálogo com a teoria da dependência foram perdendo significado e sua força crítica e operacional. Apesar disso, muitos teólogos/as e grupos e pastorais cristãos continuarão reproduzindo estes discursos, já meio ultrapassados, até como uma forma de manter a identidade de opositores ou de "revolucionários" desses grupos.

No final da década de 1980, o livro "A idolatria do mercado" (de Hugo Assmann e Franz Hinkelammert), entre outros, deu um novo impulso ao discurso teológico crítico ao desvendar o caráter idolátrico de um sistema que procurava absolutizar o sistema de mercado. Assim, nas duas últimas décadas a maior parte das críticas teológicas ou éticas cristãs ao capitalismo foi centrada na luta contra um sistema que pretendia impor a todo mundo e a todos os setores da vida humana e social a lógica e as leis do mercado. Uma proposta que Hinkelammert chamou de "a utopia de mercado total".

Com a crise do mercado financeiro internacional e a ameaça de recessão na economia global, os ideólogos do neoliberalismo estão perdendo os espaços de poder e sendo substituídos por defensores de um novo tipo de keynesianismo. Isto é, a ideologia do mercado livre está sendo substituída pelas propostas de regulação e da intervenção do Estado na economia de mercado em escala global.

Contudo, isso não significa o fim do capitalismo, pois esse existia antes do neoliberalismo e vai sobreviver à derrocada do neoliberalismo. O desafio para o cristianismo de libertação é não voltar a uma situação em que as críticas sociais em nome da fé eram feitas somente sobre situações concretas, perdendo de vista as lógicas e estruturas que as causam; ou então às críticas feitas a partir de fora da realidade econômico-social, em nome somente de valores éticos ou teológicos (não importa se são tradicionais, "pós-modernos" ou algum outro tipo), sem uma articulação crítica e dialética com teorias sociais. É claro que também não podemos simplesmente continuar repetindo as críticas elaboradas nos anos 1980 e 90.

Estamos diante de um importante desafio: analisar criticamente as novas propostas econômicas e ideologias que estão sendo gestados neste momento e elaborar uma reflexão teológica crítica que seja ao mesmo tempo teologicamente consistente e socialmente relevante.

As reflexões críticas à idolatria do mercado foram construídas principalmente em torno da "Escola do DEI", uma escola de pensamento que se formou em torno do Departamento Ecumênico de Investigações, de Costa Rica, e de seus inúmeros seminários e congressos reunindo cientistas sociais, filósofos e teólogos/as. Uma teoria crítica não é produto somente da mente brilhante de um indivíduo, mas de um trabalho coletivo. Isto significa que precisamos urgentemente de redes e centros catalisadores capazes de promover diálogos e trabalhos interdisciplinares visando construir uma teologia crítica para fazer frente à nova forma de dominação capitalista que está sendo gestada.

*Jung Mo Sung é professor. Autor de "Cristianismo de Libertação: espiritualidade e luta social", Ed. Paulus.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ainda somos muito desiguais

Ainda somos muito desiguais
Marcus Eduardo de Oliveira *


O fator desigualdade no desenvolvimento humano continua a ser a pedra no sapato dos brasileiros. Entre os países da América Latina, estamos na nona posição no ranking que mede essa desigualdade. Esse é o resultado do último estudo divulgado pela ONU-Pnud, com base em dados de 2006.

O IDH-D (Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade) que considera a renda per capita domiciliar; a taxa de alfabetização e os anos de estudos das pessoas de 7 anos ou mais e, o acesso a água potável e adequadas condições de higiene, destacando-se o acesso a banheiro nos domicílios, mostram o Brasil com um índice de 0,629, portanto, na condição de país de desenvolvimento médio (de 0,500 a 0,800).

Numa escala de 0 a 1, o IDH-D aponta que quanto mais próximo de 1, como são os casos de Argentina (0,842) e Uruguai (0,834), melhor é a situação, com pouca desigualdade nos quesitos estudados. No outro extremo, quanto mais próximo de zero, pior é a condição social, como são os casos de Honduras (0,382) e Nicarágua (0,288).

Pois bem. Diante desses dados uma questão se impõe como pertinente: o crescimento econômico em si não resolve a questão da desigualdade social. Crescer economicamente não significa (e nunca significou) que a vida das pessoas mais necessitadas irá melhorar, embora seja o crescimento da economia um fator benéfico no conjunto das opções a favor da busca de bem-estar. Lembremos, nesse pormenor, que de 1870 a 1980, o PIB brasileiro cresceu mais de 150 vezes; no entanto, nesse mesmo período de tempo, excluídos os contratempos e sobressaltos políticos e econômicos, a vida dos brasileiros, em termos de melhoria substancial na qualidade de vida, não acompanhou esse forte crescimento do produto.

Ademais, ainda que a renda per capita dos brasileiros mais pobres, de 2000 a 2008, tenha crescido 72%, o IDH-D nos coloca na incômoda posição de sermos muito desiguais, o que ressalta, grosso modo, a relação conflituosa entre os campos econômico e social, contribuindo para a latente desigualdade. E somos desiguais basicamente pela deficiência de ajustar o crescimento da economia em termos de distribuição equitativa da renda, e de nos negarmos a enfrentar o desafio de conjugar mercado e virtudes civis, visando construir uma economia com eficiência, de característica tipicamente solidária.

Continuamos desiguais, pois não aproveitamos a potencialidade econômica de um país dono da quinta maior extensão territorial do mundo em favor de um programa de produção de alimentos para o consumo doméstico; ao contrário: preferimos adoçar a boca dos estrangeiros com a exportação de alimentos e vitaminas. Continuamos desiguais, pois não criamos ainda uma cultura de subordinar a economia aos objetivos sociais. Continuamos desiguais, pois, depois de mais de 500 anos de história econômica e política, ainda temos políticas econômicas desenhadas apenas para fazer a riqueza subir, e não para fazer a pobreza se reduzir a zero, entendendo que a pobreza um dia acabará enquanto a riqueza está aumentando. É por isso que ainda somos um país paradoxal: um país rico com uma triste e dramática pobreza vinculada a um elevado grau de desigualdade.

Definitivamente, só vamos diminuir essa desigualdade e eliminar os focos de pobreza quando a economia for direcionada para produzir tudo aquilo que elimina o estado de pobreza, ou seja, escola pública de qualidade, saúde pública confiável, saneamento básico, água potável, cultivar a terra e eliminar o latifúndio, coletar o lixo das ruas, e permitir com que cada brasileiro carente tenha possibilidade de comprar arroz, feijão e o bife para o fim de semana.


* Marcus Eduardo de Oliveira:Economista brasileiro, especialista em Política Internacional. Articulista do site "O Economista", do Portal EcoDebate e da Agência Zwela de Notícias (Angola)