segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O golpe de 64 e o PCB



O golpe de 64 e o PCB
Roberto Freire*

A realização desse debate se faz em um momento ao mesmo tempo rico e complexo. No Brasil, contamos com um governo hegemonizado por um partido de esquerda, fato não corriqueiro em nossa história, que traz esperanças novas, apesar de já estar pagando pesado tributo por ter sido eleito sem um projeto estratégico para o país. No mundo, o liberalismo e a social-democracia, esgotados, tentam se reciclar, fazendo emergir novos paradigmas, estes marcados pela globalização e pela revolução técno-científica. Um fato grave: a eclosão de nacionalismos e de atos terroristas massivos, que agridem o processo civilizatório.

Adentremos o tema. Quarenta anos após o golpe de 1964, ainda se discute o comportamento da esquerda naquele ano fatídico para o povo brasileiro. Ao longo dos anos, fui aprendendo a avaliar a conjuntura de 1964 muito mais pelas suas conseqüências do que pelas suas causas. Examinando a atuação dos dirigentes do meu partido diante do golpe e o lugar do PCB na História. Destaco três questões polêmicas: o golpismo pré-64, a opção pela luta armada e a política de frente democrática.

O golpismo

Uma das características históricas do processo político brasileiro é o golpismo, a busca de soluções políticas para os problemas de Estado e os grandes conflitos sociais por meio das forças armadas e da violência política, sempre excluindo o povo. Os militares brasileiros cultivaram, juntamente com as elites conservadoras e as nossas camadas médias, uma certa vocação golpista que marcou a vida política nacional durante todo o século passado. A esquerda brasileira também foi impregnada por ela.

O Partido Comunista Brasileiro historicamente foi dirigido por intelectuais de incipiente formação marxista, sindicalistas de origem anarquista e militares positivistas, todos muito heterodoxos. As tendências golpistas na formação e na política do PCB manifestaram-se de forma dramática no movimento de 1935, quando a direção do partido, sob influência de Prestes e do Komintern, trocou a política de massas da Aliança Nacional Libertadora, reformista e democrática, pelo levante militar puro e simples, em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Foi uma resposta golpista de esquerda ao golpismo das elites e dos setores conservadores, já então encastelados no Estado Novo de Vargas. As conseqüências são conhecidas.

Com o XX Congresso do PCUS, em que foram revelados os crimes de Stalin, e a campanha presidencial de Juscelino, inaugurou-se uma aliança inédita entre comunistas, trabalhistas e pessedistas, liderada por Prestes, João Goulart e Amaral Peixoto. O PCB iniciava sua ruptura com o golpismo, consagrada na Declaração de Março de 1958, quando o partido assume de forma inequívoca uma posição a favor da democracia, das alianças amplas e da busca de uma via pacífica para o socialismo. Tal política, entretanto, alimentado pelo conflito sino-soviético, resultou no "racha" que levou João Amazonas, Arruda Câmara e Maurício Grabois à formação do atual PC do B, em 1962.

A luta armada

As velhas tendências golpistas, porém, sobreviviam no interior do partido. Às vésperas do golpe de 1964, a radicalização política do Grupo dos 11 de Brizola, a reforma agrária "na lei ou na marra" das Ligas Camponesas de Francisco Julião e o movimento dos sargentos e marinheiros coincidem com o recrudescimento da "guerra fria", em que Estados Unidos e União Soviética se digladiavam pelo mundo afora, e na Ámerica Latina a revolução cubana era analisada e vista emocionalmente indo do amor ao ódio. É nesse ambiente que, dentro e fora do Governo Jango, discutiam-se as reformas de base.

Uma parte da direção do partido, liderada por Prestes, acredita na possibilidade de sustentação política e militar das reformas, no Governo Jango, mesmo em minoria no Congresso. Falava-se até em "golpe preventivo", o que seguramente contribuiu para dividir as forças governistas e favoreceu as conspirações militares. Há dois aspectos relevantes: de um lado, a chamada esquerda liderada pelo PCB havia rechaçado a "política de conciliação" de San Thiago Dantas e a candidatura de Juscelino, lançada pelo PSD, embora em Pernambuco, na nossa boa província rebelde, nossa Confederação do Equador, com simpatias pelo Brasil afora, nós comunistas defendíamos desde logo a chapa Juscelino/Miguel Arraes para as eleições de 1965; de outro, a classe média, descontente com a "bagunça" política e o radicalismo da esquerda, já derivava em direção aos setores conservadores que propunham um "basta" às greves e crises políticas, apoiando políticos golpistas como Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, e militares liderados por Castelo Branco.

Quando houve o golpe, em 31 de março, a esquerda já estava politicamente derrotada; o "dispositivo militar" de João Goulart, desarticulado. Os comandos militares leais ao presidente e mesmo aqueles ligados ao PCB tinham certo poder de fogo, mas não tinham apoio na sociedade. A decisão dos militares do partido na ativa, como o brigadeiro Teixeira – na época comandante da Base Aérea de Santa Cruz – e dirigentes partidários, principalmente daqueles que tinham formação militar, como Prestes, Giocondo Dias, Dinarco Reis e Salomão Malina, dentre outros, foi não promover uma resistência armada e provocar um banho de sangue, iniciando uma guerra civil sem chances de sucesso político imediato. A História há de reconhecer a sabedoria e a grandeza dessa decisão.

Entretanto, os setores mais radicais do partido, liderados por Carlos Marighela, Joaquim Câmara Ferreira, Mário Alves, Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho, principalmente, viam tal decisão como uma capitulação e romperam com o partido, já na preparação do VI Congresso, realizado em 1967, na mais rigorosa clandestinidade. Mas a maioria do partido apoiou a maioria da direção, a sua política de frente democrática, a estratégia de acumulação de forças e a luta de massas. Disso resultou que o PCB combateu o voto nulo então defendido pela Ação Popular-AP e outras forças de esquerda, trabalhou decisivamente pela eleição de Negrão de Lima, na Guanabara, e ajudou nas vitórias de Israel Pinheiro, em Minas Gerais, José Sarney, no Maranhão, e José Agripino, na Paraíba, nas eleições de 1965, todos ostentando uma pequena dose de insatisfação com o regime recém-instalado e por essas posições, naquela oportunidade, eram pouco simpáticos aos militares. A política de luta democrática criou, sem dúvida alguma, as bases para as grandes manifestações oposicionistas de 1968, tendo na Marcha dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, sua maior expressão.

Apesar disso, influenciada pela Revolução Cubana e no seu expansionismo pós-OLAS das teses foquistas, aliás uma recorrente histórica das revoluções vitoriosas na tentativa de exportar o seu modelo, a juventude aderiu progressivamente às concepções militaristas, a via da luta armada e às organizações clandestinas de esquerda que pretendiam adotá-las. Seqüestros, assaltos a banco e focos guerrilheiros, urbanos e rurais, acabaram também por contribuir para a estruturação de um aparato repressivo policial-militar cuja missão era exterminar lideranças políticas da oposição, tanto aquelas que atuavam na luta armada, como os dirigentes do PCB e outros democratas.

Documentos de serviços de inteligência e de repressão da ditadura e de organismos das Forças Armadas, trazidos a público, que foram objeto de matéria na imprensa brasileira e serviram como fonte da magistral obra de Elio Gaspari, são reveladores desta dramática realidade. Foram criados dois grupos ultra-secretos, formados por várias pessoas, quase todas militares e de patente de oficiais, autorizadas a matar e a sumir com os corpos: era o braço sicário da ditadura. Revelam mais que a grande preocupação do regime militar, no início da década de 70, não eram as ações armadas nem a guerrilha, então já neutralizadas, mas o "trabalho de massa, segundo a tática sempre advogada e empregada pelo PCB".

A frente democrática

"Unir, organizar e mobilizar a classe operária e demais forças antiditatoriais na luta pela redemocratização do país", assim, simples e claro, o PCB definiu o centro de sua tática de luta contra o regime na resolução do VI Congresso. Acusado de capitulação, conciliação e reformismo, o partido buscou a ocupação dos espaços legais nos sindicatos e centros estudantis, nas redações dos jornais e nas cátedras universitárias, na estrutura do MDB, o partido de oposição "consentida" que serviu de abrigo àqueles que se opunham ao regime militar.

E aqui vale uma breve lembrança histórica, por envolver o PCB, o meu Recife e o MDB da resistência. Lembro-me muito claramente que um encontro, na Assembléia Legislativa, em 1970, lançou a Carta do Recife, documento corajoso e que contribuiu para que, nós comunistas e os democratas-liberais emedebistas sustentássemos uma forte luta interna – que se daria logo após a fragorosa derrota eleitoral daquele ano – contra a tendência de alguns setores de esquerda do MDB de auto-dissolução do partido. A superação dessa tendência se deu rapidamente e, a partir de 1974, o documento elaborado no Recife era agenda de intensos debates e já provocando uma inflexão da pauta política oposicionista, que veio, indubitavelmente, a conformar um novo MDB. Ressalte-se que foi na Carta do Recife que se adotaram as teses da Constituinte e da anistia, ambas aprovadas, em 1967, pelo VI Congresso do PCB. Estas teses foram expostas ao MDB e defendidas com energia por mim e por outros companheiros comunistas e pernambucanos como o saudoso Byron Sarinho, Mano Teodósio, Hugo Martins (Guri), Marcílio Domingues e Carlos Eduardo Pereira (Cadoca), hoje no PMDB, dentre outros. Também contávamos com o apoio de companheiros que atuavam na ilegalidade, mas, sempre presentes, como os dirigentes Paulo Cavalcanti, José Moreira Lima (Zeca do Porto), Fausto Nogueira, José Sobreira, Abelardo Caminha, Waldu Cardoso, e tantos outros comunistas abnegados e anônimos, além de companheiros de outros estados, o deputado Alberto Goldman sendo um deles.

Se as teses incorporadas pelo MDB vieram pioneiramente dos comunistas, elas só se viabilizaram em virtude de homens públicos e democratas como Pinto Ferreira, Marcos Freire, Jarbas Vasconcelos, Chico Pinto, Alencar Furtado, Freitas Nobre, Nadir Rosseti, Lisaneas Maciel, Amauri Muller, Airton Soares, Fernando Lyra, Marcondes Gadelha e tantos outros. Obviamente, todos sob o comando dos grandes líderes da frente democrática Ulisses Guimarães e Tancredo Neves.

A reação foi imediata, no governo, junto às forças conservadoras e em parte da mídia. Um grande jornal do Sul, ao MDB anunciar suas novas bandeiras, acusou-as como "coisa de comunista". A Constituinte e a anistia, que depois empolgaram o Brasil, realmente eram "coisa de comunista".

O esforço realizado pelos militantes do PCB para reorganizar a oposição e uni-la, juntamente com democratas como Ulisses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho, dignos anticandidatos, Franco Montoro, Teotônio Vilela, Nelson Carneiro, Josaphat Marinho, Tales Ramalho e outros, não foi em vão. A primeira grande safra de vitórias foi, indiscutivelmente, nas eleições de 1974, quando o regime foi duramente derrotado nas urnas. A reação do presidente Geisel, o ditador de plantão, como todos sabem, foi o endurecimento do regime e uma ação visando a liquidação pura e simples do partido, com a realização de milhares de prisões em todo o país, os seqüestros e os assassinatos dos integrantes do Comitê Central.

São comuns avaliações que atribuem a Golbery do Couto e Silva, estrategista de Geisel, uma bem sucedida estratégia para a transição à democracia, como se os militares fossem vitoriosos e a oposição democrática derrotada. Discordo, o regime militar buscou sua institucionalização como "democracia relativa" e somente não atingiu seus objetivos porque foi sucessivamente derrotado nas eleições e o mundo mudou.

Foi assim nas eleições de 1978 quando, pela primeira vez, fui eleito deputado federal por Pernambuco, com outros seis companheiros do PCB, todos abrigados na legenda do MDB. De igual maneira, o regime militar foi derrotado nas eleições de 1982, quando a oposição elegeu a maioria dos governadores. E também foi derrotado na eleição de Tancredo Neves, depois de uma vitoria de Pirro na votação da emenda das diretas já, cuja campanha foi sem dúvida o ponto alto da luta de massas contra o regime.

A transição à democracia foi pactuada e longa, mas possibilitou que um líder operário chegasse à Presidência e superou a tutela que os nossos militares exerceram sobre a República, desde a sua proclamação. Hoje, não se escutam os clarins da revolução nas ruas, como os defensores da luta armada imaginavam ao sonhar com a derrubada da ditadura, mas felizmente o povo decide os destinos do Brasil nas urnas.

Democracia, um valor permanente

Lembrar e debater os 40 anos de regime militar como o fazemos aqui, assim como ocorreu no Recife e em várias outras partes do país, é importante para o Brasil e para a democracia. Não para apenas lembrar aos mais jovens do significado de um regime ditatorial, do fascismo, da falta de liberdades, o que se faz necessário. Mas, sobretudo, para continuar discutindo, reafirmando caminhos democráticos, pois o golpismo, presente como já disse em nossa cultura, vive a pairar sobre a política, sobre a sociedade, sobre nossos homens públicos e nossas instituições.

Estamos convencidos de que não há outro caminho para solucionar os graves problemas nacionais, fora da democracia. Qualquer atalho dará em desastre. E quando falamos em democracia, estamos definindo grandes processos de articulação que possam romper com o sebastianismo político, com o salvacionismo que, de alguma forma, esteve presente no amplo movimento que levou Lula ao poder. Se as alianças políticas dos idos de 1970 e 1980 foram fundamentais para derrotar o regime, para mudar o Brasil elas são impostergáveis. Não alianças de qualquer tipo, com forças conservadoras ou oligárquicas, ressuscitando figuras que começavam a cair no ostracismo, feitas apenas em nome da manutenção do poder, de uma certa governabilidade canhestra. Falamos de alianças estruturais, da montagem de um novo bloco político, forte, capaz de levar o Brasil romper com a inércia, criar um novo pensamento econômico, uma nova sinergia política.

Basta a crise pairar sobre um governo, como ocorre atualmente com a atual gestão petista, que setores de centro, conservadores, aventam saídas perigosas. Nesse ponto, somos claros: não queremos criar problemas ao Governo Lula, mas sim corrigir rumos, buscar saídas, formular com uma nova base de sustentação um projeto político, hoje inexistente em Brasília.

Nossa visão democrática, para além das reformas democráticas do Estado, passa, também, pela defesa do parlamentarismo como o melhor sistema de governo a apontar para o futuro. Ele nasceria como fruto de muita discussão, definido por referendo, e podendo ser instituído em 2010, fora do quadro de crise e eliminando quaisquer perspectivas golpistas contra Lula. O presidencialismo se esgotou, virou elemento de crise institucional.

Esperamos que a ditadura, definitivamente, seja varrida da nossa história como experiência. A democracia, como já se disse, talvez tenha muitas imperfeições, mas nada melhor foi inventado para ocupar o seu lugar. E olha que venho de uma tradição, a marxista, que, em épocas distantes, chegou a acreditar em uma ditadura, de classe, a ditadura do proletariado.

*Roberto Freire é presidente nacional do PPS - Partido Popular Socialista

Fonte: Revista Política Democrática (nº 8)

domingo, 27 de janeiro de 2008

Ser ético, ser herói

Por Renato Janine*


Quem viu o filme Casa da Rússia, com Sean Connery e Michele Pfeiffer? Numa certa altura, entusiasmado, o editor inglês que é representado por Sean Connery diz: "Hoje, para alguém ser uma pessoa decente, precisa ser herói". É uma frase fortíssima, que muda toda a história que vai acontecer depois – e que por isso mesmo eu não vou contar. Mas quer isso dizer que, hoje, para ser ética, uma pessoa tem que ser heróica? Ficou tão difícil a ética, assim?

É o que ouvimos quase todo dia. Os brasileiros dão muita importância à ética. Dividimos o mundo em gente decente e indecente. Quando algo dá errado, por exemplo, uma política pública, automaticamente se pensa em roubalheira, não em incompetência.

Mesmo os bandidos falam em ética. Na cadeia, punem sem piedade quem abusou sexualmente de crianças ou de mulheres. É comum até um criminoso falar na sua "ética", nos seus valores.

Também, quando tratamos um serviço, é freqüente a pessoa contratada explicar por que ela faz tão bem o seu trabalho e, sobretudo, por que não pratica certas desonestidades que seus colegas (jura ela!) fazem.

Acredite, claro, quem quiser. Mas faz parte do nosso discurso social, da nossa fala com o outro, afirmar: eu sou ético, num mundo em que o resto não o é. Eu sou do bem. O mundo está de pernas para o ar, tudo está errado, mas eu não.

Aqui temos então duas grandes idéias fortes da brasilidade. A primeira é que as coisas em geral não andam bem. A economia nos aperta, a sociedade está complicada, até a amizade e o amor estão em crise. Percebemos bem essa devastação e ela nos incomoda. Mas a segunda idéia é que eu, pessoalmente, ajo bem. Sou honesto.

Serei herói? Aqui é que estão as coisas. Boa parte do auto-elogio (eu sou o único decente num mundo de bandidos) é mentira. Basta ver como termina o serviço do profissional que gabou sua honestidade: tão ruim quanto o dos outros, ou mesmo pior. Então, parece que o personagem da Casa da Rússia tem razão: a ética virou artigo raro. Ser ético é mostrar-se capaz de heroísmo.

Vale a pena então irmos, deste filme recente, baseado num livro de John Le Carré, para a tragédia grega Antígona, que Sófocles escreveu no século V antes de Cristo. Penso que toda reflexão sobre a ética deve começar por ela.

Antígona é filha de Édipo. Dois de seus irmãos lutam pelo poder, e ambos morrem. O trono fica então com seu tio, Creonte, que manda enterrar um dos sobrinhos com todas as honras – e deixar o corpo do outro aos abutres. Antígona não aceita isso. Participa do enterro solene de um irmão e depois sepulta, com os ritos religiosos, o outro, o proscrito.

O rei fica furioso. Está convencido de que é uma conspiração contra ele. Manda descobrir quem violou suas ordens. Ao saber que é a sobrinha, tenta poupá-la: se ela negar que foi ela, ou se pedir desculpas, enfim, ele lhe dá todas as saídas – sob uma condição só, de que ela negue o seu ato. Antígona se recusa e é executada.

Essa história é exemplar. Ela mostra que há um conflito latente entre a ética e a lei. Um governante dá ordens. Estas podem ser legítimas ou não. Creonte fez o que não devia, moralmente, mas é ele quem manda. A lei está com ele. Neste caso, o que fazer?

Vou passar a um caso relativamente recente. Um tempo atrás, eu estava na França, quando um homem morreu na calçada, em frente de uma farmácia, sem que ninguém o acudisse. O farmacêutico explicou: se tocasse no outro, se tornaria responsável por ele. Só um médico poderia fazê-lo. Descobriu-se, porém, que bastaria um remédio simples para salvar o rapaz da morte. O que fazer?

Assisti então a um amplo debate. Foi sugerida uma mudança na lei, para que as pessoas pudessem acudir a seus próximos sem serem processadas, quando agissem de boa fé. Também se propôs um sistema de atendimento mais rápido das emergências. Mas quem, a meu ver, resolveu a questão foi um jornalista, que disse mais ou menos o seguinte:

- Se precisarmos de uma lei que autorize as pessoas a agirem humanamente, a socorrerem os outros sem pensar nos castigos e riscos que correm, não estará tudo perdido? Porque nunca as leis vão prever todos os casos. Sempre, para alguém agir bem, de maneira ética, em solidariedade com os outros, haverá um terreno incerto, um espaço que pode até ser ilegal.

- Precisamos de uma lei nos permitindo ser decentes? continuou ele. Ou deveremos estar preparados para correr os riscos, até mesmo de sermos presos, quando um valor mais alto se erguer, o valor do respeito do outro?

É este o heroísmo de que falava o personagem da Casa da Rússia. É este o heroísmo que Antígona praticou. E ele exige que, às vezes, estejamos dispostos a infringir a própria lei, a desobedecer às regras, quando for em nome de um valor superior. Em nosso mundo, este valor mais elevado pode ser, antes de mais nada, a vida de alguém. Aliás, costuma haver polêmica sobre o chamado "furto por necessidade", quando um esfomeado furta comida para sobreviver: isso não é um crime.

Mas as coisas podem ir mais longe. Maria Rita Kehl elogiou em um artigo , o líder dos sem-terra João Pedro Stédile. O que vale mais, a lei de propriedade da terra, que perpetua uma exclusão social enorme, ou o direito das pessoas a viver, e acrescento, a viver dignamente? Do ponto de vista ético, é claro que vale mais o direito à vida digna.

Nem sempre foi assim. Um pregador puritano inglês do século 17, Richard Baxter, tem uma frase horrorosa. Na época, enforcava-se quem roubasse um pedaço de pão. Ele justifica isso: a vida dos pobres, explica, não vale grande coisa, ao passo que o atentado à propriedade destruiria os fundamentos da própria sociedade.

Não há consenso a este respeito. Uns defendem os sem-terra, outros os atacam. Mas o que quero levantar aqui é algo mais forte: é que a ética e a lei não coincidem necessariamente. Muitas vezes, ser decente exige romper com a lei. Foi assim sob o nazismo e sob todas as formas de ditadura. É assim também quando a desigualdade ou a injustiça impera.

Aí, sim, o ser humano precisa ser heróico. Porque violar a lei, mesmo que seja por um valor moral relevante, significa sofrer as penas da lei. Numa sociedade decente, imagino que o juiz não mandará para a cadeia quem infringiu as normas legais devido a valores morais mais altos, como os que citei. Mas não há garantia nenhuma disso. Pode ser que a pessoa seja punida, mesmo.

E é importante insistir nisso. O que queremos nós: cidadãos obedientes à lei, a qualquer lei, ou sujeitos éticos, decentes? O ideal é juntar as duas coisas. Mas, na educação, devemos apostar na autonomia, isto é, na formação de pessoas que sejam capazes de decidir por si próprias. O que significa que, em casos raros e extremos, elas tenham a coragem de enfrentar o consenso social e suportar as conseqüências de seus atos.

Isso, para terminar, pode fazer de qualquer um de nós um pequeno herói. O heroísmo não está só nas personagens da mitologia grega ou nos super-heróis da TV. Ele pode estar presente quando cada um de nós enfrenta uma pequena prepotência, em nome de um valor mais alto – desde, claro, que arque com os resultados de sua ação e que além disso lembre que é falível e pode estar errado. Mas é desses pequenos heroísmos pessoais que depende a dignidade humana.



*Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. É autor de "A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil" (2000, Prêmio Jabuti de 2001) e "A universidade e a vida atual - Fellini não via filmes" (2003).

Jean Jaurès



O filósofo e político francês Jean Jaurès, fundador do Jornal L´Humanité, foi ao lado do marxista Jules Guesde, um dos fundadores do Partido Socialista Francês no começo do século XX. Jaurès era um democrata radical, um humanista que defendia o socialismo não segundo o ponto de vista materialista do marxismo e sua teoria sobre a luta de classes, mas sim segundo um ponto de vista moral, visando a emancipação do homem.

O socialismo de Jean Jaurès não coincide exatamente com o marxismo; recusava a ditadura do proletariado, a realização do coletivismo por um estado burocrático e o internacionalismo sistemático. O socialismo era, para ele, o livre e pleno desenvolvimento da pessoa humana, o verdadeiro sentido da declaração dos direitos do homem. Acreditava ser possível à criação de uma sociedade sem classes por meio de um esforço pacifico, sem sair do quadro eleitoral. Quando explodiu o caso Dreyfus, pediu a revisão do processo. Seu livro "As Provas" fez com que perdesse as eleições daquele ano e sua atitude chocou-se com a oposição de Jules Guesde e outros marxistas de uma ala contrária à defesa de um oficial burguês.

Jean Jaurès era pacifista, foi feroz opositor da Primeira Guerra Mundial, sendo uma das vozes que na II Internacional Socialista se posicionaram contra essa criminosa guerra imperialista. Ele afirmava que "Le capitalisme porte en lui la guerre comme la nuée porte l'orage"(O capitalismo traz em si a guerra como a nuvem traz a tempestade). Tentou organizar uma greve geral na França e na Alemanha, para deter o avanço da guerra. Por esse motivo Jean Jaurès foi assassinado em um café de Paris, no dia 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um jovem nacionalista francês que desejava a guerra com a Alemanha, que teve inicio em 3 de agosto de 1914.

O lider espírita Leon Denis, discipulo de Allan Kardec, era socialista. Ele defendia o socialismo humanista de Jaurès, tendo inclusive escrito o clássico "Socialismo e Espiritismo", onde busca demonstrar que a Doutrina dos espíritos e o socialismo se completam. Deixava claro entretanto, sua oposição ao materialismo marxista.

"Segundo os meus artigos precedentes, eu me coloquei entre os socialistas. Mas tive o cuidado de dizer que não aceito o socialismo sem a doutrina espiritualista que o tempera, o docifica, tirando-lhe todo o caráter de áspera violência. Reprovo o socialismo materialista que só semeia o ódio entre os homens e, por conseguinte, permanece infecundo e destrutivo, como se pode ver na Rússia. Sou evolucionista e não revolucionário." (Leon Denis; em "Socialismo e Espiritismo)

Sou defensor incondicional do socialismo democrático e do humanismo, motivo pelo qual tenho na obra de Jean Jaurès, um dos meus referenciais ideológicos e filosóficos. Leiam abaixo um texto escrito por ele em 1911, onde defende o serviço público.


OS TRABALHADORES E O SERVIÇO PÚBLICO

Após um acidente de trem da companhia ferroviária Ouest-Etat, então recém-nacionalizada, diretor do jornal 'L'Humanité', escreveu este artigo, em 19 de fevereiro de 1911 1 , que parecia antecipar o que viria quase um século depois

Jean Jaurès

E eis que, brandindo os acidentes da Ouest-Etat, toda a imprensa capitalista se precipita contra os serviços públicos. Todos os especuladores, todos os aproveitadores, todos aqueles que, após terem roubado magníficas riquezas à nação, queriam especular, monopolizar e roubar mais, todos aqueles que estão de olho, à espera de novas concessões, no minério de Ouenza, no carvão e no minério de Meurthe-et-Moselle, no ouro de múltiplas jazidas, todos aqueles que querem, sem que sejam perturbados em sua especulação, captar a energia hidráulica, geradora de luz e de movimento. Todos eles, organizados numa tropa, queriam persuadir a França de que o Estado democrático nunca será capaz de administrar uma indústria e de que devem ser deixadas por conta das empresas privilegiadas as riquezas que elas próprias já usurparam e que lhes devem ser entregues todas as novas riquezas.

Será o povo operário e camponês enrolado por essas manobras? Será que ele se deixará enganar e esfolar uma vez mais? Será que, justamente quando se acelera a política de nacionalização e municipalização no mundo inteiro, a França proclamará sua incompetência, sua inépcia, e consagrará as pretensões de um feudalismo que a sangra e subjuga? Quem compactuasse, direta ou indiretamente, com essa manobra dos capitalistas, estaria cometendo um autêntico crime.

Oligarquia ávida

Não se permita que a oligarquia explore as catástrofes, pelas quais é, em grande parte, responsável


Ah! Que se denunciem os erros da Ouest-Etat; que se procure a causa; que se lance uma luz implacável sobre todas as responsabilidades; que se reabra o processo da antiga empresa que criou deliberadamente uma situação intolerável e que se revelem os erros da burocracia que sem dúvida construiu, depressa demais, um novo regime sobre uma base podre; que se questionem aqueles que, para agradar à empresa ou por uma indesculpável negligência, não fizeram proceder ao exame rigoroso da estrada de ferro e do material, ao inventário preciso que teria permitido, de acordo com as cláusulas financeiras da compra, diminuir as pretensões abusivas dos acionistas e teria constituído, para o novo regime, uma advertência de prudência; que seja posto um fim à discórdia, à desconfiança recíproca entre o pessoal da antiga empresa e o da rede adquirida; que se organize – por meio de uma participação mais efetiva do pessoal empregado, do Parlamento, do próprio público, representado por seus delegados eleitos para esse fim, e pelos membros das grandes associações comerciais, industriais e sindicais – um controle mais eficaz; que não se tenha medo de agir rapidamente, seja qual for o custo do esforço financeiro necessário, para se obter o bom funcionamento da rede. Sim, mas que não se permita a uma oligarquia ávida em explorar as recentes catástrofes, pelas quais é, em grande parte, responsável, que aumente ainda mais seu domínio feudal às custas de toda a população. E, também, que nunca os socialistas dêem à necessária crítica do Estado burguês – que, aliás, depende de nós para ser cada dia menos burguês – uma forma tal que faça o monopólio do capital se sentir regozijado e fortalecido.

Não é indiferente provar que complexos industriais podem funcionar sem o controle dos magnatas do capital

Os ferroviários acertaram quando, há poucos dias, em seu congresso sindical e denunciando a intriga reacionária, não só reivindicaram que a rede Ouest-Etat fosse mantida, mas também que a totalidade das redes ferroviárias fosse nacionalizada. Para toda a classe operária, há um interesse vital em que serviços públicos democraticamente administrados ocupem o lugar dos monopólios capitalistas e que funcionem com um padrão de excelência, com a participação e a dedicação de todos.

Avanços no setor público

Primeiramente, os trabalhadores podem conquistar, dessa maneira, mais garantias. Numa democracia, o Estado, por mais burguês que ainda seja, não pode desconhecer os direitos e os interesses dos assalariados de modo tão pleno e cínico quanto os monopólios privados. A antiga Ouest-Etat antecipara-se a todas as demais empresas ao implantar reformas que favoreciam os trabalhadores; e agora, com a rede adquirida, a reintegração dos ferroviários está praticamente concluída, enquanto as empresas, ridicularizando o poder, o Parlamento e a consciência pública, respondem a qualquer pedido de reintegração com o mais despótico e injurioso indeferimento. Aliás, neste mesmo momento, o Estado prepara para os servidores públicos um regime salarial melhor do que o das empresas privadas. Mas isso não é tudo; e o Parlamento tem interesse, para a transformação da sociedade capitalista em sociedade socialista, em que os grandes serviços públicos, administrados segundo regras democráticas e com uma ampla participação da classe operária na sua direção e controle, funcionem de maneira precisa e vigorosa. Não é indiferente que se possa provar que enormes complexos industriais podem funcionar sem o controle dos magnatas do capital. Por mais longe que estejam do que virá a ser a organização coletivista, os serviços estão mais perto desse objetivo, num país de democracia e organização operária, do que os monopólios privados. Eles são uma primeira forma de organização coletiva. Pressupõem – em cada um dos que dele participam e que devem coordenar seus esforços sem a disciplina brutal de antigamente – aquele senso de responsabilidade e preocupação com a obra comum sem os quais o mecanismo coletivista falharia.

Os proletários devem defender os serviços públicos contra as campanhas sistemáticas da imprensa burguesa

Os serviços públicos democratizados podem e devem ter um efeito triplo: diminuir a força do capitalismo, dar ao proletariado mais garantias e uma força mais direta de reivindicação e desenvolver nele, para compensar as garantias conquistadas, o zelo pelo bem público, que é uma forma básica da moralidade socialista e a própria condição necessária para o despertar de uma nova ordem.

O papel dos trabalhadores

Que os proletários defendam portanto, com todas as suas forças, os serviços públicos contra as campanhas sistemáticas da imprensa burguesa e contra as decepções que produz, junto à própria classe operária, uma primeira experiência, desastrada e arrogantemente burocrática, do regime da nacionalização.

Que eles não entreguem o Estado às oligarquias, mas que se esforcem, ao estender o domínio do Estado, por ampliar sua ação dentro do Estado e sobre o Estado, por meio do desenvolvimento de sua organização sindical e de sua força política.

Eis aí um elemento necessário da política de ação de ampla e profunda "realização" que o Partido Socialista deverá propor à democracia francesa à medida que o radicalismo decomposto manifestar sua impotência essencial.

(Trad.: Jô Amado)

1 - Trecho do livro Un siècle d'Humanité – 1904-2004, org. Roland Leroy, ed. Le Cherche Midi, Paris, 2004.

Educação em primeiro lugar



"Mais porque entendemos que devemos fazer o desenvolvimento para o homem, e não condicionar o homem à sua prática, a grande revolução a que aspiramos, a qual, ao nosso entender, precede à do próprio progresso econômico, é a da educação do povo, uma revolução que liberte o povo do analfabetismo e da ignorância." (Leonel Brizola)

EDUCAÇÃO EM PRIMEIRO LUGAR
Cristovam Buarque - senador pelo PDT/DF

Passou sem muito alarde, ofuscado pela visita do Papa ao Brasil, o 119º aniversário da Abolição da Escravatura. Parece estranho, à primeira vista, que uma data tão importante para a História do Brasil tenha passado despercebida. Mas há uma explicação. Ao longo desses 119 anos, fomos incapazes de completar o ato de uma princesa no dia 13 de maio de 1888.

A verdade é que aquela lei magnífica, de um único artigo, extinguiu a possibilidade de venda de seres humanos, bem como do uso de trabalhos forçados. Mas ela não acabou com a escravidão. Proibimos o trabalho contra a vontade e sem remuneração, mas permitimos o desemprego.

Autorizamos os escravos a deixarem as senzalas, mas os liberamos para as favelas, o relento dos viadutos, as tendas do MST. Deixamos de enviar para a senzala as sobras da casa-grande e criamos uma fome que o escravo não passava. E o mais grave: abolimos a proibição de que os filhos de escravo fossem à escola, mas não os colocamos nas escolas. Eles foram deixados "livres" para perambular pelas ruas, abandonados.

Na época, a Lei Áurea foi aprovada, mas recebeu grandes contestações dos senadores contrários à abolição. Eles afirmavam que o Brasil devia, sim, eliminar a vergonha do elemento servil, mas que ainda não era hora de fazê-lo. Argumentavam que a agricultura se desarticularia. Que era preciso aguardar a chegada ao Brasil de imigrantes brancos.

Hoje ouvimos de nossos parlamentares discursos semelhantes. Não somos contrários à abolição do analfabetismo, mas não encontramos os recursos suficientes. Afirmamos que uma revolução na educação é prematura; que ela deve ser gradual. Ou que precisamos, sim, melhorar a educação, mas que essa é uma tarefa dos municípios.

Imaginemos que a Princesa Isabel tivesse encarregado os prefeitos de abolirem a escravidão nas suas cidades. Provavelmente, encontraríamos escravos em todos os municípios brasileiros até hoje. Por que então nos recusamos a tomar decisões federais para que todas as crianças tenham uma escola de qualidade? Por que nos recusamos a adotar uma política salarial federal para os professores? Por que evitamos uma lei federal que determine os padrões mínimos de qualidade de uma edificação para que seja considerada escola, evitando assim a utilização de prédios sem água, sem luz, sem banheiros, sem bancos, sem telhado?

Devemos ser francos e admitir que, nesses 119 anos, fomos incapazes de completar o gesto da Princesa Isabel. Os seres humanos não podem mais ser vendidos, mas permanecem abandonados. E a chave de tudo, insisto, está em garantir uma escola igual para o filho do rico e o filho do pobre. Um país não tem o direito de promover uma educação desigual para crianças e jovens, impedindo-os de desenvolverem livremente seu talento, sua persistência e sua vocação.

A Abolição será completa somente quando, no nosso País, as 164 mil escolas públicas tiverem a mesma qualidade e cada criança tenha as mesmas chances de construir um futuro de dignidade e liberdade.

Falta vontade nacional, não municipal. Vontade como teve a Coroa, em 1888, quando uma princesa assinou: "Está extinta a escravidão no Brasil". Agora, uma só lei não bastará, precisaremos de um conjunto de leis. E não será possível promover uma revolução na educação em só de um dia. Levará dez, 15 anos, até completarmos a Abolição. Mas ela é possível. Basta colocarmos a educação em primeiro lugar.

Fonte: Jornal do Commercio - 18/05/2007

A importância do IV Congresso Nacional do PDT



"O PDT é um partido nacionalista, socialista, voltado para os setores excluídos da sociedade brasileira." (Manoel Dias, secretário geral do PDT)

O Partido Democrático Trabalhista, herdeiro das melhores tradições do trabalhismo brasileiro, desde Getúlio Vargas e João Goulart, até Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, irá realizar nos próximos dias 18, 19 e 20 de abril de 2008, em Brasília, o seu IV Congresso Nacional. Será o momento e a hora adequada para reafirmarmos o fato do trabalhismo ser o caminho brasileiro para o socialismo, restabelecendo o papel do nosso partido como vanguarda das lutas sociais em nosso Brasil.

Em 1978, Moniz Bandeira entrevistou Leonel Brizola no seu exílio nos EUA. Nessa entrevista, Brizola concedeu definições elucidativas sobre o que é o trabalhismo.

"Assim, pois, compreendo o trabalhismo como o primado dos valores do trabalho, a luta contínua para aumentar a participação dos trabalhadores na riqueza social, opondo-se a toda e qualquer forma de exploração do homem pelo homem, de classes sociais por outras classes sociais e de nações por outras nações. Desse modo, o trabalhismo expressa, fundamentalmente, as aspirações de todos os que dependem do trabalho para viver, isto é, dos trabalhadores das cidades e dos campos, dos assalariados em geral, bem como dos agricultores e dos que vivem da prestação de serviços, sem distinção da natureza de suas tarefas."

(Brizola apud Bandeira, 1978, 189-190)


Nessa mesma entrevista, Brizola também fala sobre a democracia defendida pelos trabalhistas.

"Democratizar, portanto, não é só proclamar, abstratamente, a igualdade jurídica, que todos são iguais perante as leis, mas abolir privilégios econômicos, sociais e políticos, que terminam por negar a própria democracia e sufocar a liberdade. Socializar, por outro lado, não é transferir pura e simplesmente para o estado o monopólio dos meios de produção. É democratizá-los, mediante o controle social de sua utilização e dos valores que gerar, o que só o exercício das liberdades políticas assegura, corrigindo distorções, que terminam por comprometer a própria socialização."

(Brizola apud Bandeira, 1978, 193)


Após a traição do "lulla-petismo", que eleito pela esquerda, buscou alianças com a direita fisiológica(PP, herdeiro da ARENA e partido de Paulo Maluf e Severino Cavalcante, PTB, partido de Roberto Jefferson e Fernando Collor, setores conservadores e fisiológicos do PMDB, como aqueles ligados a José Sarney, Edison Lobão, Renan Calheiros, etc), estabelecendo dessa forma um governo que promove lucros fabulosos aos banqueiros, enquanto destina "esmolas" para os pobres, cabe a nós trabalhistas recuperar a esperança do povo brasileiro e construir um governo de centro-esquerda, capaz de resgatar o projeto de nação desenvolvido por Getúlio Vargas, e assim promover a libertação da nação brasileira.

OBS: Ao ser questionado sobre a relação do PT com os banqueiros, após publicação, pelo TSE, dos dados da prestação de contas do partido, o Líder do PT na Câmara Federal, o Sr. Luiz Sérgio, afirmou que "é natural que o partido tenha recebido doações de bancos, já que Lula estava no poder". Para o Sr. Luiz Sérgio, enquanto Lula estiver no poder, é justificável que o PT receba doações dos bancos na ordem de mais de R$ 8 milhões de reais. Quando Lula não estiver mais no poder, aí é que será realmente controverso que continue a atrair investimentos de banqueiros.

O Sr. Luiz Sérgio crê que seja tarefa do maior Partido de esquerda da América Latina legitimar o sustento de uma política econômica que, ao manter as taxas de juros a níveis altíssimos e priorizar o controle inflacionário, garante lucros da ordem de R$ 4 bilhões a bancos privados como o Itaú e o Bradesco e não menos do que da ordem de R$ 1 bilhão ao Unibanco, Banco Real e Santander.

Esse é o PT, um partido que afirma defender o socialismo democrático, mas que considera "natural" o fato de que quase 20% do total de doações destinadas ao partido tenham vindo de bancos. É mesmo natural, afinal em cinco anos no governo, tem governado a favor dos banqueiros, enquanto arrocha a classe média e concede esmolas aos pobres, na forma de programas assistencialistas como o Bolsa Familia.


"A Bolsa Família pode até diminuir a miséria entre os beneficiários, mas não elimina a pobreza do Brasil. Diminui a pobreza momentânea, mas não constrói um País rico, pois não reduz a dependência. Isso, só com uma revolução na educação. (...) Cada vez que há uma crise na economia ou no tráfego aéreo, o presidente reúne seus conselheiros. Mas a tragédia educacional permanece, sem que haja um gesto seu. Porque ela inviabiliza o futuro, mas não reduz os índices de popularidade nem tira votos."

(Cristovam Buarque; em 'Foram avisados')


O PDT apoia o governo Lula, mas apoia criticamente. A frente do Ministério do Trabalho, tem realizado a defesa incondicional dos direitos da classe trabalhadora, motivo pelo qual desejam retirar essa pasta do nosso partido, desejam retirar essa pasta do companheiro Carlos Lupi.

Verdade seja dita: se o governo Lula ainda não se bandeou para a centro-direita, tornando-se uma espécie de clone do governo FHC, é devido a participação do PDT no Ministério do Trabalho, defendendo os direitos da classe trabalhadora, direitos que foram estabelecidos pelo trabalhismo de Getúlio e João Goulart. Para não dizer que estou sendo partidário nessa análise, também reconheço o papel do PSB, do PCdoB e de setores da esquerda petista. Agora caso dependesse do antigo "Campo Majoritario" do PT, esse governo já teria tomado um rumo de centro-direita.

O PDT tem um passado a se orgulhar. Ao contrário dos "lulla-petistas", nós trabalhistas nunca traimos a esperança do povo brasileiro. Não somos a esquerda que a direita gosta! Quando estivemos a frente do governo federal, com Getúlio e João Goulart, construimos a versão brasileira do "Welfare State", construimos um projeto de nação soberana, e por isso sofremos várias tentativas de golpe por parte da direita reacionária, até que em 1964, os reacionários conseguiram chegar ao poder e desde então o Brasil tem sofrido bastante com o desmonte da "Era Vargas".

Nesse IV Congresso, o PDT irá reassumir seu papel de vanguarda das lutas sociais em nosso país. Nas palavras do companheiro Manoel Dias: "Temos que fazer com que o PDT retome o seu caminho, recupere o seu espaço político e aglutine as forças de esquerda – hoje tão desorganizadas no Brasil."

Leia o texto abaixo e reflita:

Saudade da "Era Vargas"

Léo de Almeida Neves

A vitoriosa Revolução de 1930 encontrou a economia e a administração pública do Brasil em absoluto caos. Os Estados cobravam tarifas diferenciadas na circulação de mercadorias para outras unidades federativas; ademais, tinham o direito constitucional de cobrar imposto de exportação e podiam contratar livremente empréstimos internacionais, cujo pagamento não era honrado, abalando o conceito do país.

Os Estados compravam diretamente do exterior armas e equipamentos bélicos para suas polícias e brigadas militares, de tal sorte que São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul poderiam enfrentar de igual para igual o frágil exército federal. As bandeiras dos Estados se sobrepunham à nacional.

Getúlio acabou com essa balbúrdia e a União assumiu as dívidas externas dos Estados, transferiu para o governo federal a cobrança, agora mínima até a completa extinção, do imposto de exportação e eliminou as tarifas interestaduais.

Ele subordinou as polícias estaduais ao exército e proibiu que importassem armas. As bandeiras estaduais foram simbolicamente queimadas no Panteon da Pátria junto ao Ministério da Guerra no Rio de Janeiro, unificando-se o culto e respeito à bandeira brasileira.

Vargas reaparelhou o Exército e a Marinha, criou o Ministério da Aeronáutica e garantiu a unidade nacional, como o Duque de Caxias havia feito durante o Império.

A dívida externa era impagável, e Vargas decretou sua moratória, antes explicando diplomaticamente aos credores que a medida era devido à crise econômica mundial, acarretada pelo colapso da Bolsa de Valores de Nova York de 1929.

A superabundância das safras de café, nosso principal produto de exportação, do qual detínhamos mais da metade da produção universal, reduziu seu preço a pó. O governo adquiriu excedentes e destruiu estoques, restabelecendo o equilíbrio estatístico e recuperando os preços.

O subsolo brasileiro pertencia a particulares, e as multinacionais do petróleo apoderavam-se de vastas extensões do nosso território. Em ato de afirmação de soberania, em 10 de julho de 1934, Vargas editou o Código de Minas, passando ao domínio da União as riquezas minerais do subsolo, que só poderiam ser exploradas mediante concessão.

Em 11 de abril de 1938, criou o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) precursor da Petrobras, nacionalizando sem indenização as possíveis reservas de petróleo, uma vez que as transnacionais não tinham perfurado sequer um poço. Em 29 de abril de 1938, nacionalizou a indústria de refinarias, deixando com o setor privado a distribuição de derivados e o varejo dos postos de gasolina.

Em 3 de outubro de 1953, sancionou a Lei 2004 nascendo a Petrobras, oriunda de Mensagem que enviara ao Congresso Nacional.

Após encampar a estrangeira Itabira Iron, que nada produzia, ele fundou a Cia. Vale do Rio Doce em 1º de junho de 1942, transformada na maior exportadora mundial de minério de ferro, com destaque para exploração da Serra de Carajás. A "Vale" foi privatizada por apenas R$ 3,3 bilhões, em 6 maio de 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso.

Em 9 de abril de 1941, Getulio Vargas decretou a criação da Cia. Siderúrgica Nacional, marco da emancipação econômica do Brasil, que se tornou realidade com financiamento e fornecimento do maquinário pelos Estados Unidos, habilmente negociados com o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, no contexto da cessão de bases militares no Nordeste e da participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial, a favor dos aliados contra o eixo formado por Alemanha, Itália e Japão, enviando a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e esquadrilha da FAB, que lutaram na península italiana combatendo os alemães.

Em 1º de maio de 1943, Vargas decretou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com 921 artigos que asseguraram a coesão social, fator determinante para a industrialização e crescimento econômico do país.

Em 1952, Getulio criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), até hoje o grande impulsionador das atividades produtivas do país, e o Banco do Nordeste voltado para o crescimento da região nordestina.

Cabe destacar a criação do DASP, que iniciou o processo de racionalização do serviço público, instituindo concurso de admissão em detrimento do nepotismo, com treinamento de pessoal e modernização da máquina administrativa.

Em 1953, Vargas submeteu ao Congresso Nacional mensagem para criação da Eletrobras, que só foi aprovada e sancionada no governo João Goulart.

Getulio Vargas presidiu o Brasil por 19 anos (1930 a 1945 e 1951 a 1954) e dedicou-se à política ao longo de 37 anos (deputado estadual e federal, senador, ministro da Fazenda e governador do Rio Grande do Sul).

Decorridos 53 anos do seu suicídio (em 24 de agosto de 1954) é inquestionável a visão de estadista, as virtudes republicanas, a coragem pessoal e cívica e a probidade de Getulio Vargas. Seus filhos Lutero, médico, Alzira, advogada, Jandira, do lar, Manoel, engenheiro agrônomo, não acumularam fortuna, como também seus irmãos Viriato, Protásio, Espártaco e Benjamim. Reportagem de cinco páginas da revista anti-getulista O Cuzeiro, de 19.04.1958, sobre o inventário de Vargas revelou que ele possuía os mesmos bens herdados de seus pais, acrescidos de um apartamento no Rio de Janeiro, adquirido com empréstimo da Caixa Econômica Federal.

O Brasil está precisando retomar os rumos do nacionalismo econômico e de rigidez no plano ético que assinalaram o período Vargas!


Léo de Almeida Neves, membro da Academia Paranaense de Letras, ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil

O senhor Mercado

Selvino Heck*

O senhor Mercado está à solta nos últimos dias. Abre-se o jornal, liga-se a televisão, ouvem-se os comentários econômicos e lá está ele. "Hoje o mercado acordou sobressaltado"; "o mercado teve soluços", "o FED americano deu um forte calmante para o senhor mercado"; hoje o mercado acordou de bom humor". Segundo os analistas, não se sabe bem porque o mercado está nervoso, em sobressaltos, se é porque a economia americana caminha para a recessão, se a China está crescendo demais, se o petróleo aumentou de preço. A verdade é que o Mercado está descontrolado, oscilando, dando pulos a cada dia, e os bancos centrais buscando remédios e injetando bilhões para acalmá-lo..

O mercado parece gente. Parece alguém de nós em grave crise na vida, porque perdeu um amor, porque morreu alguém, porque não passou no vestibular, ou por uma noite mal dormida. Fica-se nervoso, a cabeça dói, tem-se dificuldade de concentração, o coração ameaça disparar, o desconforto é geral.

Não é mais o capitalismo industrial que controla o mundo e domina a economia. Não é mais a produção de alimentos, de peças de carro, de utensílios residenciais ou de trabalho quem determina o dia a dia das pessoas, seu emprego ou desemprego, seu salário maior ou menor, seus ganhos, sua rentabilidade. O capitalismo financeiro determina os fluxos de dinheiro, os lucros obtidos, os problemas econômicos, as crises dos países. O mercado decide, determina. É a globalização financeira.

E é taxa de juros pra cá e pra lá, a tal Taxa Selic e tantas outras, rendimentos de capital, subida ou descida das bolsas de valores, taxa de câmbio. Um recuo ou avanço na base dos centésimos nos números do mercado pode ser um sinal, um arrancar de cabelos ou uma gargalhada para milhões ao redor do mundo. Tudo porque a Bolsa de Tóquio abriu em queda ou em alta, a de Hong Kong também, no que é seguido pelas Bolsas européias, a Bolsa Brasileira, como toda emergente, vai atrás, até que abre, finalmente, a Bolsa americana, referencial de todos (ou já nem o é mais, ou aos poucos não está sendo mais, porque o império americano, segundo muitos, está em crise, embora ainda vá levar décadas até ruir, como todo império).

Mas, ao que parece, o senhor Mercado veio para ficar. Instalou-se solenemente na praça e vende seus produtos. Quem tem um dinheirinho sobrando, cem, duzentos reais, vai lá e aplica em ações da Bolsa. E começa a acompanhar as notícias do dia. Caiu, subiu? Ganhou, perdeu? Quais as ações com maior liquidez? E a dor de cabeça aumentando porque o infeliz, em vez de trabalhar e ganhar o seu salário honestamente, resolveu investir no mercado de ações sem entender nada, achando que as burras estariam cheias no dia, no mês ou no ano seguinte. E eis que, de repente, uma tal de ‘subprime’ americana resolve entrar na roda e deixar tudo em suspenso e o mundo a perigo. Sim, o mundo a perigo! Vai que os juros voltam a aumentar no Brasil. Vai que a economia americana resolve desandar de vez. Vai que a China decide frear o crescimento à espera de dias melhores. Vai que o preço das ‘commodities’ (o mercado e a ciranda financeira nos ensinam todos os dias palavras novas, em inglês).

O senhor Mercado não perdoa. Ele é cruel, impiedoso. Pior que não se enxerga seu rosto nunca, ele é impessoal, não se sabe bem quem maneja suas intenções, se tem alguém que decide por ele. O que é certo é que não perdoa. O dinheiro que existia hoje amanhã pode simplesmente sumir, evaporar. Não é que nem a enxada, a roda da bicicleta, o tijolo, o paletó ou mesmo o livro. Esses são visíveis, sabe-se de onde vieram, onde foram ou podem ser aplicados; quem os comprou, quem os vendeu, o bom ou mau uso feito deles. Podem mesmo ser passados adiante, reutilizados, até porque duram tempo. Não são etéreos, insondáveis, desconhecidos de nome e sobrenome.

O senhor Mercado mata muita gente. Como poucos têm acesso a seus papéis, títulos e à sua convivência, acaba que os milhões e bilhões de reais, de dólares, de libras, de euros, de pesos terminam em meia dúzia de mãos e bolsos. Ou melhor, computadores, porque neles circulam os números. O senhor Mercado não lida com moedas ou cédulas que dá pra ver e tocar. Os demais, os que estão fora do mercado, que sobrevivam com as migalhas do que sobra dos banquetes dos que estão em Davos e decidem os destinos do mundo.

É preciso descobrir o senhor Mercado, sua residência, seu aparato, conhecer seu funcionamento e suas armas, e destruí-lo (ou alguém pensa que dá para reformá-lo?), antes que se torne tão forte e onipresente que seja impossível saber onde está, o que faz, como controla as mentes e corações. Para que se possa voltar a viver no mundo das coisas tangíveis, perecíveis e não mais no silêncio dos puros números e abstrações.

Há uma chance quando a crise se apresenta ameaçadora, como agora. Talvez hora de juntar outros e outras, reunir milhares, milhões, (re)começar ou continuar a organização, a luta e a resistência. E retomar os ideais de 1968, a rebeldia de 68, a construção da igualdade, o sonho de justiça, os valores da partilha e da solidariedade.


*Selvino Heck: Assessor Especial do Presidente da República. Fundador e Coord. do Movimento Fé e Política

EUA - ...Mentira como terra

Celso Lungaretti*

O presidente George W. Bush e altas autoridades do governo norte-americano emitiram nada menos do que 935 declarações falsas sobre as armas de destruição em massa que o Iraque possuiria ou estaria produzindo, de forma a obterem o aval do Congresso e da população dos EUA para a invasão de um país soberano e a derrubada do seu primeiro mandatário.

Foi o que concluíram o Centro da Integridade Pública e o Fundo para a Independência do Jornalismo, duas organizações jornalísticas sem fins lucrativos. Ambas acabam de divulgar estudo segundo o qual, nos dois anos seguintes aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, as mentiras governamentais foram disseminadas via pronunciamentos, relatórios, entrevistas e outros meios, como "parte de uma campanha organizada que direcionou efetivamente a opinião pública e, no processo, empurrou o país para uma guerra com indiscutíveis falsas pretensões".

Os jornalistas Charles Lewis e Mark Reading-Smith, ao apresentarem as conclusões desse estudo no site do Centro (http://www.publicintegrity.org/WarCard), comentaram: "Agora é incontestável que o Iraque não possui nenhuma arma de destruição em massa. Em outras palavras, o governo Bush levou a nação à guerra baseado em informações equivocadas propagadas metodicamente e que culminaram numa operação militar contra o Iraque em março de 2003".

Entre os pinóquios de alto escalão figuram também o vice-presidente Dick Cheney, a secretária de Estado Condoleezza Rice, o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld e o ex-secretários de Estado Colin Powell e Paul Wolfowitx.

Nos EUA, a imprensa lamenta amargamente ter-se deixado embalar pelos cantos de sereia oficiais e discute procedimentos a serem adotados para evitar novos logros. É verdade que, a exemplo do caso Watergate, os governantes só conseguiram iludir os jornalistas durante algum tempo, acabando por ser desmascarados.

No entanto, naquele episódio ainda houve tempo para atenuarem-se os danos, com a renúncia forçada do presidente Richard Nixon e a incriminação de vários dos seus cúmplices. Desta vez, tudo indica que Bush encerrará o mandato sem ser punido por sua responsabilidade direta ou indireta na morte de mais de 150 mil iraquianos e a desestabilização de uma pequena nação.


*Celso Lungaretti é Jornalista e escritor.

O trabalhismo de Getúlio, Jango e Brizola é o caminho brasileiro para o socialismo



O trabalhismo é uma ideologia genuinamente brasileira, nascida sobre a inspiração de Getúlio Vargas, João Goulart(Jango) e Leonel Brizola. Foi graças ao trabalhismo que foi conquistado o voto secreto, a justiça eleitoral e o voto feminino, assim como o salário mínimo, a jornada de trabalho de 8 horas, as férias remuneradas de 30 dias e todos os demais direitos da classe trabalhadora brasileira estabelecidos na CLT. O 13º Salário também é uma conquista do trabalhismo.

Por isso Brizola sempre repetia: "o Trabalhismo, no Brasil, é o caminho para o socialismo".

Em 1978, Moniz Bandeira entrevistou Leonel Brizola no seu exílio nos EUA. Nesse relato, Brizola concedeu definições elucidativas sobre o que é o trabalhismo.

"Assim, pois, compreendo o trabalhismo como o primado dos valores do trabalho, a luta contínua para aumentar a participação dos trabalhadores na riqueza social, opondo-se a toda e qualquer forma de exploração do homem pelo homem, de classes sociais por outras classes sociais e de nações por outras nações. Desse modo, o trabalhismo expressa, fundamentalmente, as aspirações de todos os que dependem do trabalho para viver, isto é, dos trabalhadores das cidades e dos campos, dos assalariados em geral, bem como dos agricultores e dos que vivem da prestação de serviços, sem distinção da natureza de suas tarefas."

(Brizola apud Bandeira, 1978, 189-190)


Nessa mesma entrevista, Brizola também fala sobre a democracia defendida pelos trabalhistas.

"Democratizar, portanto, não é só proclamar, abstratamente, a igualdade jurídica, que todos são iguais perante as leis, mas abolir privilégios econômicos, sociais e políticos, que terminam por negar a própria democracia e sufocar a liberdade. Socializar, por outro lado, não é transferir pura e simplesmente para o estado o monopólio dos meios de produção. É democratizá-los, mediante o controle social de sua utilização e dos valores que gerar, o que só o exercício das liberdades políticas assegura, corrigindo distorções, que terminam por comprometer a própria socialização."

(Brizola apud Bandeira, 1978, 193)


Fica bastante claro portanto, que o trabalhismo é a versão brasileira do socialismo democratico. Entretanto apenas o PDT - Partido Democrático Trabalhista, defende o verdadeiro trabalhismo. Isso porque durante a redemocratização, Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio, representante da ala fisiológica e pouco ideológica que dominava o cenário do antigo PTB paulista, e amiga do general Golbery do Couto e Silva, ganhou na justiça o direito de reorganizar o PTB - Partido Trabalhista Brasileiro. Esse PTB nada tem em comum com o velho PTB de Getúlio e João Goulart.

Para Brizola, a perda da sigla não foi apenas simbólico. O PTB sozinho possuía uma carga simbólica muito grande e Brizola seria um líder dessa tradição. Ele viu-se então obrigado a fundar um novo partido, o PDT. Portanto o autêntico defensor do trabalhismo, o verdadeiro herdeiro do PTB de Getúlio e João Goulart, é o PDT.

O PDT é o unico representante brasileiro na Internacional Socialista, e apoia de forma critica o governo Lula, em nome dos interesses da nação e do povo brasileiro, que viram em sua reeleição, a forma de derrotar o projeto neo-liberal de tucanos e pefelistas(atuais democratas). O PDT luta para que o governo Lula assuma um caráter mais voltado para a esquerda, que se torne um governo social-democrata capaz de realizar reformas que beneficiem a classe trabalhadora, como a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução de salários, a reforma agrária, a retomada de uma política desenvolvimentista geradora de emprego e da justa distribuição da riqueza, além de investimentos na saúde e na educação pública.

Sou filiado ao PDT desde junho de 2003, e convido a todos que acreditam ser possível construir um Brasil soberano, democrático e justo, a também se filiarem.

Leiam os textos abaixo e conheçam as idéias que animam o PDT

Carta de Mendes

O Diretório Nacional do PDT esteve reunido, durante dois dias consecutivos, na cidade de Mendes, Rio de Janeiro, para ampla discussão e tomada de decisões sobre os rumos a serem assumidos pelo Partido e sobre suas responsabilidades neste momento da vida brasileira. Como ponto preliminar, estabeleceu-se um conjunto de medidas visando ao fortalecimento e a ampliação das estruturas partidárias em todo o País, procedendo-se, com vistas a essa finalidade, a um levantamento detalhado da situação partidária e social dos principais municípios de todos os Estados.

A parte fundamental do debate constitui-se no debate sobre a identidade e os compromissos do Partido neste grave período histórico que atravessamos.

A Nação está mergulhada numa crise sem precedentes. O nosso povo, perplexo e sofrido, vem reclamando definições quando se tornam transcendentes decisões sem a sua audiência e que o afetam até mesmo no seu elementar direito à vida. Estamos persuadidos de que somente através da democracia e do socialismo em liberdade será possível encontrar saídas para o atual contexto de dependência, de injustiças e de sofrimentos para o nosso povo.

Por isso mesmo, o PDT assume, com inabalável e definitiva convicção e firmeza, pelo seu programa, sua prática e objetivos, a causa do socialismo democrático no Brasil. O PDT é um Partido Socialista. O nosso Socialismo há de ser construído através do voto livre, numa sociedade pluralista e civil, sem discriminar ou excluir quem quer que seja.

O nosso socialismo está indissoluvelmente ligado ao conceito de liberdade. Socialismo e liberdade, para nós, são inafastáveis como dois trilhos de uma estrada de ferro, expressando um Estado de Direito democrático e de profundo conteúdo social. Os nossos métodos e caminhos são pacíficos e democráticos. O PDT não luta pela tomada do poder. O seu propósito é ascender ao poder, inundando este país de consciências esclarecidas. Desses compromissos com a Nação, que alimentamos sem ódios ou revanchismos, ninguém, nem razão alguma nos afastará.

Afirmamos que, enquanto não se colocar um basta à dominação do capitalismo internacional, não haverá condições de edificar, no interior de nossas fronteiras, uma sociedade democrática, dentro dos padrões mínimos de justiça e de liberdade. Nós, trabalhistas, somos a oposição sem cumplicidade a tudo o que tem sido imposto ao povo brasileiro nestes quase 20 anos de autoritarismo, particularmente a uma política econômica que vem comprometendo a soberania do País e sacrificando ao desespero o povo trabalhador.

Quando à mudança na nossa sigla, como forma inclusive de expressar mais diretamente a índole socialista do Partido, não constitui prioridade imediata e exige um processo de amadurecimento.

No que diz respeito às iniciativas de fusão e de integração com outras agremiações e correntes afins, reafirma o PDT a intenção de levá-las à plena efetivação. Dependesse o assunto exclusivamente de nós, já essa unidade estaria consolidada. Mas em verdade, implica em decisões fora do nosso alcance, como por exemplo, as dificuldades da legislação eleitoral e a própria vontade dos demais partidos e seus dirigentes.

O que importa, porém, é que serão crescentemente intensificados os esforços do PDT no sentido da unificação do movimento social brasileiro, que não está longe de realizar-se, como fundamento basilar para a construção da Democracia no Brasil.

Mendes (RJ), 23 de janeiro de 1983.


A Conjuntura Mundial, a Internacional Socialista e o PDT - A ação avassaladora do capital e o direito dos povos

Por Arnaldo Mourthé, Secretário Internacional do PDT

Nossa civilização está vivendo uma grave crise que não pode ser resolvida por medidas superficiais. Suas raízes são profundas e seus efeitos planetários. Conflitos bélicos, crises financeiras e cambiais, desemprego, deterioração de serviços públicos, dificuldades de acordo sobre temas fundamentais como o meio ambiente e o comércio mundial, ressurgimento de doenças antes controladas e outras novas como a AIDS, são problemas que se agravam pelo mundo a partir da década de 90. Algumas dessas manifestações negativas tornaram-se extremamente perigosas nos últimos anos, particularmente a partir do 11 de setembro de 2001. Mas esse evento doloroso apenas acelerou um processo que já vinha tomando corpo desde a década de 80 e que responde pelo nome de globalização, promovido por uma regressão da doutrina econômica aos primórdios do liberalismo, o neoliberalismo.

Há um componente que deve ser destacado desse fenômeno de mudanças negativas para a sociedade humana que é a falência dos valores humanistas que formam os pilares da nossa civilização, hoje substituídos pela competição destrutiva e a adoração do dinheiro, tudo sobre a égide de uma entidade midiática que responde pelo nome de "mercado". Em nome dessa entidade divinizada, destrói-se serviços públicos, deteriora-se a saúde e a educação, elimina-se conquistas sociais dos trabalhadores, coloca-se o pecúlio que garante as aposentadorias e pensões dos trabalhadores no jogo do mercado financeiro, agravam-se os conflitos sociais através do desemprego e da redução salarial, enquanto crescem os índices de criminalidade e violência. Essa destruição sistemática de valores sobre os quais construímos nossa civilização está intimamente relacionados com a irresponsabilidade nos negócios, a negação à soberania dos povos, a violência criminosa e a solução de conflitos, entre nações e grupos étnicos ou religiosos, pela força bélica acionada por Estados poderosos. A força militar não tem significação senão como capacidade de defesa de uma nação e de seus valores. Seu emprego ofensivo contra os mais fracos é uma desumanidade, e a violência de qualquer procedência uma histeria de conseqüência nefasta.

A Internacional Socialista tem-se feito presente no meio desses conflitos para buscar soluções ou amenizar suas conseqüências. Assim foi em relação às guerras no antigo território da Iugoslávia, no Iraque, na Palestina e em muitos outros conflitos, como em questões como o comércio internacional, o meio ambiente, a inclusão digital e muitas outras. Sua presença em Cancun, México, entre 10 e 14 de setembro último, foi o último exemplo dessa sua ação, quando apresentou uma declaração face à V Conferência Ministerial da OMC, fazendo recomendações normativas sobre a condução do comércio internacional.

Essa atuação da I.S. é confortadora, mas não produz os efeitos necessários para barrar ou reduzir os prejuízos desse processo perverso de submissão dos povos aos interesses do capital financeiro. Nem torna menos aviltante a classificação das nações como sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento, com critérios restritos à acumulação de capital, à posse de tecnologia e ao poder militar. São desprezadas suas culturas milenares e seus potenciais humano e material. Estamos submetidos à ditadura da ideologia do capital financeiro, instrumento para manter e ampliar privilégios e impor políticas colonialistas e predatórias. Para tal, controla-se a informação e pratica-se a corrupção como métodos de convencimento. Com isso estão conduzindo a humanidade a um grande equívoco e a uma inexorável catástrofe. É disso que precisamos tratar nesse forum privilegiado que é a Internacional Socialista e especialmente no seu XXII Congresso. A realização desse no nosso país, nos impõe, como representantes do Brasil, vítima também desse processo, abrir uma discussão de fundo questionando as políticas neoliberais e propor novos horizontes para a humanidade.

É preciso urgentemente repensar o mundo, a começar pelas relações entre as nações. Reconhecer que os verdadeiros valores são o homem e as riquezas naturais, todos os outros sendo resultado da ação do homem em interação com a natureza. O dinheiro não passa da representação de valor dos bens produzidos pelo homem. Privilegiar o capital em detrimento do trabalho é um contra-senso. Deixar de investir e de dar emprego aos trabalhadores para pagar juros é uma ignomínia.

Primeiro passo: reconhecer a natureza da crise

O século XX assistiu a duas crises graves do sistema capitalista, em 1913 e em 1929. A primeira, que teve sua origem no esgotamento do modelo de exportação de ferrovias pela Inglaterra, foi superada graças a uma tragédia européia, a Primeira Grande Guerra, que mobilizou toda a capacidade produtiva das nações envolvidas diretamente no conflito e grande parte de outras não diretamente envolvidas. Sustada a crise e terminada a guerra a economia normalizou-se e voltou a crescer. Lord Keynes já dizia que era necessário, para evitar e superar as crises, a produção de serviços pessoais e produtos que não são postos à venda nos mercados, que não sejam mercadoria. Para financiá-los recomendava uma ligeira inflação. A guerra é o grande consumidor dessa categoria de produtos que, além de não concorrer com os outros produtos, geram emprego e, portanto, mercado para a produção excedente e realizar o lucro do capitalista. Por isso ele via na guerra um remédio para a economia em crise, embora amargo.

Em 1929 a crise eclodiu de novo, desta vez mais grave e tendo um novo polo central, os EUA, com conseqüências catastróficas e espalhando-se pelo mundo. A solução veio de Keynes com o New Deal de Roosevelt, investindo em serviços públicos e infra-estrutura, gerando mercado e permitindo a retomada da economia. Entretanto, sem o esforço de guerra a retomada foi lenta. A economia americana só voltou à sua plena capacidade em 1943, com a entrada dos EUA na Segunda Grande Guerra, essa sim, grande dilapidadora da produção chegando a absorver 50% do PIB mundial no período de sua maior mobilização.

A terceira crise não veio antes porque adotou-se a expansão do mercado através da transferência de parte dos meios de produção para países emergentes, como Brasil, México, Argentina, Coréia, etc. quando a indústria automobilística mostrou sinais de esgotamento de seu mercado em 1957. A ampliação da fronteira produtiva industrial foi uma solução encontrada para adiar a nova crise, coadjuvada pelas guerras locais e exploração espacial. O endividamento dos países hospedeiros das indústrias multinacionais gerou crises cambiais e estagnação econômica. Novos artifícios precisavam ser introduzidos para manter a expansão dos mercados. Desta vez o remédio seria mais cruel com a imposição da doutrina neoliberal, justificada pela famosa e perversa frase de Margaret Thatcher, em 1980, "there is no alternative". Esta doutrina tomou corpo e forma durante essa década, sendo definida por John Williamson como o "Consenso de Washington", em 1990.

A partir do acordo sobre a nova doutrina os mecanismos de expansão dos mercados se sofisticaram. Vieram a privatização dos serviços públicos, as patentes sobre produtos naturais e o genoma modificado, o mercado da informação e da informática, a criação artificial de mercado de investimentos através de derivativos, da especulação na bolsa e da manipulação do pecúlio da aposentadoria dos trabalhadores. A economia passou a ser dominada pelos intangíveis, tornou-se virtual e a expectativa de lucro tornou-se capital. A dívida pública elevou-se a nível intolerável para financiar essa loucura. Veja o endividamento dos EUA, do Brasil, da Argentina e de outros países. Esse modelo, entretanto, esgotou-se com a acumulação acelerada de capital não reinvestidos na produção e sua contrapartida perversa, a redução do poder de compra dos assalariados e dos empregos. A crise apresenta indicadores assustadores, pelas impossibilidades da produção remunerar o capital investido na especulação financeira e do pagamento da dívida pública, que só faz crescer, gerando uma bolha especulativa que ameaça explodir e transformar em pó os investimentos sem garantias reais.

Paralelamente, outra crise se apresenta, de outra natureza e, talvez, mais perigosa que a de acumulação e subconsumo. É a crise energética, que produziu as guerras do Afeganistão e do Iraque, e que já provoca séria fratura nas relações entre as grandes potências, todas necessitadas de fontes seguras de abastecimento de petróleo. Entretanto, essa crise não será resolvida, apenas adiada, pela posse do petróleo do Oriente Médio, apesar dele representar 70% das reservas mundiais. Isso porque o petróleo estará esgotado, ou tornar-se-á antieconômico, num horizonte de duas a três décadas. A substituição do petróleo pelo carvão mineral é impensável pelos efeitos nocivos ao meio ambiente com conseqüências catastróficas previsíveis. A uso generalizado da energia nuclear seria o suicídio da humanidade.

Essa nova crise colocou em cheque a proposta neoliberal de globalização, pelas próprias contradições de poder entre os países capitalizados. Dominar as principais fontes de energia passou a ser a prioridade do Império. Daí surgir o unilateralismo do Império, que faz prevalecer seus interesses na contramão dos interesses do capital financeiro dos demais países exportadores de capital.

Repensar o modelo energético e suas conseqüências sobre a Civilização Industrial

Está próximo o momento em que o atual modelo industrial será inviável, e o centro da economia mundial vai migrar para os países tropicais, detentores da maior potencialidade de produção de energia a partir da luz solar, a biomassa, as hidro e fotoeletricidade, e a energia eólica. Chegou a hora e a vez dos países tropicais. Essa verdade precisa ser considerada agora, nos estudos e formulações para a superação da grande crise civilizatória que se apresenta diante de nós. Para essa questão chamamos a atenção de todos os partidos membros da I.S., que não podem omitir-se, nesse momento decisivo, mesmo que a verdade tenha aspectos incômodos. Toda situação inexorável tem que ser enfrentada para atenuar suas conseqüências. Em especial, chamamos a atenção daqueles países que têm pago o grande preço pela aventura do capital, na obsessão do lucro farto e seguro, deixando na sua passagem, sangue, miséria, sofrimento e morte. Essa é a oportunidade de serem colocadas na ordem do dia todas as teses humanistas defendidas pela Internacional Socialista, que hoje parecem utópicas e são tratadas como ingenuidade ou desatualizadas. É o momento de nos lançarmos na construção de uma sociedade melhor, de paz e fraternidade.

A nossa região, a América Latina e muito especialmente a América do Sul, tem um papel preponderante a desempenhar no sentido de adequar sua economia à nova ordem do desenvolvimento sustentado, a começar pela energia sustentável, aproveitando nossas reservas de petróleo e gás para uma transição sem traumas. Aos países do norte oferecemos nossa cooperação como nações soberanas, a partir do desenvolvimento sustentado através de um modelo econômico e de organização social que corresponda às nossas realidades física e cultural, e aos nossos objetivos na construção do futuro. Definitivamente não podemos aceitar o tratamento de "periféricos", conceito preconceituoso a partir de critérios de um sistema falido e injusto.

Um modelo sustentável e humanizado de desenvolvimento

A questão central para os socialistas tem sido, ao longo de sua história, a defesa do trabalho face ao capital, tentando conquistar e garantir direitos dos trabalhadores e ampliar as funções do Estado, para alcançar cada vez mais o bem estar social e a segurança do cidadão. Tem sido também defender os paises menos capitalizados e menos industrializados da ganância das metrópoles, sobretudo no aspecto de sua soberania e autodeterminação, refreando as ações especulativas e predatórias do capital nas suas mais diversas manifestações.

No Brasil, o papel mais importante nesse campo foi desempenhado pelo trabalhismo, a partir do seu grande líder Getúlio Vargas e da Revolução de 30 que ele liderou e que veio implantar, definitivamente, a República no país. Essa ação política foi centrada na concepção de um Projeto Nacional apoiado sobre o Desenvolvimento, a Justiça Social e a Soberania Nacional.

Essa política representa o reverso da receita neoliberal que nos vem sendo imposta e que está sacrificando nosso desenvolvimento, empobrecendo nosso povo e demolindo nossas instituições e a própria estrutura da sociedade. O Estado de Bem Estar Social transformou-se em um Estado de pesadelo e de conflito social, a prosperidade em estagnação, a justiça social em concentração de renda e aumento da desigualdade, e o primado do trabalho sobre o capital no seu contrário, corrompendo nossos valores culturais e morais, e tornando o dinheiro o bem supremo da sociedade.

O Estado está sendo desmantelado, nosso patrimônio transferido para grupos estrangeiros, a sociedade enfraquecida e nossa soberania ameaçada. O crescimento extraordinário, maior entre todos os países no período do modelo econômico de conquistas sociais implantado por Vargas, transformou-se em estagnação e endividamento público. Os serviços públicos foram degradados, reduzidos na sua gratuidade ou encarecidos pelas privatizações. A renda da população caiu, comprometendo o crescimento econômico por falta de mercado interno. A massa salarial reduziu-se em mais de 30% nos últimos 12 anos e a renda do capital financeiro cresceu alcançando o dobro do rendimento dos capitais industrial e comercial, produzindo um brutal aumento da desigualdade social, com os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. A tributação aumentou de 25% do PIB em 1980, para 33% em 2000 e 36% em 2003, enquanto os serviços públicos são reduzidos e degradados, no contexto de uma terceirização irresponsável. Apesar do aumento da arrecadação, o Estado aliena grande parte do seu patrimônio, desvia recursos de investimentos e da Seguridade Social para pagar juros excessivos e ainda faz crescer o endividamento público. Criou-se assim uma situação de degradação contínua, insuportável para a população e insustentável para a economia.

Nós, os países tropicais, somos os detentores da maior parte da energia mundial que provém do sol e será decisiva para a humanidade com o fim próximo da era do combustível fóssil. Queremos e precisamos desenvolver nosso potencial energético com novas tecnologias e organizações sociais mais democráticas, e ainda valorizar nossa maior riqueza que são nossos concidadãos. Não podemos concordar em financiar privilégios com nossas ignorância, miséria e fome. Cabe às nossas lideranças políticas a responsabilidade de transformar em políticas práticas essas potencialidades e necessidades, para libertar-nos da opressão e da expoliação. Adotar a ALCA, como quer os EUA hoje, é impedir a realização do nosso projeto de desenvolvimento e valorização humana. Nossa postura partidária é a de cumprir com essa nossa obrigação sagrada de defender nosso povo e nossa nação, e demonstrar, ao mesmo tempo, a viabilidade dessa opção nesse final da era dos combustíveis fósseis.

Trabalho remunerado, educação e moradia para todos

Defender nosso povo implica em eliminar qualquer tipo de discriminação social ou racial, oferecer para cada brasileiro condições de trabalho remunerado digno, educação de qualidade, saúde, condições de dignidade na velhice, com aposentadorias e pensões adequadas às necessidades de cada um, e segurança, para que não precisemos ter medo de sair à rua, no exercício do nosso direito de ir e vir. Para tal é preciso um governo altivo que defenda com firmeza nossa soberania e o primado do trabalho sobre o capital.

Por mais que digam que não há alternativa ao modelo neoliberal, isso não é verdade. Nossa alternativa nós a temos na retomada do modelo de desenvolvimento nacional trabalhista, com justiça social e soberania. O Brasil foi o país que mais cresceu no mundo no Século XX até o ano 1980. Alcançamos assim a 8a posição entre as nações em valor da produção nacional. Nos últimos 22 anos caimos para a 15a, por termos aceitado as imposições políticas dos nossos credores e investidores internacionais. Precisamos e iremos restaurar o trabalhismo de Vargas e fazer nossas reformas, as verdadeiras. Traremos para as escolas todas as crianças em idade escolar, oferecendo-lhes, em nível adequado, educação, alimentação e assistência médica, e ainda protegêndo-as contra o trabalho precoce, os vícios e o crime organizado. Ofereceremos terras aos que dela precisam para trabalhar e sustentar-se, usando para tal a tecnologia que nós brasileiros desenvolvemos para tornarmos um grande produtor mundial de alimentos e exportador. Contruiremos moradias para todos, gerando grande número de empregos e aquecendo a economia com esses novos consumidores. E ainda iremos recuperar os serviços públicos e desenvolver a ciência e a tecnologia. Isso será feito com nosso trabalho e nossas riquezas naturais, a utilização racional do nosso território, banhado generosamente pela luz do sol, com a água doce que a natureza nos oferece e o solo que produzirá o alimento e a biomassa essencial à energia limpa e ao desenvolvimento sustentável. Esse é o modelo que permitirá ao Brasil uma cooperação efetiva e fraterna com as mais diversas nações do mundo.

Lutar por UM MUNDO DE PAZ E DE PROSPERIDADE, apoiado no Trabalho Humano, na Verdade e na Justiça, sem qualquer tipo de discriminação de pessoas ou de nações. Essa é nossa mensagem aos partidos irmãos reunidos neste magnífico XXII Congresso.

Rio de Janeiro, outubro de 2003

Secretaria de Relações Internacionais do Partido Democrático Trabalhista - PDT

Karl Kautsky e a social-democracia clássica



KARL KAUTSKY
O teórico político marxista Karl Kautsky, nascido em 18 de outubro de 1854, foi uma das mais importantes figuras da história do marxismo, tendo editado o quarto volume de O Capital, de Karl Marx, as Teorias de Mais-Valia , que continha a avaliação crítica de Marx às teorias econômicas dos seus predecessores.

Kautsky estudou história e filosofía na Universidade de Viena, e se tornou membro do Partido Social Democrata em 1875. De 1885 a 1890, ele viveu em Londres, onde se tornou amigo de Friedrich Engels. Em 1891, foi co-autor do Programa de Erfurt do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD), junto com August Bebel e Eduard Bernstein.

Após a morte de Friedrich Engels em 1895, Kautsky se tornou um dos mais importantes e influentes teoricos do socialismo mundial. Mais tarde, no entanto, foi empurrado para uma posição de "Centro" no interior da Social-Democracia alemã, quando Rosa Luxemburgo e a "esquerda" do partido se separaram em 1916, devido ao apoio do partido à participação da Alemanha na Primeira Guerra Mundial. No entanto, diferentemente da "Direita" do seu partido, Kautsky não sustentou esta posição patriótica até o fim da guerra. Em 1917, mudou de opinião, deixando o SPD brevemente até 1922.

Kautsky foi um dos mais ferozes criticos do bolchevismo, condenando a ditadura totalitaria estabelecida por eles na Rússia. Em 1934, escreveu "Bolchevismo: Democracia e Ditadura", onde condenou a URSS e sua ditadura totalitaria. Vejamos como Kautsky concebia a ditadura do proletariado:

"Literalmente, a palavra ditadura significa supressão da democracia. Mas acontece que, tomada à letra, esta palavra significa igualmente poder pessoal de um só indivíduo que não está preso por nenhuma lei. Poder pessoal que difere do despotismo no fato de não ser entendido como uma instituição de Estado permanente, mas como uma medida extrema de transição.

A expressão "ditadura do proletariado", por conseqüência não de um só indivíduo, mas de uma única classe, prova que Marx não pensava aqui em ditadura no sentido literal da palavra.

Fala aqui não da forma de governo, mas do estado de coisas, que deve necessariamente produzir-se por toda a parte onde o proletariado conquistou o poder político."


Para Kautsky, a ditadura do proletariado defendida por Marx e Engels não deve ser entendida no sentido literal da palavra, ou seja, como supressão da democracia, mas sim como uma medida extrema de transição, onde o proletariado assume o poder e inicia o processo de construção do socialismo. Portanto ao contrário de Lênin, Kautsky não se opunha a democracia e compreendia corretamente o sentido marxista da ditadura do proletariado.

Quando Eduard Bernstein defendeu a revisão do marxismo, afirmando que a esquerda deveria se preocupar com as reformas que beneficiavam a vida dos trabalhadores, e não com a luta pelo socialismo, Kautsky se posicionou contra essa revisão. Apesar de defender o caminho reformista, Kautsky deixava claro que este só teria sentido em conexão com a luta pelo socialismo. Ele disse que:

"Quando Bernstein diz que devemos ter primeiramente a democracia para conduzir passo a passo o proletariado à vitória, eu digo que para nós a questão é inversa. A vitória da democracia está condicionada pela vitória do proletariado."


É importante questionar, o que Kautsky entende por democracia? Qual o seu conceito de democracia? Sim, lógico que é importante. Em um comentário sobre a experiência da Comuna de Paris, Kautsky enfatizou que "A primeira tarefa do novo regime revolucionário foi a consulta pelo sufrágio universal. A eleição, realizada com a maior liberdade, deu em todos os distritos de Paris e com raras exceções, grande maioria a favor da Comuna." Em outra passagem, se referindo a Revolução proletária, Kautsky evidenciou que: "Um regime que conta com o apoio das massas só empregará a força para defender a democracia, e não para aniquilá-la. Ele cometeria verdadeiro suicídio se quisesse destruir seu fundamento mais seguro: o sufrágio universal, fonte profunda de poderosa autoridade moral."

Fica claro portanto que para Kautsky, a vitória da Revolução Socialista, ou seja, a vitória do proletariado, é a vitória da democracia. Assim como Rosa Luxemburgo, Kautsky defendia que a ditadura do proletariado consistia na maneira de aplicar a democracia, não na sua supressão. E que seria algo temporário, uma "medida extrema de transição."

Mas ao contrário de Rosa, Kautsky conhecia bem a conjuntura da Europa Ocidental e da Alemanha, não deixando-se levar pelo extremismo esquerdista. Kautsky foi dentro do marxismo, o pai do socialismo democrático, defendendo uma via pacífica para o socialismo, uma revolução processual fundamentada na radicalidade democrática. Faleceu em 17 de outubro de 1938, em Amsterdã, Holanda, onde encontrava-se exilado após os nazistas terem tomado o poder na Alemanha.

OBS: ao contrário dos eurocomunistas, que mesmo criticando o bolchevismo, são oriundos do mesmo, inclusive defenderam e ainda defendem a Revolução de Outubro, os social-democratas sempre se opuseram ao bolchevismo e não apoiaram a revolução realizada por eles na Rússia. Entretanto esses social-democratas eram marxistas e portanto anti-capitalistas, só que defendiam o socialismo com liberdade e democracia, e não um socialismo totalitario como o dos bolcheviques. Não eram traidores e nem renegados, inclusive foram os primeiros a fazer previsões que a história revelou serem válidas, sobre o fracasso do modelo bolchevique.

"Como o socialismo não consiste simplesmente na destruição do capitalismo e em sua substituição por uma organização estatal-burocrática da produção, a ditadura bolchevique estava destinada a fracassar e a terminar 'necessariamente no domínio de um Cromwell ou de um Napoleão'". (A previsão feita por Kautsky realiza-se plenamente na figura de Stálin).

(Israel Getzler: "Outubro de 1917: o debate marxista sobre a revolução na Rússia". In: História do Marxismo. Eric J. Hobsbawm (org.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, pp. 58-59)


Como defensor do socialismo democrático, busco inspiração não somente no chamado "eurocomunismo", mais também na social-democracia clássica. Essa social-democracia clássica, representada por Kautsky, é claramente socialista, fundamentando-se na filosofia marxista.

Leiam o texto abaixo e reflitam

GLOBALIZAÇÃO E ULTRA-IMPERIALISMO
Moniz Bandeira*


Apesar das diferenças qualitativas, devido às mutações quantitativas determinadas, ao longo da história, pelo progresso científico e tecnológico, o que se denominou de globalização da economia, nos anos 90 do século XX, começou, a rigor, com as viagens de circunavegação, muitas das quais foram financiadas, no final do século XV, por banqueiros florentinos, entre os quais Bartholomeu Marchioni, Girolamo Frescobaldi, Lucas Geraldi, Giovanni Battista Rovelasca Filippo Gualterotti, agente de Giovanni Francesco de Alfaiati (Flandres) e Girolamo Sernigi, o que financiara a expedição de Pedro Álvares Cabral à Índia [1], quando ela derivou para o ocidente e alcançou a costa do Brasil, em 1500. Banqueiros e mercadores alemães também participaram desses empreendimentos. Simon Seitz, Antonio Welser e Conrad Vöhlin, em 1503, receberam licença de Dom Manuel I, rei de Portugal, para estabelecer suas casas comerciais em Lisboa e promover seus negócios sob as mais liberais condições [2]. Os recursos financeiros da casa comercial da família Fugger, de Augsburg (Alemanha), que se tornara credora dos reis de Portugal e Espanha, contribuíram para as expedições de Cristóvão de Haro ao Rio da Prata, em 1514, e de Fray Garcia Jofre de Loaisa a Maluco (Molucas), em 1525 [3]. Esses banqueiros florentinos da classe mercantil, cujo núcleo, em Portugal, era fundamentalmente de extração judaica, ganhava então enormes fortunas e adquirira superioridade nos negócios, devido à rapidez com que fazia circular os fundos obtidos com as letras de câmbio e à capacidade de transferir com presteza, aproveitando a instalação, no século XVI, das ligações postais ordinárias, grandes créditos de Lisboa para Sevilha, Madrid, Antwerp, Flandres, Lyon, Gênova e Burgos.

Em meados do século XIX, o próprio Karl Marx, após salientar, no Manifest der Kommunistischen Partei, de 1848, que a burguesia desempenhara o mais alto papel revolucionário [4], na história, e criara maravilhas completamente diversas das Pirâmides do Egito, dos aquedutos romanos e das catedrais góticas, observou que ela, através da exploração do mercado mundial, dera um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países e, com grande pesar para os reacionários, retirara da indústria sua base nacional [5]. Já àquele tempo, segundo acrescentou, as antigas indústrias eram ou seriam ainda diariamente destruídas, suplantadas por novas, cuja introdução se convertia questão vital para todas as nações civilizadas e que não mais empregavam matérias-primas domésticas, porém oriundas das mais longínquas regiões e cujos produtos se consumiam não só no próprio país, senão em todas as partes do mundo [6]. A arruinar as economias naturais e pré-capitalistas, o capitalismo vinculou todos os povos em um sistema de vasos comunicantes, tornando as sociedades interdependentes, apesar e/ou em conseqüência da diversidade de seus graus de progresso e civilização. E, desde o mercantilismo, sua evolução constituiu um processus de contínua globalização da economia, com a implantação do sistema colonial nas Américas, África e Ásia, a divisão internacional do trabalho e a criação do mercado mundial, paralelamente à conformação de Estados nacionais. Não foi por outra razão que Marx lançou o apelo: "Proletarier aller Länder, vereinigt euch!" [7]

A esperança de Marx e Engels, quando lançaram esse apelo, no Manifest der Kommunistischen Partei de 1848, consistia em que a transformação social ocorresse nos países industrializados da Europa, especialmente na Alemanha, já às vésperas de uma revolução burguesa, que, a realizar-se, segundo percebiam, sob as condições de maior progresso da civilização, naquele continente, e com um proletariado muito mais desenvolvido que o da Inglaterra, no século XVII, ou da França, no século XVIII, não poderia ser senão o prelúdio da revolução proletária. Essa perspectiva, que Marx vislumbrara, não se efetivou, sobretudo porque ele próprio concluíra e enunciara, no prefácio de Zur Kritik der Politschen Ökonomie, uma formação social nunca desmorona sem que as forças produtivas dentro dela estejam suficientemente desenvolvidas, e as novas relações de produção superiores jamais aparecem, antes que as condições materiais de sua existência sejam incubadas nas entranhas da própria sociedade antiga [8]. E não era essa a situação do capitalismo na Alemanha, onde a revolução de 1848 não conseguiu sequer unificar e forjar o Estado nacional, apesar de que o Zollverein (mercado comum), instituído em 1827, impulsionara sua industrialização, ao extinguir as aduanas internas que a dividiam em cerca de três dezenas de pequenos reinos. Coube a Otto von Bismarck, príncipe-regente da Prússia, fazê-lo, em 1870/71, cindindo a própria nacionalidade, com a exclusão da Áustria do Reich alemão [9], por meio de uma fronteira estatal.

Com efeito, em 1848, o capitalismo não esgotara suas possibilidades de desenvolvimento, nem na Alemanha, nem nos demais países industrializados da Europa, muito menos nos EUA, pois constituía o primeiro sistema econômico com capacidade de expandir-se mundialmente, e manter a continuidade do processo de acumulação, eliminando, progressivamente, todos os demais modos de produção, as formações pré-capitalistas, economias naturais e economias simples de mercado, das quais podia dispor como mercado para a colocação do seu excedente econômico, como fonte de meio de produção e reservatório de força-de-trabalho. E o progresso da indústria pesada, a descoberta da energia elétrica, a transmissão à distância, o navio a vapor e as estradas de ferro impulsionaram ainda mais a internacionalização ou globalização da economia, na segunda metade do século XIX. Essas conquistas tecnológicas não somente reduziram o tempo de circulação das mercadorias como também modificaram as formas e os métodos de guerra, favorecendo a monopolização da força armada pelos Estados nacionais, cujo avigoramento político e militar a expansão internacional do capitalismo exigia. E, a partir da crise econômica de 1873, que durou mais de 20 anos, o processo de concentração e centralização de capitais intensificou-se, sobretudo na indústria pesada, e os bancos passaram a desempenhar decisivo papel no fomento da produção, na medida em que forneciam às indústrias os recursos financeiros de que elas careciam. Novas formas de organização empresarial – trustes, cartéis, sindicatos de empresas e consórcios de bancos - constituíram-se, então, e trataram de estabelecer o monopólio ou a reserva de mercado, a fim de sustentar internamente os preços dos produtos, ao mesmo tempo em que se lançavam no comércio de exportação.

A monopolização dos mercados domésticos impeliu os grandes conglomerados (Konzern) a buscarem a monopolização dos mercados no exterior, reativando a expansão colonial, adormecida ao tempo em que o laissez-faire , ou seja, o liberalismo de Manchester, predominou na economia. O capitalismo, que antes se opunha ao Estado, passou a utilizá-lo, para a sua expansão, demandando a superação das formas débeis de Estado, geradas na época da economia natural e da economia simples de mercado, i. e., a reorganização das superestruturas políticas, mediante o robustecimento de um poder central, com a formação de um Estado unitário, que servisse como alavanca de expansão dos mercados e assegurasse a continuidade do processo de acumulação. A indústria pesada – não mais a têxtil – adquiriu importância cada vez maior na economia, na medida em que a corrida armamentista se intensificou, na luta pelos mercados e fontes de matérias primas. Destarte, ao mesmo tempo em que assumia o caráter financeiro e gerava modelos monopolísticos de organização empresarial, o capitalismo necessitou de estados poderosos, para garantir o mercado nacional, mediante proteção, e servir para a abertura dos mercados exteriores, bem como transformar todas as regiões do mundo em zonas de investimento. O poder político e militar dos Estados tornou-se elemento decisivo na concorrência econômica, que já não mais se limitou ao mercado para a colocação de manufaturas, nos quais apenas se decidia o preço. Ela se estendeu ao mercado de capitais, com a oferta de empréstimos, condicionados à posterior absorção de produtos industriais, não mais somente de tecidos e/ou bens não-duráveis de consumo, mas de equipamento ferroviário, canhões e outros petrechos bélicos, necessários à formação de um moderno aparelho de Estado. Essas exportações de bens de capital contribuíram para o surgimento da indústria de bens de consumo, nos países mais atrasados. E as estradas de ferro e os armamentos, facilitados pelos empréstimos externos, tanto constituíram a argamassa com que os Estados-nações sedimentaram a sua unidade quanto, contraditoriamente, assinalaram uma nova etapa na internacionalização da economia. O militarismo tornou-se um meio de primordial importância para a realização do excedente econômico ( Mehrwerts). E possibilitou o advento do imperialismo, que Rosa Luxemburg definiu o como a expressão política desse processo de acumulação do capital [10], em sua luta para conquistar as regiões não-capitalistas, ainda não dominadas e integradas no sistema capitalista mundial [11]. A teoria de Marx sobre o colapso do capitalismo falhou, foi irrtümlich (errônea), conforme ela demonstrou, em "Die Akkumulation des Kapitals", obra publicada em 1913, porque ele fizera sua análise em uma época na qual o imperialismo ainda não havia aparecido no cenário mundial [12]. E o que impulsionou o imperialismo, partir da segunda metade do século XIX, foi o rápido desenvolvimento da indústria, em todos os países civilizados ( Kulturländern), sobretudo na América do Norte e na Alemanha, que acirrou a concorrência no mercado mundial. Conforme Friedrich Engels assinalou em notas inseridas no terceiro tomo de "Das Kapital" [13].

A América do Norte, ou seja, os EUA, considerada por Marx o país mais avançado (das vorgeschrittenste Land) [14], sem o qual, se fosse riscado do mapa, haveria a anarquia, a completa decadência do comércio e da moderna civilização [15], saltou do quinto lugar, que em 1840 ocupava no ranking das potências industriais, para o quarto, em 1860, para o segundo, em 1870, e para o primeiro, em 1895 [16], quando já estava a produzir mais aço e carvão do que a Grã-Bretanha e a Alemanha juntas [17]. A fabricação em série, ao reduzir custos de produção, permitiu que, em alguns decênios, os EUA se tornassem uma potência econômica, antes mesmo de constituírem uma potência política e militar, e conquistassem a supremacia no mercado mundial, além de dispor de enorme espaço econômico, suficiente, inclusive para a era do imperialismo, cujo campo de expansão já estava, ademais, geograficamente determinado, com o movimento pan-americano [18], que principiava sob a cobertura da Doutrina Monroe [19]. Essa doutrina, expressão de uma política unilateral dos EUA, o presidente Theodore Roosevelt (1901-1909) rejuvenesceu com um Corolário, autorizando intervenção em outros Estados latino-americanos, executada com agressiva determinação na América Central e no Caribe, de modo a proteger a segurança do canal do Panamá e consolidar no continente o imperium informal dos EUA. A convicção expressada por ele e outros líderes norte-americanos era de que a segurança dos EUA estava a depender de efetiva hegemonia sobre seu próprio hemisfério [20]. Entretanto, no início do século XX, a hegemonia dos EUA não mais se limitava ao hemisfério, onde eram, praticamente, soberanos e seu fiat tinha força de lei [21], conforme o secretário de Estado, Richard Olney, proclamara em 1895. Ela se estendia, das Índias Ocidentais, no Caribe, até Tutuila, no arquipélago de Samoa e Guam, ao sul do Pacífico, quinze milhas a leste das Filipinas, colônias que conquistara à Espanha, em 1898, ao derrotá-la na esplendid little war pela independência de Cuba [22]. Com a segunda maior força naval do mundo, antes mesmo de concluída a abertura do Canal do Panamá (1914), dominando os dois oceanos – o Atlântico e o Pacífico – os EUA, sob a presidência de Theodor Roosevelt, consolidaram a sua posição como potência mundial e o social darwinismo constituiu a rationale de sua política de expansão imperial, interpretada como o avanço da civilização e contra a selvageria [23].

Por sua vez, a Alemanha, desde sua unificação em 1871, entrara igualmente em uma etapa superior de industrialização, impulsionada pela conquista da Alsácia e da Lorena, com suas ricas jazidas de minério de ferro, e os cinco bilhões de francos-ouro, que a França, após a derrota na batalha de Sedan (1870) pagou como indenização de guerra. Em 1874, sua rede ferroviária (mais de 20 000 km) estava praticamente concluída, o volume de seu comércio, no mercado mundial, era apenas inferior ao da Grã Bretanha. Cerca de 25 anos depois, em 1900, a Alemanha, cuja população saltou de 41,6 milhões de pessoas, em 1873, para 52 milhões, em 1895, e 67 milhões, em 1913 [24], tornar-se-ia a segunda potência industrial do mundo, suplantada apenas pelos EUA. Entre 1907 e 1913, em apenas seis anos, sua produção de carvão aumentou de 1/3, subindo de 143 para 191 milhões de toneladas, e a produção de aço cresceu cerca de 50%, ao saltar de 13 para 19,3 milhões de toneladas [25]. Também as indústrias de material elétrico, representadas pela Siemens e AEG, assim como as indústrias de produtos químicos (BASF, Bayer e Hoechst) e de motores alcançaram, no mesmo período, extraordinárias taxas de crescimento. E o volume do comércio exterior da Alemanha elevou-se de 15,6 bilhões de marcos, em 1907, para 20,9 bilhões, em 1913 [26]. A situação na Europa, entretanto, era diversa da existente na América. As diferentes condições naturais, que dentro do amplo espaço econômico dos EUA lhes favoreceram o rápido desenvolvimento, estavam na Europa repartidas de maneira casual e irracional entre uma grande quantidade de pequenos países e este fator compeliu as potências industriais, como Grã-Bretanha e França, à ampliação de seus impérios coloniais, com a conquista de territórios na Ásia e na África. Também estados menores, a exemplo da Bélgica e da Holanda, possuíam consideráveis possessões em outros continentes. Porém, a contrastar com seus principais competidores, a Grã-Bretanha e, sobretudo, os EUA, para os quais todo o continente americano tinha o caráter de colônia, a Alemanha não possuía qualquer domínio importante, um novo território, com grandes áreas de economia não-capitalista, ao qual pudesse estender o círculo de consumo para o capital, possibilitando-lhe o incremento da reprodução, i. e., a continuidade da acumulação. A fim de evitar conflito com a Grã-Bretanha, e a França, Bismarck opusera-se à idéia de um Império Central Africano ( Mittelafrika), proposta, em 1882, por Carl Peters, dirigente da Gesellschaft für deutsche Kolonisation [27], e rechaçara energicamente a sugestão de encorajar a formação de um estado alemão independente, no sul do Brasil, quando a república foi proclamada em 1889, por não querer um enfrentamento com os EUA [28]. Apenas se assenhoreou, em 1884, de Togo e Camarões, na costa ocidental da África, e de Tanganica, ao lado do Oceano Índico, em 1895 [29]. Assim, a contradição entre a relativa estreiteza do seu espaço econômico e a extraordinária expansão do capitalismo devia impulsionar a Alemanha, em meio de tensões sociais e políticas domésticas, a uma solução violenta, como Rudolf Hilferding previu [30].

Kautsky e a teoria do ultra-imperialismo

De fato, a Alemanha, onde a Krupp possuía extraordinário excedente de material bélico e manobrava para provocar o conflito [31], tratou de ampliar pela força seu espaço econômico. Vitoriosa nas guerras de 1870, ela cria na superioridade do seu povo e na invencibilidade dos seus soldados. E o conflito armado irrompeu, em 28 de julho, quando a Áustria declarou guerra a Sérvia. A Alemanha, logo em seguida, declarou guerra à Rússia (1° de agosto) e à França (3 de agosto), bem como invadiu a Bélgica (4 de agosto). A Grã-Bretanha, que estabelecera com a França e a Rússia uma Entente Cordiale, não tardou em declarar guerra à Alemanha (4 de agosto) e, assim, a conflagração espraiou-se por toda a Europa, envolvendo virtualmente cerca de 57 estados, nos quatro continentes. Um mês depois, em "Die Neue Zeit" de 11 de setembro de 1914, Karl Kautsky, o mais importante teórico da II Internacional ou Internacional Socialista, discípulo direto de Marx e Engels, publicou um artigo, intitulado "Der Imperialismus" , no qual salientou que se podia aplicar ao imperialismo o mesmo que Karl Marx dissera sobre o capitalismo, i. e., que o monopólio gerava a concorrência e a concorrência gerava o monopólio [32], ponderando que, da mesma forma que a furiosa competição das firmas gigantes, dos bancos gigantes e multimilionários, que absorviam os menores, levaram os grupos financeiros a conceber a idéia do cartel, a guerra mundial poderia compelir as potências imperialistas a formar uma união e pôr fim à concorrência na produção de armamentos [33]. Segundo sua opinião, não era impossível, do ponto de vista puramente econômico, que o capitalismo entrasse em nova fase, marcada pela transferência dos métodos dos cartéis, para a política internacional, a fase do ultra-imperialismo, que também devia ser, energicamente, combatido e cujo perigo jazia em outra direção e não na corrida armamentista e na ameaça à paz [34].

A livre concorrência, na economia capitalista, equivalia à lei da selva, i. e., o princípio da seleção das espécies através da lei do mais forte. A guerra da concorrência era conduzida por meio da redução dos preços, o que dependia da produtividade do trabalho, e este da escala da produção, de modo que vencia a empresa que possuísse mais recursos tecnológicos, mais capital, e/ou outras vantagens [35]. "Die größeren Kapitale schlagen daher die kleineren" ("os grandes capitais derrotam os pequenos") – disse Marx, explicando que a concorrência se acirrava em relação direta com o número e em relação inversa à grandeza dos capitais, que se rivalizavam, e terminava sempre com a derrota dos pequenos capitalistas, cujas empresas, ou iam a pique, ou passavam para as mãos dos vencedores [36]. O mercado, no qual os capitalistas faziam a conversão monetária do excedente econômico, era o campo de batalha, a selva, onde somente os mais aptos, os mais fortes, podiam sobreviver. Por essa razão, em 1862, Marx escreveu a Engels que se deleitava com o fato de Charles Darwin reconhecer, entre as plantas e os animais, a própria sociedade inglesa, com a sua divisão do trabalho, competição, abertura de novos mercados, invenções e a luta pela existência, conforme a teoria de Thomas Robert Malthus [37] sobre o crescimento populacional. Era o "bellum ominium contra omnes" [38], de Thomas Hobbes, que lhe fazia lembrar a Phänomenologie [39], de Hegel, na qual a sociedade burguesa se apresentava como o geistiges Tierreich (espírito do reino animal), enquanto na teoria de Darwin o reino animal figurava como a sociedade burguesa [40]. Contudo, da mesma forma que a concorrência entre as firmas, possibilitando a concentração e a centralização do capital, havia gerado, a partir de 1870, os monopólios e novas formas de organização empresarial, como os trustes e sindicatos, tendências para a cooperação já se afiguravam nas potências imperiais, com a formação de estruturas cartelizadas e o potencial controle das crises internas, tal como Rudolf Hilferding observara [41], ao demonstrar que o progresso do capitalismo tornava cada vez mais intensa a interdependência internacional dos processos econômicos, razão pela qual os fenômenos de um país, com todas as suas particularidades do seu estágio de desenvolvimento temporal, técnico e organizatório, influenciavam também a crise de outros países [42]. Essa percepção levou Kautsky a aventar a possibilidade de que as grandes potências também estendessem e aprofundassem sua cooperação, em parte como resposta à ameaça da revolução ou dos movimentos de libertação nacional, nos países coloniais. E em artigo publicado em Neue Zeit, em 30 abril de 1915, sob o título "Zwei Schriften zum Umlernen" [43], explicou:

O movimento para revogar a proteção aduaneira na Grã-Bretanha, o rebaixamento das tarifas na América, a tendência para o desarmamento, o rápido declínio nas exportações de capital da França e da Alemanha, nos anos anteriores à guerra, e, por fim, o crescente entrelaçamento entre as várias cliques do capital financeiro levam-me a considerar se não é possível que a atual política imperialista seja superada por uma nova política ultra-imperialista, que, no lugar da luta entre os capitais financeiros nacionais, estabeleça a exploração conjunta do mundo pelo capital financeiro internacional. Essa nova fase do capital financeiro é, em todo caso, concebível [44].

Kautsky especulou com prováveis conseqüências que a guerra mundial, em curso, produziria, sobre a evolução do capitalismo, e admitiu, inclusive, a possibilidade de que o imperialismo evoluísse para uma fase, que ele denominou de ultra-imperialismo, embora reconhecesse a ausência premissas suficientes para afirmar que ela se realizaria. E sua avaliação era consistente com a análise do processo de concentração e centralização capital, feita por Marx, pois a guerra mundial, deflagrada em 1914, desdobrava por meios militares a concorrência econômica e comercial entre as potências industriais da Europa. Vladimir I. Lenin, em sua famosa obra "O Imperialismo, fase superior do capitalismo" [45], rechaçou, porém, a hipótese de que o imperialismo evoluísse para o ultra-imperialismo, dizendo que as abstrações mortas e as divagações inconsistentes de Kautsky estimulavam, entre outras coisas, a idéia profundamente errônea e que levava água para o moinho dos apologistas do imperialismo, segundo a qual a dominação do capital financeiro atenua a desigualdade e as contradições da economia mundial, quando, em realidade, o que faz é acentuá-las [46]. Sua percepção era a de que o imperialismo configurava o capitalismo em decomposição, o capitalismo de transição ou, mais propriamente, agonizante [47], que conduzia à plena socialização da produção, em seus mais variados aspectos, e arrastava os capitalistas, apesar de sua vontade e consciência, a um certo novo regime social, de transição entre a plena liberdade de concorrência e a socialização completa [48]. O imperialismo é prelúdio da revolução social do proletariado – Lenin pontificou, aduzindo que esse seu entendimento fora confirmado, em escala mundial, desde 1917 [49], ao contrário de Kautsky, que não considerou o imperialismo como a fase final do capitalismo, da qual a revolução socialista resultaria, em um prazo histórico relativamente curto, e admitiu outras hipóteses sobre o seu desenvolvimento.

A atitude de Lenin, acusando Kautsky de romper irremediável e decididamente com o marxismo [50] etc., não decorreu de uma reflexão teórica, com base científica, mas de uma paixão política. O objetivo das diatribes, com que ele contribuiu para dogmatizar o marxismo, não consistiu em convencer, mas em vencer, em estigmatizar os que pensavam diferentemente, pois todo o seu esforço visava, antes de mais nada, a promover a revolução na Rússia e no resto da Europa. O próprio Kautsky reconheceu que Lenin fora um homem dos mais persistentes, inabaláveis, com uma vontade desafiante, e comparou-o a Bismarck [51], inclusive por compreender muito bem o significado da força armada, na política, e aplicá-la, implacavelmente, no momento decisivo. Ponderou, porém, que, ao contrário de Bismarck, que estudava cuidadosamente os Estados, com os quais tinha de ligar seu poder e as relações de classe neles existentes, Lenin nunca conseguiu entender completamente as peculiaridades sociais e políticas da Europa Ocidental, embora lá houvesse vivido, como emigrante, várias décadas. Sua política, adaptada completamente às peculiaridades da Rússia, foi, com respeito aos países estrangeiros, baseada na expectativa da revolução mundial, a qual, desde o começo, devia ter parecido uma ilusão para qualquer um que conhecesse a Europa Ocidental, Kautsky aduziu [52]. Com efeito, a política de Lênin, sua concepção de partido e seu comportamento político, marcado pelo voluntarismo, refletiram as idiossincrasias culturais da Rússia, onde em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro pelo calendário gregoriano [53]) a revolução finalmente irrompeu, possibilitando o ressurgimento do Soviet de Deputados Operários e Soldados e compelindo o Tsar Nicholas II a abdicar do trono.

A revolução socialista não se estendeu a toda à Europa. E a história, que se desdobrou com a Segunda Guerra Mundial e, por fim, o desmoronamento da URSS demonstrou que a hipótese de Kautsky estava mais correta e mais próxima da realidade do que a expectativa de Lênin. As grandes potências formaram um grande cartel, o G7 (o grupo das sete nações mais industrializadas), para ajustar os problemas econômicos, e têm na OTAN seu instrumento bélico. E o ultra-imperialismo configurou-se com a supremacia dos EUA, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas, sobretudo, após o colapso do Bloco Soviético, que abriu novos mercados, concorrendo para impulsionar o processo de internacionalização ou globalização da economia capitalista. As contradições de interesses entre as potências industriais, decerto, não desapareceram completamente, porém nada autoriza a supor que elas, entre si, possam chegar a um conflito armado. As guerras passaram a ser com os países que se encontram na periferia do sistema.


*Luiz Alberto Moniz Bandeira é cientista político e professor emérito de política exterior da Universidade de Brasília.